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01.07.2013

A Autoridade da Concorrência aprova novas Linhas de Orientação sobre a Instrução de Processos

No final de Março de 2013, e após realização de consulta pública, a Autoridade da Concorrência (“AdC”) aprovou as Linhas de Orientação sobre a Instrução de Processos (“Linhas de Orientação”) relativos à aplicação dos artigos 9°, 11° e 12° da Lei n.° 19/2012, de 8 de maio (nova “Lei da Concorrência”), isto é, sobre a instrução de processos de contra-ordenação por práticas restritivas da concorrência.

As Linhas de Orientação incidem sobre algumas das principais inovações da nova Lei da Concorrência, contribuindo para esclarecer a interpretação que a AdC faz de algumas das normas legais aplicáveis e tendo em vista “assegurar maior transparência e previsibilidade” quanto à tramitação dos processos de contra-ordenação (parágrafo 2 das Linhas de Orientação).

A AdC pode tomar conhecimento de uma infracção às regras de concorrência oficiosamente ou por denúncia de terceiros. Quanto à abertura da fase inicial de inquérito, a nova Lei da Concorrência introduziu um modelo baseado num princípio de oportunidade, segundo o qual a AdC deixa de estar legalmente obrigada a abrir inquérito de cada vez que receba uma denúncia mas, antes, pode aferir do interesse público em avançar com um inquérito em cada caso concreto, nomeadamente à luz das “prioridades da política de concorrência” (artigo 7°, números 2 e 3, da Lei da Concorrência) que devem ser definidas anualmente.

Entre os meios de obtenção de prova ao dispor da AdC, as Linhas de Orientação clarificam o entendimento da AdC nalguns aspectos como, por exemplo, a circunstância de se considerar admissível a apreensão de correspondência aberta (incluindo correio electrónico) em processo contra-ordenacional uma vez que “Depois de aberta, a correspondência passa a ser um mero documento escrito, que pode, sem qualquer reserva, ser apreendido no decurso de uma busca” (parágrafo 51 das Linhas de Orientação).

Por outro lado, são destacadas algumas novidades introduzidas pela Lei da Concorrência, tais como a (i) possibilidade de realização de buscas domiciliárias – a autorizar, necessariamente, por despacho do juiz de instrução – no domicílio de sócios, membros dos órgãos de administração, trabalhadores e colaboradores de empresas e associações de empresas (artigo 19° da Lei da Concorrência) ou (ii) a possibilidade de realização de inspecções e auditorias pela AdC, neste caso sujeito ao consentimento das entidades visadas que devem ser notificadas da intenção em realizar a diligência com uma antecedência mínima de 10 dias úteis.

Nos termos do artigo 24°, n.° 1, da Lei da Concorrência, a fase de inquérito passa a ter a duração máxima (meramente indicativa) de 18 meses, podendo agora ser concluída por uma de 4 tipos de decisões: (i) abertura de instrução, com uma acusação (nota de ilicitude) ao(s) visado(s), sempre que a AdC conclua que existe uma possibilidade razoável de vir a ser proferida decisão condenatória; (ii) arquivamento do processo; (iii) decisão condenatória pondo fim ao processo em procedimento de transacção; (iv) arquivamento do processo mediante imposição de condições.

No caso de o processo avançar para a fase de instrução, esta deverá ser concluída no prazo máximo (mais uma vez indicativo) de 12 meses a contar da notificação da nota de ilicitude. As entidades visadas dispõem de um prazo não inferior a 20 dias úteis para apresentar a sua defesa por escrito, embora a AdC afirme que “Normalmente, a Autoridade fixará um prazo de 30 dias úteis” (parágrafo 93 das Linhas de Orientação). O prazo é prorrogável, no máximo por igual período, mediante pedido fundamentado. Na sua pronúncia escrita à nota de ilicitude, os visados poderão requerer uma audiência oral para complementar a sua defesa escrita, sendo aquela gravada.

As duas grandes novidades na tramitação processual das práticas restritivas da concorrência são, no entanto, a possibilidade de arquivamento do processo mediante apresentação de compromissos pelos visados e o procedimento de transacção.

As empresas arguidas podem agora, quer na fase de inquérito quer em instrução, propor compromissos voluntários para eliminar os efeitos anticoncorrenciais das práticas em investigação. Caso os compromissos, estruturais ou comportamentais, sejam aceites pela AdC, esta adopta uma decisão de arquivamento mediante a aceitação desses compromissos e a imposição de condições. Esta possibilidade – que não está disponível no caso de infracções mais graves, como cartéis – permite aos visados evitarem uma decisão condenatória e a correspondente coima, tendo para a AdC a vantagem de permitir uma reposição mais rápida das condições de concorrência no mercado. Os compromissos devem ser plenamente implementados no prazo de 2 anos após a decisão de arquivamento e o incumprimento de condições impostas por decisão adoptada em fase de instrução constitui contra-ordenação punível com coima de até 10% do volume de negócios.

Por outro lado, a Lei da Concorrência introduziu o procedimento de transacção que permite a uma empresa visada reconhecer a sua responsabilidade na infracção em causa e, desse modo, obter uma redução de coima, apresentando, quer na fase de inquérito quer em instrução, uma proposta de transacção (não revogável). Contrariamente à apresentação de compromissos, em caso de transacção a AdC adopta uma decisão condenatória. Os factos confessados pela arguida não podem ser impugnados judicialmente para efeitos de recurso e, sendo paga a coima, a transacção convola-se em decisão condenatória definitiva.

As Linhas de Orientação fornecem, nestas e noutras matérias, uma indicação útil de como a AdC se propõe aplicar a nova Lei da Concorrência em matéria de processos contra-ordenacionais.

Este artigo é da autoria do advogado Gonçalo Machado Borges.