01.07.2013
Comissão Europeia apresenta proposta de Directiva para promover acções de indemnização no âmbito de infracções às regras da concorrência
As práticas restritivas da concorrência, tais como cartéis ou abusos de posição dominante, podem ser prejudiciais para a economia considerada como um todo, mas também para as entidades privadas, incluindo agentes económicos e consumidores. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia1 já reconheceu, em diversas decisões judiciais, que as vítimas afectadas por tais práticas restritivas da concorrência têm o direito de ser indemnizadas pelos prejuízos que tenham sofrido.
Neste contexto, a Comissão Europeia considera que as entidades afectadas por práticas anticoncorrenciais, quando tentam obter uma compensação adequada, enfrentam, actualmente, diversos obstáculos de natureza prática para intentarem as respectivas acções de indemnização pelos prejuízos que lhes tenham sido causados – tais como obstáculos de natureza processual e incerteza jurídica. De acordo com a Comissão Europeia, aparentemente, nos últimos sete anos apenas 25% das decisões adoptadas em processos de práticas restritivas da concorrência levaram à instauração de acções de indemnização pelas entidades afectadas.
Uma das principais razões para este resultado prende-se com a disparidade de regimes nacionais que regulam as acções de indemnização com fundamento na violação das regras da concorrência. Assim, e de acordo com a Comissão Europeia, na esmagadora maioria dos casos a probabilidade de as vítimas serem adequadamente indemnizadas pelos danos sofridos depende, em grande medida, do Estado Membro em que estas se encontrem estabelecidas ou tenham a sua residência.
Neste sentido, a Comissão apresentou uma proposta de Directiva [COM(2013) 404 Final, de 11 de Junho de 2013] com o objectivo de descontinuar diversos obstáculos de jaez prática, facilitando, assim, a instauração de acções de indemnização pelas entidades afectadas por condutas anticoncorrenciais. A proposta de Directiva tem por finalidade padronizar as regras processuais existentes nos Estados Membros e contém, entre outras, as seguintes medidas:
- Maior facilidade no acesso a meios de prova – as entidades afectadas passam a poder obter uma decisão judicial que obrigue as contrapartes ou terceiros a disponibilizar documentação necessária para a prova dos factos que fundamentam a acção;
- Clarificação das regras sobre a prescrição do procedimento, com o objectivo de reduzir a incerteza existente quanto aos limites temporais dentro dos quais as entidades poderão intentar uma acção de indemnização contra o alegado autor da infracção (é proposto, para a instauração de acção de indemnização, um período de pelo menos cinco anos a contar da data em que a entidade afectada teve conhecimento dos danos sofridos);
- Possibilidade de obter a plena reparação dos danos, incluindo lucros cessantes (lucrus cessans);
- Clarificação das regras de responsabilidade civil em casos em que o autor da infracção aplica ilegalmente preços mais elevados a um cliente (vítima directa) e este cliente repercute o correlativo aumento na sua própria clientela (vítimas indirectas);
- Estabelecimento de uma presunção ilidível de acordo com a qual os cartéis provocam danos, com o desiderato de facilitar a demonstração e determinação do dano sofrido;
- Responsabilidade solidária dos autores da infracção pela totalidade dos danos causados às entidades afectadas. Prevêem-se, no entanto, derrogações, por exemplo, quando os infractores cooperam com a investigação da autoridade da concorrência e obtêm imunidade à aplicação de coima, caso em que, em regra, terão apenas de ressarcir os danos causados aos respectivos clientes;
- Medidas destinadas a fomentar a resolução extrajudicial dos pedidos de indemnização, com o objectivo de reduzir o tempo e os custos para as pares envolvidas em tais litígios.
Para além da proposta de Directiva, a Comissão também adoptou uma Comunicação sobre a quantificação dos danos [C(2013) 3440, de 11 de Junho de 2013] e um Guia Prático [SWD(2013) 205, de 11 de Junho de 2013] com a finalidade de auxiliar os tribunais e as partes no âmbito das acções de indemnização.
Adicionalmente, tendo em vista melhorar o acesso aos meios judiciais pelas vítimas das infracções jusconcorrenciais, a Comissão publicou ainda uma Recomendação [C(2013) 3539/3] sobre a implementação de mecanismos de acção colectiva dirigida aos Estados Membros.
Ademais, entendemos – conforme, aliás, considerado pela Comissão Europeia –, que a proposta de Directiva não tem por finalidade a adopção de um novo sistema no qual as funções de punição e de dissuasão ficam na esfera dos particulares. As autoridades de concorrência (tanto a europeia, como as nacionais) continuarão a desempenhar um papel muito relevante no âmbito da investigação e de aplicação de sanções às práticas restritivas da concorrência. A proposta de Directiva deve, assim, no nosso entendimento, ser apreendida como um elemento destinado a melhorar o recurso pelos particulares aos mecanismos que lhes permitam aceder a uma compensação adequada quando sejam afectados por práticas anticoncorrenciais.
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1 Vide os processos C-453/99 Courage e Crehan, de 20 de Setembro de 2001; processos apensos C-295/04 a C-298/04 Manfredi, de 13 de Julho de 2006; C-360/09 Pfleiderer, de 14 de Junho de 2011; C-199/11 Otis et al., de 6 de Novembro de 2012; e C-536/11 Donau Chemie, de 6 de Junho de 2013.