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30.12.2013

Cartéis dos derivados de taxa de juro: Comissão aplica maiores coimas de sempre

No passado dia 4 de Dezembro a Comissão Europeia adoptou duas decisões nos processos dos chamados cartéis dos derivados de taxas de juro Euro (“EIRD”) e dos derivados de taxas de juro Iene (“YIRD”), nos quais aplicou coimas a oito bancos e instituições financeiras internacionais no montante total de 1.710 milhões de euros. As coimas aplicadas são, no seu conjunto, as mais elevadas aplicadas até ao presente pela Comissão em processos de cartel1.


Os cartéis EIRD e YIRD

Segundo a Comissão Europeia, no cartel EIRD, que durou entre 2005 e 2008, os corretores dos diversos bancos discutiam entre si as submissões dos respectivos bancos para o cálculo da taxa de referência EURIBOR, bem como as suas estratégias de negociação e de determinação dos preços dos seus serviços, com o objectivo de distorcer a evolução normal dos componentes do preço para os produtos derivados de taxas de juro Euro.

O chamado cartel YIRD terá correspondido a sete infracções bilaterais distintas, praticadas entre 2007 e 2010, com uma duração variável entre 1 e 10 meses. De acordo com a Comissão, o comportamento colusivo consistia designadamente em conversações entre os corretores dos bancos participantes sobre certas submissões LIBOR em Ienes japoneses. Os corretores em causa terão também, em várias ocasiões, trocado informações comerciais sensíveis relativas a posições em negociação ou a futuras submissões LIBOR em Ienes. A empresa corretora RP Martin terá ainda facilitado uma das infracções utilizando os seus contactos com vários bancos que não eram parte na infracção, com o objectivo de influenciar as suas submissões LIBOR em Ienes.


Pedidos de Clemência e Transacção

Os dois processos foram iniciados na sequência de pedidos de clemência do Barclays, no caso EIRD, e da UBS, no caso YIRD. Por terem revelado a existência de um cartel até então desconhecido pela Comissão, estes bancos receberam dispensa total das coimas que lhes teriam sido aplicadas, tendo assim evitado sanções no valor aproximado de €690 milhões e 2.500 milhões, respectivamente.

As restantes instituições sancionadas também beneficiaram de reduções de coima entre 5% e 50% ao abrigo das regras europeias da clemência, as quais beneficiam igualmente empresas que, mesmo após a detecção da infracção, apresentem voluntariamente à Comissão provas de “valor acrescentado significativo”. Foi o caso, designadamente, do Deutsche Bank, do Citigroup, do RBS, da Société Générale, e do JP Morgan (no processo YIRD), bem como da corretora RP Martin.

Todas estas empresas beneficiaram ainda de uma redução adicional de 10%, ao abrigo do processo de transacção (settlement), nos termos do qual a Comissão concede tal desconto às empresas visadas que reconhecem expressamente a sua participação no cartel, renunciando pois a recorrer judicialmente da decisão para os tribunais da União. Terá sido aliás a utilização do mecanismo da transacção que permitiu que estes processos tenham sido concluídos em pouco mais de dois anos depois dos primeiros dawn raids, um período relativamente curto para processos deste género.

Os processos de investigação continuam sob a forma “ordinária” relativamente a outras quatro instituições visadas (Crédit Agricole, HSBC, JP Morgan quanto a um dos processos, e o corretor ICAP) que terão optado por não confessar os factos e não apresentar propostas de transacção, pelo que, caso venham a ser objecto de decisão condenatória no futuro, poderão impugnar judicialmente a mesma no Tribunal Geral da UE.


Comentário

Estas decisões, as primeiras adoptadas pela Comissão relativas a práticas de cartel no sector financeiro desde o início da crise financeira em 2008, representam um sinal do escrutínio intenso e acrescido a que o sector financeiro, e o bancário em particular, têm vindo a ser submetidos pelas autoridades de concorrência.

São exemplo desse escrutínio acrescido as investigações da Comissão Europeia às medidas tomadas pela maior parte dos Estados-Membros de apoio aos bancos europeus, incluindo por Portugal no caso da CGD, do BCP e do BPI, cujos planos foram já aprovados pela Comissão no decurso do corrente ano2, e do BANIF, cuja investigação continua em curso3.

As decisões nos processos EIRD e YIRD reflectem também a tendência crescente de as empresas investigadas pela Comissão utilizarem o procedimento de transacção, criado em 2008, que lhes permite encerrar mais rapidamente as investigações e beneficiar de um desconto adicional de 10% na coima aplicada. (Para a Comissão este mecanismo representa um processo mais simples e sem recursos judiciais demorados e de resultado incerto)4. O mecanismo de transacção também se encontra disponível na Lei portuguesa, e o primeiro processo ao abrigo do procedimento de transacção (Cartel da Espuma), decidido em Agosto passado, é analisado na página 7 desta Newsletter.

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1 Cfr. Comunicados da Comissão IP/13/1208 e MEMO/13/1090, de 4.12.2013.
2 Decisões de 24.7.2013 nos proc. SA.35062 CGD e SA.35238 BPI, e de 30.8.2013 no proc. SA.34724 BCP.
3 Decisão de 21.1.2013, no proc. SA 34662 BANIF, IP/13/31.
4 Cfr. o artigo “Novo procedimento de transacção para empresas participantes em cartéis no Direito Comunitário da Concorrência”