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01.04.2016

Comissão Europeia apresenta pacote sobre segurança energética

1. Introdução

No âmbito da Estratégia-Quadro para uma União Europeia da Energia – uma das grandes prioridades da Presidência de Juncker –, a Comissão Europeia apresentou, no passado dia 16 de fevereiro, o seu pacote para a segurança energética, um importante passo para a intensificação de um mercado interno da energia e para a preparação da União para a transição energética global.

O objetivo visado por este pacote e, aliás, um dos objetivos primordiais da União da Energia, é a garantia de segurança no aprovisionamento energético a nível europeu, de forma a tornar a União Europeia mais autónoma e resistente a eventuais perturbações ao nível das vias de fornecimento de gás natural. A concretização deste objetivo ganhou, atualmente, uma pertinência reforçada em virtude das diversas tensões políticas ao nível das fronteiras da União Europeia que poderão gerar novas perturbações de aprovisionamento, à semelhança do sucedido durante as crises do gás de 2006 e 2009.

Neste sentido, o pacote apresentado contempla diversas medidas tendentes ao desenvolvimento energético sustentável, através de uma aposta cada vez mais vincada nas energias renováveis com consequente aumento de produção de energia a nível europeu, assim como a diversificação das fontes, fornecedores e vias de aprovisionamento energético.

Para dotar a União de um mercado de energia segura, sustentável e competitiva, as propostas da Comissão Europeia incluem um Regulamento de Segurança do Aprovisionamento de Gás, uma Decisão sobre acordos intergovernamentais no domínio da energia, uma Estratégia de Gás Natural Liquefeito (GNL) e de Armazenamento de Gás e uma Estratégia de Aquecimento e Refrigeração, que passaremos a analisar em seguida.


2. Regulamento de Segurança do Aprovisionamento de Gás1

O Regulamento apresentado pretende introduzir uma abordagem mais eficiente ao nível da prevenção de perturbações no aprovisionamento de gás e de mitigação dos seus eventuais efeitos. Pretende-se, antes de mais, uma passagem do anterior sistema de segurança, essencialmente de cariz nacional, para uma abordagem regional e um reforço da colaboração com os países que constituem partes contratantes da Comunidade para a Energia.2

Mais ainda, introduz-se um princípio de solidariedade no âmbito do qual Estados-Membros vizinhos serão responsáveis pela garantia de aprovisionamento de residências e serviços essenciais (tais como hospitais e serviços de segurança) em caso de crise energética grave que afete outro Estado-Membro.

Por último, a Comissão reserva-se um papel de relevo ao instituir o escrutínio das medidas de segurança energética a implementar por Estados-Membros e por empresas no sector do gás natural.


3. Decisão sobre os acordos intergovernamentais no domínio da energia3

Para reforçar o seu papel ao nível da segurança energética e implementação da União da Energia, a Comissão decidiu ainda submeter a uma análise de compatibilidade ex ante todo e qualquer acordo intergovernamental a ser assinado por Estados-Membros da UE e que tenha relevância em matéria de segurança do aprovisionamento. Esta análise passará pela verificação da compatibilidade com as regras da concorrência e do mercado interno da Energia e será vinculativa para os Estados-Membros.


4. Estratégia de Gás Natural Liquefeito (GNL) e de Armazenamento de Gás4

Na senda da diversificação das fontes de energia e numa tentativa de diminuir as disparidades a nível regional, a Comissão apresentou ainda uma estratégia para o GNL. Apesar de a Europa ser atualmente o maior importador de gás a nível mundial, o acesso a esta fonte de energia não é uniforme em toda a União, sendo crucial para a concretização de um verdadeiro mercado interno da energia. Nos termos da Estratégia da Comissão, deve ser feita uma aposta i) na construção das infraestruturas necessárias para assegurar a disseminação do acesso aos mercados de GNL por todos os Estado-Membros da União Europeia, tanto diretamente como através de outros Estados-Membros; ii) na utilização mais eficiente de infraestruturas e recursos de armazenamento; e iii) na identificação parceiros internacionais para promover mercados de GNL a nível global livres e transparentes.

5. Estratégia de Aquecimento e Refrigeração5

A Estratégia de Aquecimento e Refrigeração, que se refere à energia despendida nestes processos nos edifícios e da indústria, é a peça do pacote apresentado pela Comissão que terá um impacto mais direto ao nível das entidades privadas. Esta Estratégia pretende, em termos gerais, tornar mais eficiente e sustentável a utilização energética para o aquecimento e refrigeração, os quais representam cerca de 50% da energia consumida na União Europeia e utilizam maioritariamente fontes fósseis.

A Comissão propõe, assim, a tomada de diversas ações para o aumento da eficiência e diminuição do desperdício no aquecimento e refrigeração, nomeadamente:

i) promover e simplificar as medidas de renovação dos edifícios, aumentando a utilização de modelos de eficiência energética e partilha de custos para a requalificação energética;

ii) aumentar a utilização de fontes renováveis, nomeadamente através de incentivos financeiros à implementação de soluções sustentáveis no âmbito do programa Horizonte 2020;

iii) reutilizar os desperdícios de aquecimento e refrigeração gerados pelos processos industriais, através, por exemplo, de ligações e abastecimentos diretos às redes distritais; e iv) promover um maior envolvimento e informação dos consumidores e da indústria para a energia sustentável.


6. Notas finais

As medidas apresentadas pela Comissão constituem ainda meras propostas que carecem de transposição para legislação ao nível da União Europeia. Todavia, a apresentação deste pacote constitui já um passo significativo no cumprimento de uma das grandes prioridades traçadas pela Comissão - a concretização da União da Energia –, pelo que se aguardam com expectativa os respetivos desenvolvimentos legislativos.

Este artigo foi escrito em co-autoria com a advogada Leonor Bettencourt Nunes.

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1 Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a medidas destinadas a garantir a segurança do aprovisionamento de gás e que revoga o Regulamento (UE) n.º 994/2010, COM/2016/052, disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ TXT/?uri=CELEX%3A52016PC0052.
2 A Comunidade da Energia é uma organização internacional no âmbito da política energética. A organização foi estabelecida por tratado internacional em outubro de 2005, em Atenas, Grécia. O Tratado entrou em vigor em julho de 2006. O Tratado que estabelece a Comunidade da Energia engloba a União Europeia e os países do Sudeste Europeu e Região do Mar Negro como partes contratantes. O objetivo da organização é alargar o mercado interno europeu da energia ao Sudeste Europeu com base num instrumento legal vinculativo. Mais informação disponível em: https://www.energy-community.org/portal/page/portal/ENC_HOME.
3 Proposta de Decisão do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à criação de um mecanismo de intercâmbio de informações sobre acordos intergovernamentais e instrumentos não vinculativos entre Estados-Membros e países terceiros no domínio da energia e que revoga a Decisão n.º 994/2012/EU, COM/2016/053, disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52016PC0053;
4 Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, Conselho, Comité Económico e Social e Comité das Regiões relativa à Estratégia da UE para de Gás Natural Liquefeito e Armazenamento de gás, COM(2016) 49, disponível (apenas em versão inglesa) em: https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/1_EN_ACT_part1_v10-1.pdf
5 Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, Conselho, Comité Económico e Social e Comité das Regiões relativa à Estratégia da UE para o Aquecimento e Refrigeração, COM(2016) 51, disponível (apenas em versão inglesa) em: https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/1_EN_ACT_part1_v14.pdf.

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