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31.01.2019

Acórdão Bauer: O Direito a Férias Anuais Remuneradas Consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da UE pode ser Invocado Numa Relação entre Trabalhador e Empregador “Privado”

No recentíssimo acórdão Bauer1, a Grande Secção do Tribunal de Justiça da UE (TJ) decidiu que o direito a férias anuais remuneradas pode ser invocado por um trabalhador contra um empregador “privado” (efeito direto horizontal).

Num dos dois litígios subjacentes a estes processos, uma viúva pediu ao empregador (privado) do seu falecido marido uma retribuição de 3 702,72 euros correspondente a 32 dias de férias anuais não gozadas por este à data da sua morte.

Nos termos do direito nacional (alemão), o direito a férias anuais remuneradas extingue-se com a morte do trabalhador. Porém, a Diretiva sobre tempo de trabalho2 (Diretiva), opõe-se ao regime nacional que, como o direito alemão, preveja a extinção daquele direito com a morte do trabalhador3. Ou seja, a Diretiva foi transposta de forma incorreta.

Estando em causa uma diretiva, as suas disposições não podiam ser invocadas por um privado contra um outro privado4. No acórdão, chegou-se igualmente à conclusão de que a interpretação do direito nacional conforme à Diretiva era impossível.

A solução encontrada foi a de conferir efeito direto horizontal ao n.' 2 do artigo 31.' da Carta dos Direitos Fundamentais da UE (Carta) na parte em que consagra o direito a férias anuais remuneradas.

Na fundamentação desta interpretação encontra-se um conjunto de critérios a considerar, nomeadamente: a) o estatuto do direito em causa enquanto «princípio essencial do direito social da União»5; b) a formulação deste direito «em termos imperativos»6; e c) o «caráter simultaneamente imperativo e incondicional [da existência do direito] não carecendo [...] de ser concretizada por disposições de direito da União ou do direito nacional»7.

Não se tratando do único direito previsto na Carta a reunir essas qualidades8, o TJ dá em Bauer um passo firme no sentido de vir a atribuir efeito direto horizontal a outras disposições do catálogo comunitário de direitos fundamentais, um desenvolvimento constitucional de enorme relevância com implicações práticas concretas.

No âmbito do direito do trabalho, por exemplo, a partir do acórdão Bauer a análise do direito derivado passa a não ser suficiente para compreender a totalidade do quadro regulatório que recai sobre as relações laborais entre privados, devendo o jurista em certos casos verificar i) se a Carta é aplicável e ii) que impacto substantivo essa aplicação pode ter.

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1 Acórdão de 6 de novembro de 2018, Bauer, C-569/16 e C-570/16, EU:C:2018:871.
2 Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, OJ L 299.
3 Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke, C-118/13, EU:C:2014:1755.
4 Acórdão de 26 de fevereiro de 1986, Marshall, C-152/84, EU:C:1986:84.
5 Bauer, § 80.
6 Bauer, § 84.
7 Bauer, § 85.
8 Pense-se, por exemplo, nos outros direitos consagrados no n.' 2 do artigo 31.' da Carta como o direito à limitação da duração máxima do trabalho ou o direito a períodos de descanso diário e semanal.