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01.03.2013

Comissão Europeia pode propor acções de indemnização nos tribunais nacionais contra empresas condenadas por participação em cartel

Um acórdão recente do Tribunal de Justiça da União Europeia (C199/11, Otis et al., de 6.11.2012) confirmou que nada impede a Comissão Europeia de demandar judicialmente, nos tribunais nacionais dos Estados-Membros, empresas cujo comportamento tenha sido previamente condenado pela própria Comissão enquanto violação do direito europeu da concorrência.

Em 2007, a Comissão Europeia condenou os grupos Otis, Kone, Schindler e ThyssenKrupp, a coimas no valor global de €992 milhões, pela participação num acordo de fixação de preços (cartel) nos mercados dos elevadores e das escadas rolantes em vários Estados-Membros – ao tempo, as coimas de valor mais elevado aplicadas pela Comissão num único processo. O Tribunal Geral confirmou, em sede de recurso, a decisão da Comissão, e o Tribunal de Justiça já rejeitou recursos subsequentes contra o acórdão do Tribunal Geral (embora outros recursos ainda se encontrem pendentes).

As Instituições da União Europeia eram elas próprias clientes das empresas em causa relativamente à instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes nos edifícios da União Europeia. Por esta razão, a Comissão Europeia (em representação da União) propôs, em paralelo, acções de indemnização no Tribunal de Comércio de Bruxelas em 2008, exigindo àquelas empresas uma indemnização de mais de € 7 milhões por danos sofridos na Bélgica e no Luxemburgo, na medida em que os preços pagos pelas Instituições europeias teriam sido mais elevados do que os preços de mercado em resultado da existência do cartel.

Possivelmente por solicitação das empresas demandadas, que alegaram que a Comissão é “juiz e parte na mesma causa”, o tribunal nacional submeteu um conjunto de questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, a principal das quais é se a Carta dos Direitos Fundamentais (Carta) impede a Comissão Europeia de propor uma acção de indemnização relativamente a comportamentos que foram previamente objecto de condenação por parte de uma decisão da própria Comissão.

O Tribunal de Justiça reconhece, à partida, que os direitos fundamentais das empresas, tal como salvaguardados pela Carta, devem ser sempre respeitados, em particular o direito de acesso a um tribunal e o princípio da igualdade de armas, os quais são elementos do direito fundamental à tutela judicial efectiva consagrado na Carta.

Embora uma decisão da Comissão que constata a existência de uma infracção ao direito da concorrência seja, nos termos do direito da União, vinculativa para os tribunais nacionais, o Tribunal de Justiça considera que a propositura de uma acção de indemnização pela Comissão não viola o direito de acesso a um tribunal. Segundo o Tribunal, o direito da União prevê um sistema de fiscalização jurisdicional efectiva das decisões da Comissão pelos tribunais da União, que oferece todas as garantias exigidas pela Carta. Por outro lado, os tribunais nacionais mantêm competência exclusiva para determinar a existência de prejuízos e se existe um nexo de causalidade entre o dano sofrido e os comportamentos em causa.

O Tribunal decidiu igualmente que a actuação processual da Comissão não é contrária ao princípio da igualdade de armas. Este princípio tem por objectivo assegurar o equilíbrio entre as partes no processo, garantindo que qualquer documento apresentado ao tribunal possa ser avaliado e contestado por qualquer parte no processo. O direito da União proíbe a Comissão de utilizar informação recolhida no decurso de uma investigação de direito da concorrência para fins que não sejam os da própria investigação. No caso concreto, as informações recolhidas pela Comissão durante o processo de investigação (que, segundo as partes, não tinham sido trazidas ao seu conhecimento) não foram fornecidas ao tribunal nacional pela Comissão, e o Tribunal bastou-se com a declaração da Comissão de que, no âmbito da acção de indemnização, a Comissão se apoiou apenas nas informações disponíveis na versão pública da decisão que declarou a infracção.

A diligência da Comissão em exigir indemnizações aos participantes no “cartel dos elevadores” perante os tribunais nacionais deve ser enquadrada no contexto dos seus esforços, ao longo dos últimos anos, para promover o contencioso privado da concorrência nos Estados-Membros da União, onde acções judiciais por entidades lesadas em virtude de infracções ao direito da concorrência são ainda um fenómeno pouco comum, ao contrário do que acontece, por exemplo, nos EUA.

Por outro lado, este processo evidencia a importância crescente de questões de direitos fundamentais em processos de direito europeu da concorrência. Tendo em conta, entre outros, a projectada adesão a breve trecho da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, veremos se o sistema administrativo de aplicação de direito da concorrência na União Europeia será obrigado a evoluir, em particular pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no sentido do reforço das garantias de defesa e de igualdade de armas das partes.