Miguel Galvão Teles e Rita Júdice defendem uma justiça mais rápida, mais barata e com menos entraves ao crescimento económico.
O diagnóstico da justiça não é novo, não é bom e os dois, Miguel Galvão Teles advogado há 50 anos e Rita Júdice advogada há 12, subscrevem. A justiça está a viver um dos momentos mais complicados de sempre. Soluções? “Precisamos de um acordo sagrado entre os partidos para que os interesses corporativos não joguem em função dos interesses partidários” é o caminho apontado por Galvão Teles, sócio de uma das maiores firmas do país, a MLGTS. O especialista em direito público internacional deixa elogios, rasgados, aos juízes que são “íntegros, bons e competentes” mas lembra a lentidão e o elevado preço da justiça.
Rita Júdice, associada sénior de outra das maiores sociedades do país, a PLMJ, alinha pela mesma diapasão: “A justiça é um labirinto” que “leva muitos clientes a deixar de investir em Portugal”. Um exemplo: os fundos imobiliários que nas últimas décadas fizeram disparar a compra de imóveis, ficaram obrigados pelos benefícios fiscais a que recorreram a manter os investimentos durante 20 anos. Pelo meio, o Governo decidiu mudou as regras do jogo. “Agora não conseguem arrendar os imóveis porque o mercado está parado, estão a pagar mais impostos, não podem baixar as rendas porque a lei não o permite e têm de devolver o IVA ao Estado”.
Por detrás dos processos mais mediáticos, as estatísticas confirmam o desastre: mais de 30 mil processos parados nos tribunais fiscais e administrativos bloqueiam o equivalente a 8% do PIB, o número de processos a aguardar uma decisão judicial aumentou e já supera o milhão e meio e a confiança dos portugueses nos operadores judiciais está longe de atingir níveis aceitáveis. Galvão Teles fala na “grande volta que a justiça precisa de dar” e acrescenta um outro exemplo: se os juízes têm qualidade, como acredita, e são o rosto da autoridade na aplicação da justiça “como é possível que não mandem nos funcionários judiciais?”.
Os 40 anos que separam os dois advogados são esbatidos pelo diagnóstico, passado a papel químico, que traçam da justiça. Têm em comum a pertença a uma advocacia de elite onde dão entrada os grandes clientes, os processos mais cabeludos e as decisões mais mediáticas. Mas Rita Júdice não foge do ideal de advocacia que levou Miguel Galvão Teles a trocar a regência da cadeira de direito constitucional pela inscrição na Ordem. “Sou advogada de clientes e não de negócios”. Galvão Teles, mais experiente, diz que existem dois tipos de clientes: “Aqueles com quem mantemos a velha relação de confiança, quase sanguínea, e os outros”. Com os “outros” a relação é, inevitavelmente, comercial e a filha do ex-bastonário dos advogados, José Miguel Júdice, deixa um exemplo taxativo: “Trabalho muito com clientes estrangeiros, com quem comunico regulamente e que nunca vi”. Hoje em dia é ainda mais comum os clientes continuarem a entrar em casa dos advogados mas já não batem à porta. Entram por email através do Blackberry.
Apesar do ‘gap’ geracional confessam que se for preciso levam trabalho para casa. Rita Júdice admite que não simagina a fazer outra coisa que não a advogar. Miguel Galvão Teles dá uma resposta, no mínimo, desconcertante, assumindo que não nasceu para a advocacia e que “deveria ter feito outras coisas”: “Poderia ter ensinado, aprendido lógica” algo que, afinal, não está assim tão longe do direito.
Apesar da confissão, Galvão Teles acompanhou casos com enorme relevância política e social. Defendeu a posição portuguesa no Tribunal Internacional de Justiça contra a invasão indonésia de Timor. Portugal perdeu o processo mas “abriu-se a porta para a independência de Timor”. A outra marca do seu currículo chama-se Cahora Bassa, por onde ainda continua como presidente da assembleia-geral.
Numa fase de grandes transformações Rita Júdice, lamenta que a justiça não seja o motor do desenvolvimento: “Hoje há um grande hiato entre o acto e a consequência, as pessoas não têm problemas de incumprir, de não pagar. Se calhar até vão ser condenados, mas até lá o que é que vai acontecer?”. Daí, insiste, haja uma falta de responsabilização da própria sociedade que leva os operadores judiciários a serem menos exigentes. “Temos de ser mais exigentes uns com uns outros. Não podemos, simplesmente, deixar tudo andar e a justiça tem de fazer o seu papel”. Rita Júdice deixa, ainda, outro apelo importante ao poder político: “Temos de ter menos leis, melhores leis porque isso ajuda a uma mais fácil aplicação do direito e a uma certa estabilidade”. Um apelo que juristas, advogados, juízes e responsáveis políticos têm feito, mas que continua sem solução. ■
Duas gerações, uma advocacia
Miguel Galvão Teles e Rita Júdice coincidem no diagnóstico que fazem da justiça e na prática da advocacia em grandes sociedades. Apesar de terem algumas décadas a separá-los percebe-se que voltam a coincidir nos princípios que devem reger a advocacia. O cliente é o motor da sua actividade e é nele que se concentram. A entrevista de Rita Júdice decorreu, ao pequeno almoço, no Hotel D. Pedro. É boa conversadora e a timidez inicial facilmente se afastou. Falou de si, do pai (José Miguel Júdice) e, até, da arte de compatibilizar a pressão do trabalho com uma vida familiar recheada. Tem três filhos. Num registo distinto, estivemos com Miguel Galvão Teles no topo do imponente edifício da Morais Leitão, Galvão Teles e associados. Está numa fase da vida distinta mas, nem por isso, abranda o ritmo. Na advocacia não lhe falta “fazer nada” mas continua a trabalhar todos os dias. Às seis a partir de casa, às nove horas já no escritório. Deixou-se fotografar no seu gabinete onde, confessou, “se esqueceu de meter uma bandeira do Sporting”. Não porque precise de afirmar o seu sportinguismo, mas por pena. Pena de não se deixar fotografar com uma das suas maiores paixões. Rita Júdice começou na advocacia há 12 anos, Galvão Teles há 49. Exercem uma advocacia focada nos grandes clientes e nos grandes negócios. Mas não perderam os princípios do antigamente: são advogados de clientes, não das facturas que passam. ■