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31.01.2017

Advogado-Geral do Tribunal de Justiça da UE considera que o recurso da Intel, no proc.C-413/14P, contra a coima de 1,06 mil milhões de euros deve ser julgado procedente

A Comissão Europeia (Comissão), por decisão de 13 de maio de 20091 (Decisão), aplicou uma coima de 1,06 mil milhões de euros à empresa norte-americana Intel, fabricante de microprocessadores, por esta ter alegadamente abusado da sua posição dominante no mercado de unidades centrais de processamento e de arquitetura x86 (CPUX86), em desconformidade com o artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

De acordo com a Comissão, a Intel abusou da sua posição dominante no mercado mundial de CPUx86 entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, mediante a aplicação de uma estratégia destinada a excluir do mercado a Advanced Micro Devices Inc. (AMD). A decisão sancionatória da Comissão considerou que a Intel ocupava uma posição dominante com base no facto que a empresa detinha quotas de mercado de cerca de 70% ou mais no período relevante, e de que era muito difícil aos concorrentes entrarem no mercado devido à existência de investimentos irrecuperáveis em investigação e desenvolvimento, em direitos da propriedade intelectual e em unidades de produção. Supostamente o abuso caracterizava-se por medidas adotadas pela Intel junto dos seus clientes (fabricantes de computadores) e de um distribuidor europeu de aparelhos microeletrónicos. Assim, de acordo com a Comissão, a Intel concedeu descontos a quatro dos principais fabricantes de computadores (Dell, Lenovo, HP e NEC) na condição de estes lhe comprarem a totalidade, ou a quase totalidade, de CPUx86 de que necessitavam. Cumulativamente, a Intel concedeu, de acordo com a Comissão, pagamentos a um distribuidor europeu na condição de este vender exclusivamente computadores equipados com processadores x86 da Intel. Segundo a Comissão, estes descontos e pagamentos garantiram a fidelização dos quatro fabricantes e do distribuidor, e reduziram sensivelmente a capacidade dos concorrentes da Intel desenvolverem a sua atividade no mercado.

A Intel recorreu da decisão da Comissão para o Tribunal Geral Da União Europeia (TGUE) (processo T-286/09), com vista a obter a respetiva anulação ou, subsidiariamente, uma redução de coima, tendo o tribunal negado in totum provimento ao recurso. Com fundamentos vários, a Intel interpôs recurso do acórdão do TGUE para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – processo C-413/14P, pendente.

Nas conclusões não vinculativas apresentadas em 20 de outubro de 2016, o Advogado-Geral do TJUE , no que respeita ao primeiro fundamento de recurso, considera que o TGUE concluiu que os descontos concedidos à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo eram descontos de exclusividade, e que por este motivo não era necessário analisar os respetivos efeitos anti concorrenciais. Neste particular, o Advogado-Geral salienta nas suas Conclusões o princípio decorrente da jurisprudência do TJUE relativo à presunção do caráter abusivo dos descontos de fidelização, mas salienta que, em termos práticos, o TJUE tem invariavelmente tomado em consideração todas as circunstâncias para determinar se um dado comportamento configura um abuso de posição dominante. Termos em que o Advogado-Geral deflui que o TGUE cometeu um erro de direito ao considerar que os descontos de exclusividade constituem uma categoria de descontos autónoma e única, que não exige a apreciação de todas as circunstâncias para se poder estabelecer a existência de um abuso de posição dominante.

Ademais, o Advogado-Geral considera que o tribunal a quo cometeu também um erro de direito ao não ter estabelecido, com base em todas as circunstâncias específicas do caso, que os descontos e os pagamen¬tos concedidos pela Intel tinham, muito provavelmente, um efeito de exclusão da concorrência. No que respeita ao segundo fundamento da Intel, o Advogado-Geral arrima que o TGUE considerou suficiente realizar uma apreciação global da média da parte do mercado que foi ilicitamente encerrada durante o período entre 2002 e 2007 pela Intel. Como tal, entendeu ser irrelevante que durante os anos de 2006 e 2007 a cobertura do mercado pela Intel tivesse sido consideravelmente inferior. Segundo o Advogado-Geral, ao proceder desta forma, o TGUE afastou o critério da cobertura suficiente do mercado e não verificou se o comportamento controvertido era de facto suscetível de restringir a concorrência nos anos de 2006 e 2007. No seu entender, caso o TGUE tivesse efetuado essa verificação, teria concluído que uma parte do mercado tão reduzida seria insuficiente para provar a capacidade anticoncorrencial do comportamento sancionado, thema este que não pode ser solucionado mediante o recurso ao conceito de infração única e continuada. O Advogado-Geral conclui, assim, que o segundo fundamento do recurso da Intel deve também ser julgado procedente.

De igual modo, no que tange o terceiro fundamento de recurso, o Advogado-Geral reitera que os descontos de exclusividade não constituem uma categoria autónoma de descontos. Todavia, mesmo que o TJUE não esteja de acordo com esta interpretação, o Advogado-Geral sustenta que este fundamento deve ser acolhido, uma vez que a existência de descontos de exclusividade deve depender do facto de o cliente se abastecer relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades junto da empresa dominante, o que não acontece, no seu entender, no caso dos autos, dado que dois dos fabricantes de computadores (HP e LENOVO) podiam adquirir à AMD quantidades significativas de CPUx86.

No que concerne o quarto fundamento de recurso, o Advogado-Geral refere que o direito da UE obriga a Comissão a proceder ao registo das audições efetuadas durante o procedimento sancionatório jus concorrencial, o que assegura às empresas sob suspeita de infração das regras de concorrência a possibilidade de organizarem a sua defesa, e aos tribunais da União a capacidade de fiscalizarem se a Comissão exerce os seus poderes de inquérito em conformidade com o due process of law. Assim, segundo o Advogado-Geral, o TGUE cometeu um erro de direito pelo facto de considerar que a Comissão não tinha violado o due process of law ao não organizar e ao não registar uma reunião em conformidade com a legislação aplicável. Além disso, o Advogado-Geral entende que esta irregularidade processual não pode ser sanada através de nota interna facultada a posteriori pela Comissão, uma vez que essa nota não reflete o teor da reunião que a Comissão manteve com um dirigente de uma empresa fabricante de computadores. O Advogado-Geral considera, assim, que o quarto fundamento da Intel deve igualmente ser julgado procedente. No que respeita ao quinto fundamento de recurso e à questão de saber se a Comissão é competente, em direito internacional, para abrir um procedimento contra a Intel com fundamento no seu comportamento anticoncorrencial, o Advogado-Geral sustenta que não é possível considerar que o alegado abuso da Intel foi executado dentro do Espaço Económico Europeu (EEE). Segundo este, o TGUE não examinou se os efeitos anticoncorrenciais decorrentes de certos acordos entre a Intel e a Lenovo eram imediatos, substanciais e previsíveis no EEE – por conseguinte, no seu entender, o TGUE cometeu um erro ao aplicar o critério da execução e dos efeitos qualificados para rejeitar os argumentos da Intel sobre a falta de competência da Comissão.

Em síntese, o Advogado-Geral pugna que o acórdão confirmatório do TGUE deve ser anulado e o processo remetido ao tribunal a quo para serem examinadas todas as circunstâncias do mesmo e os efeitos reais ou potenciais do comportamento da Intel sobre a concorrência no mercado.

Note-se que as Conclusões do Advogado-Geral não vinculam os juízes do TJUE. A sua missão, nos termos do artigo 252.º, §2, do TFUE, consiste em propor ao TJUE, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que nos termos do Estatuto do TJUE, requeiram sua intervenção.

Cumpre agora aguardar para saber se as conclusões não vinculativas do Advogado-Geral, que propõem uma análise material e mais substantiva dos efeitos de condutas supostamente abusivas, agregadas entre o mais a descontos por uma empresa em posição dominante – e em descontinuação de uma análise mais jurídico-formal de per se dos pressupostos associados ao preenchimento dos elementos objetivos do tipo do artigo 102.º do TFUE ao abrigo do atual acquis jurisprudencial – são acolhidas pelo TJUE.

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1 A síntese da Decisão foi publicada no Jornal Oficial da UE, série C 227, de 22 de setembro de 2009, p. 13.