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01.03.2013

Autoridade da Concorrência aplica coima pouco usual por concentração não-autorizada

À semelhança do regime da União Europeia, o regime português de controlo de concentrações baseia-se num sistema de apreciação ex-ante, segundo o qual uma concentração de empresas que atinja determinados limiares (de volume de negócios e/ou quota de mercado) está sujeita a notificação prévia obrigatória e não pode ser implementada (salvo situações excepcionais, aqui não abordadas) previamente à decisão final de não-oposição no âmbito do respectivo procedimento administrativo. O incumprimento deste requisito legal de suspensão da operação de concentração notificada pode resultar na aplicação de uma multa pesada (até 10% do volume de negócios do ano anterior), cumulada ou não com outras sanções de natureza pecuniária e o negócio jurídico subjacente é ineficaz.

Incumbe à Autoridade da Concorrência (AdC), quando tome conhecimento de uma operação de concentração não-notificada, dar início a um procedimento oficioso, no âmbito do qual ordena às partes que apresentem, ex-post, a notificação em falta.

Ao longo dos últimos 10 anos, tem-se assistido, com alguma regularidade, à apresentação de notificações resultantes de procedimentos oficiosos da AdC. Porém, a imposição de multas pelo incumprimento das obrigações legais acima referidas é muito rara: as últimas coimas aplicadas reportam-se, de acordo com a informação pública disponível, a 2003/2004, são relativas a violação de obrigação de notificação à luz do Decreto-lei 371/93 (que vigorou entre nós entre 1993 e 2003) e o montante das mesma situou-se entre €1.000 e €75.000.

Neste contexto, a decisão da AdC de sancionar a Associação Nacional de Farmácias (ANF) e duas suas subsidiárias com uma coima de €149.278,79 por implementação de concentração sem a autorização prévia necessária é digna de menção e parece indiciar uma modificação na abordagem seguida até agora (que privilegiou a detecção e sanação de infracções às regras, mas não a sua sanção).

A concentração em causa remonta a 2008 e é relativa a uma aquisição indirecta de controlo pela ANF, através da sua subsidiária Farminveste – Investimentos, Particpações e Gestão, SA (“Farminveste”), sobre a Glintt (previamente: Pararede), empresa cotada na Euronext Lisbon. A transacção em causa consistiu na fusão por incorporação da Consiste [...] (uma participada da Farminveste) na ParaRede/Glintt.

Embora a Farminveste não tenha adquirido, pós-concentração, a maioria do capital social e dos direitos de voto da Glintt (em termos absolutos), a AdC entendeu, na sequência de informações e esclarecimentos prestados pelas partes, que a aquisição efectuada era suficiente para conferir à primeira o controlo exclusivo da Glintt, tendo em conta, fundamentalmente:

  • a percentagem elevada do capital social e direitos de voto da Glintt (respectivamente, 49,73% e 49,83%) detida pela Farminveste, quando comparada com as demais participações qualificadas na referida empresa (inferiores a 3%);
  • a composição do conselho de administração da Glintt, em que eram maioritários os administradores com ligações ao Grupo ANF; e
  • a competência do conselho de administração para a adopção de decisões em matérias estratégicas.

Na sequência de uma investigação ex-officio da AdC, a Farminveste procedeu à notificação da concentração em Novembro de 2009, a qual veio a ser aprovada em Maio de 2010.

No início de 2012 porém, a AdC deu início a um procedimento de contra-ordenação contra a ANF e as suas subsidiárias por incumprimento da obrigação de não implementar uma transacção sem a necessária autorização prévia, a qual terminou com a imposição de uma coima no valor global de €149,278.79. No comunicado que anunciou a aplicação da coima (“Comunicado”) a AdC explicitou que o valor da coima aplicada resultou da aplicação de uma percentagem de 0,05% sobre o volume de negócios de cada uma das empresas visadas no procedimento e, ainda, que foi tido em conta o facto de a concentração implementada não ter provocado directamente efeitos negativos irreparáveis sobre a concorrência.

É possível que a decisão da AdC de abrir este procedimento de contra-ordenação tenha sido motivada, pelo menos em parte, pela existência de um comportamento reincidente por parte da ANF. Com efeito, esta não foi a primeira vez que aquela associação não cumpriu uma obrigação de notificação prévia: em 2005, a aquisição de controlo conjunto sobre a Alliance Healthcare foi notificada apenas ex-post, após a AdC ter aberto um procedimento oficioso (que resultou no Ccent n.º 80/2005). Adicionalmente, a própria Glintt foi alvo de um procedimento oficioso por duas operações de concentração não notificadas, uma delas ocorrida em Novembro de 2008, ou seja, numa altura em que a Glintt estaria já sob o controlo do grupo ANF.

A decisão da AdC surge numa altura em que os seus poderes em matéria de detecção e punição de concentrações não notificadas sofreram uma ligeira compressão, ao limitar-se (na nova Lei da Concorrência, em vigor desde Julho de 2012) o procedimento oficioso a concentrações ocorridas há menos de 5 anos. Esta modificação, porém, não deve ser entendida como um relaxamento nos poderes da AdC nesta matéria, como a decisão aqui abordada demonstra.

Com efeito, a imposição de coimas por implementação de uma concentração sem a autorização prévia necessária – ainda que pouco comum – denuncia a intenção de a AdC manter um controlo apertado do cumprimento das regras relevantes em matéria de notificação de operações de concentração. Isso mesmo se depreende do teor do Comunicado, em que a AdC recorda a importância económica do respeito pelo princípio de apreciação ex-ante e qualifica o incumprimento às regras de suspensão de concentrações como uma infracção grave ao direito da concorrência e a respectiva punição como uma das suas prioridades de actuação.