16.10.2015
Autoridade da Concorrência sanciona a prestação de declarações falsas ou enganosas
Principais desenvolvimentos
A Autoridade da Concorrência Portuguesa revelou recentemente uma nova tendência sancionatória através da imposição de coimas pela prestação de informações falsas, inexatas ou incompletas em resposta a pedidos de informação.
No passado mês de junho, a Peugeot Portugal foi a primeira empresa a ser sancionada com base nos referidos fundamentos, tendo-lhe sido aplicada uma coima de EUR 150.000, no contexto de um “processo de supervisão em curso no setor automóvel”, o qual levou ainda à aplicação de uma sanção de igual montante à Ford, já em setembro1.
De igual modo, no âmbito de um processo relativo a alegado abuso de posição dominante no mercado do transporte ferroviário de mercadorias – o qual foi arquivado em dezembro de 2014 – a Autoridade impôs à CP Carga uma coima de EUR 100.0002.
Lamentavelmente, os comunicados emitidos pela Autoridade não esclarecem se as coimas aplicadas em cada um dos referidos casos se fundaram na prestação de informações falsas ou inexatas ou incompletas ou mesmo se se basearam numa combinação das três vertentes. Considerando que a gravidade de cada uma das condutas não parece ser equivalente, a clarificação quanto ao fundamento de cada sanção aplicada seria da maior pertinência tanto para as empresas como para a comunidade jurídica.
No tocante às sanções aplicadas às duas empresas do setor automóvel, a Autoridade também não confirmou qual o processo que levou ao pedido de informação que originou a prestação de declarações falsas ou enganosas por parte da Peugeot e da Ford. No entanto, parece provável que se tenha enquadrado no âmbito de uma investigação à Peugeot Portugal e Ford Lusitana por suspeita de práticas restritivas da concorrência, iniciada em junho de 2013 e concluída no passado mês de março e julho (respetivamente), a qual culminou na apresentação de compromissos tornados obrigatórios pela Autoridade, de forma a responder e atenuar as preocupações relativas ao potencial efeito de exclusão vertical emergente das políticas de extensão de garantia automóvel de ambas as empresas. De acordo com a Autoridade, as empresas terão alegadamente recusado o direito à garantia aos proprietários de automóveis das respetivas marcas que utilizassem serviços de manutenção ou reparação em oficinas independentes e não incluídas na rede de oficinas autorizadas. A análise preliminar da Autoridade levou-a a considerar que os contratos de extensão de garantia condicionavam a ativação da garantia automóvel à seleção de centros de manutenção e reparação de entre a rede de oficinas autorizadas da Peugeot e da Ford e levou à aprovação, por parte da Autoridade, de um pacote de compromissos para a alteração das restrições contratuais existentes.
No caso da CP Carga, o pedido de informação referiu-se a uma investigação por alegado abuso de posição dominante, por práticas de preços predatórios no corredor ferroviário de transporte de mercadores Sines-Entroncamento, o qual foi originado por uma denúncia de um concorrente, em junho de 2012. Após a investigação, a Autoridade concluiu que a CP Carga não praticou um preço abaixo dos seus custos evitáveis médios (“CEM”), pelo que não incorreu em abuso de posição dominante.
Comentário
A falta de resposta a um pedido de informação da Autoridade no uso dos seus poderes sancionatórios e de supervisão, ou a prestação de declarações falsas, inexatas ou incompletas a tal pedido, constitui uma violação grave dos deveres impostos às empresas pela lei da concorrência portuguesa. As empresas que violem estes deveres estão sujeitas à aplicação de coima de montante até 1% do seu volume de negócios apurado no exercício imediatamente antecedente ao da decisão.
Nos casos em apreço, não há informação disponível que permita concluir qual a percentagem de volume de negócios utilizada como base para a determinação da coima aplicável. De qualquer forma, parece provável que a medida da coima tenha sido reduzida por estarmos perante os primeiros casos em que a Autoridade sanciona este tipo de prática.
Por serem as primeiras coimas impostas pela Autoridade com tal fundamento, constituem um importante precedente para processos futuros, não só no âmbito de investigações por práticas restritivas da concorrência mas igualmente ao nível do controlo de concentrações e até de estudos de mercado e inquéritos conduzidos pela Autoridade em determinados setores. Mais ainda, e tendo em conta que as três empresas foram sancionadas durante um período de poucos meses, revela-se uma alteração na prática da Autoridade, que se apresenta mais propícia à utilização das suas prerrogativas sancionatórias sempre que se verifique uma obstrução, dolosa ou negligente, à sua investigação por parte das empresas em causa.
Não obstante, cumpre enfatizar que este ímpeto punitivo deverá ser cuidadosamente equilibrado face aos direitos de defesa das empresas sob investigação, em particular no tocante ao seu direito à não autoincriminação.
Este artigo foi escrito em coautoria pela advogada Leonor Bettencourt Nunes.
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1 Comunicado n.º 12/2015, de 22.06.2015, e Comunicado n.º 21/2015, de 22.09.2015
2 Comunicado n.º 15/2015, de 16.07.2015.