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01.12.2012

Boas práticas sobre a cooperação entre autoridades nacionais de concorrência em operações de concentração multijurisdicionais

Em 8 de Novembro de 2011 as autoridades nacionais de concorrência da União Europeia (“ANCs”) adoptaram entre elas um conjunto de orientações para a análise das chamadas “notificações múltiplas”, i.e. operações de concentração que não possuem dimensão comunitária na acepção do Regulamento das concentrações europeias, mas que estão sujeitas a notificação em mais do que um Estado-Membro1.

As concentrações transfronteiriças que requerem autorização por parte de diversas ANCs implicam normalmente um conjunto de desafios para as ANCs e para as próprias empresas, em particular no que toca a certeza jurídica, custos e atrasos. As boas práticas recentemente acordadas pretendem atenuar algumas dessas dificuldades, identificando o tipo de casos nos quais é desejável que haja uma maior cooperação das ANCs, as fases do procedimento administrativo em que tal deve ter lugar e as informações que devem ser partilhadas entre elas.

Estas boas práticas não pretendem instituir um mecanismo de cooperação para todas as concentrações multijurisdicionais. As ANCs mantêm a liberdade de decidir numa base casuística se uma determinada concentração deve ser objecto de uma cooperação mais estreita. O princípio geral que desencadeia o mecanismo de cooperação é a existência de questões semelhantes ou comparáveis de natureza jurisdicional ou substantiva em dois ou mais Estados-Membros a respeito de uma dada concentração. O documento de boas práticas apresenta vários exemplos onde tal cooperação é vantajosa em diferentes etapas: na fase de notificação, no sentido de ajudar as ANCs a decidir se determinada transacção dá origem a uma operação de concentração sujeita a notificação nos respectivos países; na fase de análise jusconcorrencial, quando uma concentração é susceptível de afectar a concorrência em mais do que um Estado-Membro; e no momento da decisão final, no que respeita à concepção, teste e implementação de compromissos em diferentes Estados-Membros.

O procedimento de cooperação reforçada previsto nas boas práticas inicia-se da mesma forma que o procedimento de cooperação normal aplicável a todos os tipos de concentrações multijurisdicionais, ou seja, as ANCs que estejam a analisar concentrações notificáveis em outros Estados-Membros informam as restantes ANCs de tal facto e partilham informação básica de natureza não confidencial relativa à notificação2. Em casos – tal como os referidos no parágrafo anterior – em que se torna necessário ou é vantajoso iniciar uma cooperação aprofundada, as ANCs encorajam as partes na transacção a autorizarem, tão cedo quanto possível, a troca, entre aquelas, de informação confidencial relativa à operação, de forma a que as ANCs possam iniciar contactos e manter-se mutuamente informadas quanto às respectivas análises jusconcorrenciais em etapas chave das suas investigações (pelo menos no final das fases I e II e em quaisquer discussões sobre compromissos) e no que toca a questões chave (e.g., definição de mercado, análise dos impactos previsíveis, eficiências, teorias do dano concorrencial).

As boas práticas em causa têm um propósito útil e apresentam soluções importantes para ajudar as ANCs e as empresas a alcançar uma maior convergência em concentrações multijurisdicionais que se apresentem como problemáticas. No entanto, elas não resolvem todos os problemas.

Em primeiro lugar, tal como é expressamente reconhecido no próprio documento que corporiza as boas práticas, apenas se espera que as ANCs sigam o procedimento aí previsto se tal for consistente com as suas próprias prioridades em matéria de concorrência.

Em segundo lugar, uma parte importante do sucesso deste mecanismo depende da boa vontade e da cooperação das empresas partes na transacção, uma vez que as ANCs necessitam das respectivas autorizações para procederem à partilha de informação recíproca, e é nas partes que repousa, em última instância, a decisão de autorizar ou não essa partilha.

Em terceiro lugar, embora seja verdade que o sistema de cooperação em causa lida com alguns dos inconvenientes tipicamente associados às notificações múltiplas – por exemplo, ao ajudar as ANCs a alcançar decisões esclarecidas e consistentes (ou pelo menos não contraditórias) –, também é verdade que a amplitude do mecanismo é necessariamente limitada e não cobre alguns aspectos importantes neste tipo de notificações, tais como os custos e os atrasos.

Por último, existe uma questão de confidencialidade. Mesmo que as partes na transacção autorizem a troca de informações entre as ANCs, a informação confidencial e os segredos de negócio que sejam partilhados entre essas autoridades são protegidos em conformidade com o direito nacional das jurisdições envolvidas. Na maioria dos casos, isto deverá significar que estes dados não poderão ser usados para outro propósito que não seja a apreciação da operação. No entanto, é possível que algumas leis nacionais permitam às respectivas ANCs utilizar as informações e documentos em questão para outros fins, mesmo que eles possam vir a ser desvantajosos para as partes.

Por todos estes motivos, parece-nos que, se tal alternativa estiver disponível, o sistema de remessa de casos previsto no Regulamento das concentrações europeias pode, em certas circunstâncias, ser mais vantajoso para empresas envolvidas em concentrações transfronteiriças. A análise de uma operação exclusivamente por parte da Comissão Europeia (o chamado sistema de “one-stop-shop”) aumenta normalmente a eficiência administrativa, evita a duplicação e fragmentação de esforços na aplicação do direito da concorrência, evita o risco de decisões potencialmente contraditórias e reduz os custos e os ónus resultantes de múltiplos procedimentos e obrigações.

Neste sentido, e a menos que se afigure que a análise da operação e do respectivo impacto nos mercados relevantes é mais adequadamente realizada por via da intervenção de diversas autoridades, a fragmentação de casos pode não ser a melhor solução para as partes.

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1 O documento de boas práticas pode ser consultado em http://ec.europa.eu/competition/ecn/nca_best_practices_merger_review_en.pdf
2 Este procedimento normal tem lugar em conformidade com o guia procedimental de 2002 relativo à troca de informações entre Estados-Membros em concentrações multijurisdicionais, que se encontra disponível em http://ec.europa.eu/competition/ecn/eca_information_exchange_procedures_en.pdf.