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26.06.2017

Autoridade da concorrência redefine mercado geográfico dos serviços de locação de espaços comerciais

Introdução

Em 20 de janeiro de 2017, a Autoridade da Concorrência autorizou uma operação de concentração relativa à aquisição, pela Via Holdco (Lux) S.á.r.l. (“Via Holdco”), de um outlet centre propriedade das sociedades IRUS Vila do Conde, S.A. (“IRUS I”), IRUS Vila do Conde II, S.A. (“IRUS II”) e IRUS Vila do Conde III, S.A., (“IRUS III”), por aquisição da maioria do capital social destas.

Nesta decisão, a Autoridade da Concorrência inverteu o entendimento que até aqui vinha seguindo e concluiu pela existência de um mercado geográfico relevante “regional” (ao invés de nacional), opção que terá um impacto significativo na aferição das quotas de mercado das empresas ativas neste setor.


A decisão

Na notificação da aquisição de controlo exclusivo sobre as sociedades IRUS I, IRUS II e IRUS III – que têm como objeto a aquisição e exploração de todo o tipo de imóveis, entre os quais o “Vila do Conde The Style Outlets” –, a Via Holdco defendeu, em primeiro lugar, que o negócio projetado se enquadrava no âmbito de um mercado de produto amplo «dos serviços de locação de espaços para comércio a retalho» (incluindo, pelo menos, os formatos de centro comercial, retail park e outlet centre).

Na decisão que adotou, em janeiro de 2017, a Autoridade da Concorrência iniciou a sua análise por esta definição do mercado de produto e rejeitou a viabilidade de uma definição mais abrangente.

Com efeito, a Autoridade rejeitou as conclusões da Via Holdco quanto à sobreposição de marcas existente entre outlet centres e centros comerciais e à alegada substituibilidade entre estes diferentes formatos de espaços comerciais, entendendo que os mesmos se diferenciam quanto a um conjunto de características (rendas, tipo de clientes-alvo, áreas de venda, áreas de armazenamento, serviços disponibilizados) que apontam não para uma relação de substituibilidade, mas para a existência de uma efetiva relação de complementaridade. Assim, definiu-se como relevante o mercado da locação de espaços comerciais (especificamente) no formato outlet centre.

Mas a principal novidade desta decisão reporta-se à definição do mercado geográfico relevante. A Notificante, socorrendo-se de estudos e inquéritos a clientes e proprietários, alegou que a definição geográfica deste mercado deveria operar por referência a um âmbito regional, baseando-se para tal na “zona de influência” dos espaços comerciais, definida como a área correspondente a cerca de 60-90 minutos de deslocação da respetiva zona comercial.

Em sentido contrário à prática até então dominante (assente na identificação de um mercado de âmbito nacional à luz da homogeneidade das condições de concorrência em todo o território), e acedendo ao alegado pela Notificante, a Autoridade concluiu que a “zona de influência” de um outlet centre é, no máximo, regional. Sustentando esta sua posição na investigação de mercado que efetuou, a Autoridade acabou por deixar em aberto a questão de saber se essa área de influência se estende para lá dos 60 minutos de deslocação (e até aos 90 minutos de viagem) porquanto tal especificação não afetaria as conclusões da sua avaliação.

Assim, esta decisão da Autoridade da Concorrência adotou uma visão restritiva quanto à configuração dos mercados afetados em dois planos: no tocante ao mercado de produto, em que a exploração de outlet centres foi separada de todos os outros formatos; e no tocante ao mercado geográfico, em que a delimitação nacional, até aqui prevalecente, foi abandonada por uma delimitação de âmbito regional.


Comentário

A prática decisória da Autoridade da Concorrência quanto ao mercado dos serviços de locação de espaços comerciais foi evoluindo no sentido de uma crescente densificação. Após uma primeira análise na decisão 1/2006 (Grosvenor/Sonae/Sonae Sierra), com a decisão 8/2006 (Sonae/PT) a Autoridade estabeleceu uma caracterização detalhada, segmentando este mercado em espaços comerciais integrados consoante o formato tradicional ou especializado. Esta diferenciação, que a Autoridade reafirmou e detalhou, entre outras, nas decisões 27/2007 (Carlyle/Freeport), 73/2007 (Sonae Sierra/Gaiashopping/Arrabidashopping) e 25/2014 (Alaska*Au-chan/IAPAT), foi também retomada nesta decisão de janeiro de 2017.

Quanto ao âmbito do mercado geográfico, a recente decisão 62/2016 (Via Holdco/Irus) marca uma verdadeira rutura com o entendimento até aqui perfilhado. A passagem de uma configuração nacional do mercado para uma delimitação regional resultará no aumento das quotas de mercado imputáveis (no âmbito regional) aos vários players existentes na locação de espaços comerciais integrados, com consequências imediatas e importantes.

Por um lado, isto poderá fazer surgir quotas de mercado qualificáveis como “posição dominante” nalguns mercados regionais, devendo as empresas em questão rever atentamente a sua estratégia comercial de modo a evitar que algum comportamento possa ser qualificado de abusivo. Por outro, e atendendo à relevância do critério da quota de mercado para efeitos de determinação da obrigatoriedade da notificação (artigo 37.° da Lei n.° 19/2012, de 8 de maio), o novo entendimento quanto ao mercado geográfico tenderá a aumentar o número de concentrações no setor sujeitas a notificação obrigatória à Autoridade da Concorrência.

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