M L

26.06.2017

Combate ao Conluio: a iniciativa da Autoridade da Concorrência no âmbito da contratação pública

Introdução

Por entre as iniciativas promovidas pela Autoridade da Concorrência em matéria de advocacy, destaca-se a campanha “Combate ao Conluio na Contratação Pública”, que foi lançada em junho de 2016 e que atingiu recentemente a meta de 1000 participantes. Esta campanha visa alertar as entidades públicas que regularmente adjudicam contratos públicos para as principais questões suscitadas pelos comportamentos colusivos no âmbito da contratação pública, assim como aconselhar na deteção de práticas anticoncorrenciais no decurso dos concursos públicos e preparar os procedimentos de contratação de forma a inibir potenciais práticas colusivas.


As práticas colusivas em Portugal

A colusão entre concorrentes no contexto de concursos públicos é considerada uma das mais graves violações das regras europeias e nacionais da concorrência, sendo severamente punida pelas auto¬ridades de concorrência, precisamente porque compromete a alocação eficiente de recursos públicos, originando condições menos favoráveis para o Estado e, por conseguinte, gerando menos inovação, menos qualidade e preços mais elevados, assim prejudicando a economia e os consumidores/contribuintes.

Poderão ser mais propícios a práticas colusivas os setores e atividades económicas que se caracterizam pela regularidade e previsibilidade, no que concerne aos procedimentos contratuais, ou que apresentam reduzido número de empresas, produtos homogéneos ou ainda vínculos estruturais, ou de outra natureza, entre os vários operadores. Os exemplos mais frequentes de conluio no âmbito da contratação pública incluem acordos nos quais o vencedor é escolhido antecipadamente, pelos concorrentes, e os restantes concorrentes ou retiram a sua proposta ou submetem propostas menos atrativas, em ordem a que o contrato em causa seja adjudicado ao concorrente “escolhido”, em regra determinado, de forma rotativa, entre as empresas participantes na colusão.

Em Portugal, a Autoridade da Concorrência já investigou comportamentos colusivos na contratação pública em diversos setores, nomeadamente na educação, na saúde e no combate a incêndios, embora o seu track record tenha evoluído ao longo da última década:

  • Em 2005, a Autoridade aplicou a cinco farmacêuticas coimas no total de 3 milhões de euros por práticas colusivas no âmbito de um concurso público lançado pelo Hospital de Coimbra, tendo ainda subsequentemente aplicado coimas adicionais às mesmas empresas por práticas idênticas em outros 36 concursos públicos em hospitais a nível nacional. Ambas as decisões foram anuladas em recurso, pois os tribunais entenderam que os direitos de defesa das empresas arguidas haviam sido violados. Posteriormente, a Autoridade readotou decisões condenatórias, as quais foram parcialmente confirmadas pelos tribunais, embora com reduções significativas quanto ao montante das coimas aplicadas;
  • Em 2007, a Autoridade condenou duas empresas no pagamento de 310 mil euros por terem constituído um consórcio que era o único concorrente num concurso público para fornecer os serviços de helicópteros de combate de incêndios florestais (quando, em anos anteriores, cada empresa tinha submetido uma candidatura autónoma e separada). O Tribunal do Comércio de Lisboa considerou, porém, que a Autoridade não tinha produzido prova suficiente de que o acordo tinha um objeto e um efeito anticoncorrencial, tendo por isso anulado a decisão da Autoridade;
  • Em dezembro de 2009, a Autoridade da Concorrência aplicou coimas no valor total de 14,7 milhões de euros a cinco empresas por alegadamente terem operado um cartel de fixação de preços no âmbito do mercado de operação e gestão de serviços de catering em cantinas, refeitórios e restaurantes corporativos. Este processo marcou a primeira aplicação em Portugal do regime da clemência, bem como a aplicação, pela primeira vez, de coimas individuais aos administradores das empresas envolvidas. Tendo a decisão sido anulada em recurso por razões processuais, foi readotada pela Autoridade, mas esta segunda decisão foi igualmente impugnada e o processo acabou por prescrever;
  • Em 2011, duas empresas de limpeza industrial foram condenadas em coimas superiores a 315 mil euros por práticas colusivas em dezasseis concursos públicos. A decisão foi confirmada em sede de recurso;
  • Mais recentemente, em 2015, a Autoridade condenou cinco empresas fornecedoras de estruturas pré-fabricadas em coimas de montante superior a 830 mil euros por práticas de fixação de preços e repartição de mercados no contexto de concursos públicos lançados pela Parque Escolar. Todas as arguidas optaram por colaborar com a Autoridade, ao abrigo do regime da Clemência, tendo obtido reduções adicionais das coimas nos termos do regime da transação previsto na Lei da Concorrência.


A Campanha “Combate ao Conluio”

De forma a alertar e informar as entidades adjudicantes, a Autoridade da Concorrência tem organizado diversas sessões públicas em várias cidades do país, nas quais tem aconselhado sobre as formas de detetar e prevenir práticas colusivas, assim como sobre os mecanismos de cooperação com a Autoridade no âmbito da investigação e sancionamento de tais condutas.

Indícios de práticas colusivas

A Autoridade disponibilizou uma checklist prática com os principais indícios de potenciais comportamentos colusivos, para os quais as autoridades públicas devem estar alerta, designadamente:

  • Na apresentação de propostas:

− Número de propostas inferior ao habitual;
− Propostas retiradas de forma inesperada;
− Concorrentes habituais que não apresentam proposta;
− Propostas apresentadas conjuntamente, embora as empresas estivessem em condições de as apresentarem individualmente; ou
− Propostas que apresentam semelhanças suspeitas, designadamente os mesmos erros gramaticais ou ortográficos, as mesmas lacunas de informação, utilizam a mesma terminologia, formatação ou correções de última hora, bem como idênticos papel timbrado, informações de contacto, carimbo de registo postal, data e hora de submissão, ou, caso se trate de submissão online, o recurso aos mesmos endereços de IP.

  • Nos termos comerciais e nas declarações dos concorrentes:

− Preços elevados, atendendo aos custos estimados pela entidade adjudicante;
− Diferentes propostas com idênticos preços;
− Aumento uniforme dos preços propostos;
− Descida súbita do preço quando surge um concorrente não habitual;
− Diferenças de preço inexplicáveis entre propostas;
− Flutuações significativas nos preços submetidos pela mesma empresa em procedimentos distintos;
− Expressão de preferência ou exclusividade por determinada área geográfica ou em relação a certos clientes; ou
− Referências a propostas concorrentes, a orientações ou a associações setoriais.

  • Nos resultados dos procedimentos:

− Padrões suspeitos de rotatividade ou de distribuição geográfica entre propostas vencedoras.

  • Nos comportamentos dos concorrentes:

− Concorrente vencedor que subcontrata repetidamente outros concorrentes;
− Concorrente vencedor que retira a proposta e é subsequentemente subcontratado por um outro concorrente selecionado;
− Determinados concorrentes que não solicitam orçamento a fornecedores essenciais; ou
− Vários concorrentes que contratam a mesma empresa consultora no âmbito da preparação das suas propostas.


Orientações na conceção dos procedimentos de contratação

A Autoridade da Concorrência emitiu ainda orientações para as autoridades públicas relativamente à preparação dos concursos públicos, com vista a mitigar o risco de eventuais comportamentos colusivos. A Autoridade recomenda, em particular:

  1. Incentivar a participação de concorrentes, nomeadamente, evitando requisitos desnecessários que restrinjam a participação (v.g., certificações, garantias financeiras, dimensão mínima dos concorrentes); publicitando adequadamente o procedimento, de modo a alcançar interessados nacionais e internacionais; considerando a possível divisão do contrato em vários lotes (desde que tal divisão não facilite esquemas de repartição do mercado); reduzindo os custos da submissão de propostas (através da simplificação e agregação de procedimentos e da manutenção de registos atualizados de adjudicatários aprovados ou certificados, estabelecendo prazos adequados para a submissão de propostas e recorrendo a procedimentos online).
  2. Estabelecer requisitos claros e reduzir a previsibilidade dos procedimentos: os requisitos devem ser claros e objetivos, os procedimentos regulares (considerando o seu timing, valor e número de contratos) devem ser evitados e as autoridades públicas devem ponderar a organização conjunta de procedimentos com outras entidades adjudicantes.
  3. Formar os recursos humanos e escrutinar a informação dos procedimentos, implementando programas de formação contínua de colaboradores; recolhendo informação relativa a concursos anteriores; revendo, periodicamente, propostas históricas para certos produtos e serviços; comparando a lista de empresas interessadas e a lista de concorrentes que apresentaram proposta; conduzindo entrevistas junto dos concorrentes que desistiram ou possuem um historial de apresentação de propostas não vencedoras; promovendo canais de comunicação para as empresas poderem reportar as suas preocupações relativamente aos comportamentos de empresas concorrentes; e incentivando os funcionários a denunciarem comportamentos suspeitos à Autoridade da Concorrência.
  4. Definir critérios de avaliação e adjudicação que promovam a concorrência, ponderando, com prudência, todos os critérios não relacionados com o preço (se os mesmos forem usados, devem ser definidos clara e objetivamente); não valorando desempenhos passados sem razão justificativa; e revendo o impacto dos critérios de seleção na intensidade da concorrência, no procedimento em causa e em propostas futuras.
  5. Mitigar oportunidades de comunicação entre concorrentes: quaisquer contactos entre a entidade adjudicante e concorrentes devem ser conduzidos individualmente; deve ser promovido o anonimato das propostas; a informação disponibilizada pela entidade adjudicante deve ser ponderada cautelosamente; quando haja recurso a consultores externos, devem ser solicitadas declarações de confidencialidade e de ausência de conflitos de interesses; a intenção de subcontratar deve ser previamente revelada pelos concorrentes; os documentos do procedimento devem incluir referências às consequências da violação das normas de direito da concorrência, bem como prever uma “declaração de independência” da proposta.


Comentário

A Campanha “Combate ao Conluio”, presentemente em curso, representa um investimento significativo da parte da Autoridade da Concorrência na formação de entidades adjudicantes com vista a prevenir e investigar comportamentos de conluio.

Declarações recentes da Autoridade da Concorrência sugerem que várias investigações foram já iniciadas a possíveis comportamentos colusivos em procedimentos de contratação pública na sequência da campanha. Embora não se saiba se tais investigações conduzirão a decisões condenatórias adicionais, as empresas que participem regularmente em procedimentos de contratação pública em Portugal devem estar conscientes de que o combate ao conluio no âmbito da contratação pública é considerado uma das prioridades da Autoridade e que esta esta área continuará a estar sujeita a apertado escrutínio.

Por esta razão, é aconselhável que as empresas que operem em mercados de contratação pública e respetivos assessores, incluindo consultores externos, desenvolvam programas de compliance de concorrência eficazes de modo a mitigar eventuais riscos de comportamentos colusivos. As empresas ativas nesta área deverão ainda ponderar aconselhamento especializado em matéria de concorrência, designadamente quando pretendam submeter propostas conjuntas com concorrentes, estar presentes em encontros juntamente com outros concorrentes, ou selecionar uma empresa de consultoria que possa estar a assessorar também outras empresas concorrentes.