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01.03.2012

Autoridade da concorrência espanhola tem início de ano atarefado: Endesa condenada por abuso de posição dominante na distribuição de electricidade

Na sequência de uma queixa apresentada pela Federação Nacional de Empresários de Instalações Eléctricas de Espanha – Federación Nacional de Empresarios de Instalaciones Eléctricas y Telecomunicaciones de España (“FENIE”) – a Comisión Nacional de Competencia (“CNC”) condenou a Endesa Distribución Eléctrica S.A. (“Endesa”), no passado dia 22 de Fevereiro, por abusos de posição dominante e impôs sobre esta empresa duas coimas de 14.967.960 € e de 8.158.000€, respectivamente.

Nos termos do comunicado de imprensa da CNC, as duas infracções de que a Endesa foi considerada culpada foram executadas no mercado das instalações eléctricas, o qual inclui a realização das obras necessárias para a ligação da rede de distribuição às instalações receptoras dos consumidores finais. A lei espanhola aplicável à distribuição de energia eléctrica distingue a actividade de instalação que está reservada aos distribuidores de energia eléctrica, das actividades acessórias, e com aquela conexas, que podem ser livremente desenvolvidas por qualquer empresa autorizada, num contexto de livre concorrência.

No que respeita a primeira infracção, a CNC considerou que ao utilizar informação relativa a pedidos de fornecimento de energia eléctrica a que tinha acesso privilegiado na sua qualidade de empresa distribuidora de energia eléctrica (em particular a identidade do cliente que necessitava da instalação para o início de fornecimento, assim como todos os dados técnicos do respectivo ponto de fornecimento), para seleccionar os clientes de maior dimensão e a estes apresentar propostas de prestação de serviços de instalações eléctricas, a Endesa abusou da sua posição no mercado da distribuição para distorcer as condições de concorrência no mercado conexo das instalações eléctricas.

Com efeito, através da utilização abusiva de informação sobre clientes a que acedia na qualidade de distribuidora de energia eléctrica, a Endesa seleccionava os clientes de maior dimensão (e por isso mais atractivos) para lhes apresentar propostas de serviços de instalações eléctricas antes de qualquer dos outros concorrentes. Este comportamento permitiu à Endesa reservar a parte mais atractiva do mercado para si, impedindo ou, pelo menos, dificultando o acesso, em situação de igualdade, dos restantes operadores ao mercado das instalações eléctricas. Por esta infracção, a CNC aplicou uma coima de 14.967.960 € à Endesa.

A este respeito, refira-se que não é a primeira vez que a CNC aplica coimas a empresas do sector energético por condutas semelhantes. Em 2011, as distribuidoras de energia eléctrica dos grupos E.ON, Gas Natural, Fenosa e Hidrocantábrico foram condenadas ao pagamento de coimas por condutas semelhantes, como aliás a Endesa já o tinha sido em 2006 (decisão confirmada pelo acórdão de 10.02.2011 do Supremo Tribunal espanhol).

A aplicação pela CNC da segunda coima à Endesa teve um fundamento distinto, muito embora estejam também em causa condutas daquela distribuidora no mercado das instalações eléctricas.

Nos termos da lei espanhola, o distribuidor de energia eléctrica deverá suportar todos os custos associados à execução dos trabalhos de derivação e ligação, estando impedido de os repercutir sobre os seus clientes. Segundo apurou a CNC, em violação destas normas, e durante um determinado período, a Endesa cobrou indevidamente aos seus clientes os custos associados àqueles trabalhos, abusando da sua posição dominante. Por este comportamento a CNC aplicou uma coima no valor de 8.158.000€.


Comentário

Dos dados revelados até agora, pode dizer-se que o ano de 2011 foi um ano de actividade intensa para a CNC que concluiu diversos processos por práticas restritivas da concorrência e abusos de posição dominante, e aplicou coimas que no total ascenderam a quase €97 milhões de euros.

Alguns daqueles processos incluíram a condenação da Asociación Española de Fabricantes de Bombas de Fluidos (“AEFBF”), e 19 produtores e distribuidores de bombas de fluidos, a coimas que totalizaram cerca de 18 milhões de euros por práticas restritivas da concorrência. Ainda na segunda metade do ano de 2011, a CNC aplicou coimas a empresas do sector dos transportes marítimos por fixação de preços que totalizaram cerca de 16,3 milhões de euros, e coimas de 47 milhões de euros no sector da construção civil por concertação de propostas Em Novembro de 2011, a CNC concluiu um processo por práticas restritivas no sector do asfalto e produtos relacionados, iniciado em 2009 com a realização de inspecções surpresa, e aplicou coimas que totalizaram cerca de 16 milhões de euros a doze empresas por fixação de preços.

Ainda no decurso do ano de 2011, a CNC aplicou coimas no valor de quase 2 milhões de euros, à empresa Transmediterránea, e à sua subsidiária Europa Ferrys, por obstrução a uma inspecção surpresa, durante a qual as empresas em causa alegadamente não disponibilizaram informação convenientemente.

O primeiro trimestre de 2012 ainda não terminou e a CNC já adoptou 8 decisões condenatórias por práticas restritivas da concorrência e abusos de posição dominante, antevendo-se um ano de 2012 igualmente activo. Apesar de muitas destas decisões respeitarem processos que se iniciaram em 2009/2010, a taxa de conclusão de processos desta autoridade é, quando comparada com outras autoridades nacionais, impressiva do esforço e trabalho contínuo em defesa da concorrência e dos consumidores. Para além deste aspecto, a transparência e facilidade de acesso às decisões são de saudar, e estão ao nível das melhores práticas internacionais.

A intensa actividade da CNC ao longo de 2011, e o prelúdio do ano de 2012, parecem afastar qualquer possibilidade de menor controlo e escrutínio do comportamento dos operadores económicos por parte desta autoridade mesmo em tempos de maior conturbação político-económica, assegurando-se em qualquer momento a defesa da estrutura concorrencial dos mercados, sem a qual não se vislumbra possível uma recuperação económica sustentável.

Este artigo é da autoria da advogada Mónica Pinto Candeias.