M L

31.01.2017

Autoridade da Concorrência alcança a sua primeira vitória no âmbito do “esmagamento de margens”

Introdução

A Autoridade da Concorrência (AdC) obteve recentemente, por parte do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), a primeira confirmação judicial de uma decisão relativa a abuso de posição dominante em resultado de práticas de esmagamento de margens. O acórdão, de 20 de outubro de 2016, será publicado pela AdC no site da autoridade, todavia, não se encontra ainda disponível.

O caso em apreço respeitava aos mercados da venda de dados comerciais das farmácias e venda de estudos de mercado baseados naqueles dados, nos quais a AdC alega ter-se verificado um abuso de posição dominante por parte da Associação Nacional de Farmácias (ANF) e de três outras empresas do grupo: por um lado, a Farminveste, SGPS, SA e a Farminveste – Investimentos, Participações e Gestão, S. A., ambas ativas na venda de dados comerciais das farmácias, e, por outro, a HMR – Health Market Research, Lda., ativa na realização de estudos do mercado farmacêutico.

A AdC iniciou a investigação aprofundada a estes mercados no seguimento de queixa por parte da IMS Health, concorrente no mercado a jusante, que considerou que os preços praticados pelo grupo ANF na venda dos dados comerciais, em conjugação com os preços dos estudos de mercado, impossibilitavam a concorrência, na medida em que não permitiam aos concorrentes ao nível da venda de estudos de mercado, ainda que igualmente eficientes, obter uma margem suficiente para cobrir os seus custos de produção.

Na decisão de condenação adotada em 2015, a AdC concluiu que as entidades em causa utilizaram práticas de esmagamento de margens (margin squeeze), de 2010 a 2013, tendo levado a uma exclusão da concorrência no mercado da realização de estudos de mercado e, em última análise, prejudicado os consumidores, no caso em apreço, os laboratórios farmacêuticos que adquiriam os respetivos estudos. A AdC considerou que tais condutas consubstanciavam uma violação grave da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, a Lei da Concorrência, assim como do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que aplicou coimas no montante total de EUR 10,34 milhões ao grupo ANF.

Em sede de recurso, o TCRS confirmou, em geral, as conclusões da AdC, tendo, todavia, optado por reduzir o montante da coima total aplicada para EUR 6,89 milhões, em virtude das características do mercado afetado pelas condutas abusivas.


Comentário

O caso em apreço constitui uma importante vitória para a AdC, a qual vem reforçar a tendência verificada nos últimos anos, e evidenciada nas estatísticas disponíveis no mais recente Relatório de Atividades da autoridade, referente ao ano de 2015, de pretensão de consolidação da prática decisória no âmbito das condutas restritivas materializada numa resposta mais célere, investigações mais aprofundadas e decisões mais sólidas e fundadas.

No início da sua atividade, a AdC viu as suas decisões de condenação por abuso de posição dominante serem revertidas pelos tribunais portugueses, tendo mesmo, durante um amplo período, deixado de conduzir novas investigações relativamente a estas condutas. A decisão recente respeitante ao grupo ANF é, assim, o primeiro caso de confirmação judicial relativo a condutas de esmagamento de margens e o segundo de abuso de posição dominante também validado pelos tribunais, já que em 2013 a condenação da Sport TV em EUR 3,7 milhões por abuso no mercado dos canais premium de desporto foi confirmada tanto pelo TCRS como pelo Tribunal da Relação de Lisboa (que, todavia, reduziram a coima para EUR 2,7 milhões).

Por último, cumpre ainda sublinhar o impacto da criação do TCRS, em 2012, que dotou a jurisdição nacional de um tribunal especializado em matérias de concorrência, o qual tem igualmente vindo a apresentar melhorias ao nível da celeridade e qualidade das decisões adotadas.

A decisão recente respeitante ao Grupo ANF é o primeiro caso de confirmação judicial relativo a condutas de esmagamento de margens.

Este artigo é também da autoria da advogada Leonor Bettencourt Nunes.