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01.03.2012

Comissão Europeia proíbe fusão Deutsche Börse/NYSE Euronext

No passado dia 1 de Fevereiro de 2012 a Comissão Europeia proibiu a projectada fusão entre a Deutsche Börse e a NYSE Euronext (grupo a que pertence a Euronext Lisbon), que teria dado origem ao maior gestor de mercados organizados financeiros a nível mundial. Após uma investigação aprofundada, que durou cerca de 7 meses, a Comissão concluiu que a operação iria criar uma posição dominante quanto à transacção de instrumentos financeiros derivados europeus em mercados organizados, e que os compromissos apresentados pelas partes não eram adequados a remediar as preocupações de concorrência1.

A proibição de concentrações tem revestido um carácter excepcional. Com efeito, em mais de 2.000 operações aprovadas desde a entrada em vigor do actual Regulamento das Concentrações, em 2004, trata-se apenas da terceira concentração proibida pela Comissão (as anteriores operações proibidas foram a Ryanair/Air Lingus, em 2007, e a Olympic Airlines/Aegean Airways, em 2011).


Mercado relevante: derivados transaccionados em mercado organizado vs. derivados em mercado de balcão (over-the-counter)

As preocupações da Comissão centraram-se na área dos derivados, na qual as subsidiárias das partes Eurex e Liffe estão presentes. Os derivados são instrumentos financeiros cujo valor é derivado de um activo subjacente, por exemplo taxas de juro ou acções, e que são utilizados por empresas e instituições financeiras para gerir riscos financeiros (por exemplo, oscilações das taxas de câmbio, taxas de juro, cotações bolsistas, etc.), e como produtos de investimento para investidores institucionais e de retalho.

O processo desenvolveu-se sobretudo em torno da questão de saber como definir o mercado relevante, e em particular se os derivados de activos europeus transaccionados em mercado organizado (exchange-traded derivatives, “ETD”) e transaccionados em mercado de balcão (over-the-counter, “OTC”), faziam parte do mesmo mercado. A Deutsche Börse e a NYSE Euronext defendiam que os ETD e os derivados OTC concorriam entre si e integravam o mesmo mercado relevante. A Comissão concluiu o contrário, tendo em conta as diferenças quanto às características dos dois tipos de derivados: os ETD correspondem a contratos padronizados (assentes em condições contratuais gerais elaboradas pela entidade gestora do mercado) e têm um valor relativamente reduzido (aproximadamente €100.000 por transacção) enquanto que os derivados OTC são contratos individualizados, de estrutura tipicamente bilateral e negociados caso a caso e de valor em geral muito superior (cerca de €200.000.000 por transacção). Os custos associados a transacções OTC são também em geral muito superiores aos de transacções de derivados em mercados organizados (até oito vezes, segundo um estudo da Deutsche Börse), e há um conjunto significativo de clientes que não podem fazer transacções OTC e para os quais um mercado regulamentado é única solução.


Eliminação da concorrência entre a Deutsche Börse e a NYSE Euronext

A limitação do mercado relevante aos derivados transaccionados em mercado organizado (ETD) significava que as partes tinham neste mercado uma posição próxima do monopólio (com uma quota combinada de cerca de 90%). A Comissão também concluiu que as partes eram a principal concorrente uma da outra, pelo que a eliminação da pressão concorrencial recíproca daria lugar a entraves significativos à concorrência neste mercado, prejudicando os utilizadores de derivados e a economia europeia no seu conjunto. Pelo contrário, se o mercado definido incluísse também os derivados OTC, a quota de mercado conjunta das partes não seria significativa (aproximadamente 16%).

A Comissão concluiu que outros gestores de mercados a nível mundial, em particular a Chicago Mercantile Exchange (“CME”), tinham uma presença marginal no que respeita a derivados de activos europeus, pelo que não exerciam suficiente pressão concorrencial sobre as partes no mercado relevante. Seria também difícil a qualquer novo concorrente entrar no mercado devido às elevadas barreiras à entrada, e à integração vertical da Eurex e da Liffe (que combinam a gestão de mercados regulamentados e de centrais de liquidação). Finalmente, as eficiências invocadas pelas partes não eram suficientes para compensar os danos à concorrência resultantes da operação.


Remédios oferecidos insuficientes para eliminar preocupações

A Deutsche Börse e a NYSE Euronext apresentaram três propostas de compromissos, os quais na sua versão final consistiam no desinvestimento de uma parte do negócio da Liffe de derivados de acções europeias, na concessão de acesso à central de liquidação (clearing house) da entidade combinada para novos contratos de derivados de taxas de juro, acções e obrigações e na concessão de uma licença para utilizar o software de trading de derivados de taxas de juro da Eurex. No entanto, após testar os compromissos com os concorrentes e os clientes das partes (através de um “teste de mercado”), a Comissão concluiu que o pacote de compromissos era insuficiente, de difícil implementação e de resultado incerto, pelo que os compromissos não eram susceptíveis de restaurar a concorrência eliminada pela operação.


Cenas dos próximos episódios

Apesar de as partes terem anunciado o abandono da fusão projectada, a Deutsche Börse manifestou recentemente a sua intenção de recorrer para o Tribunal Geral, uma vez que considera que “vários aspectos da decisão estão viciados”. Pelo contrário, a NYSE Euronext já confirmou que não irá recorrer da decisão.

O recurso provavelmente contestará a definição do mercado relevante, uma vez que a segmentação feita pela Comissão possivelmente constitui um precedente indesejável para eventuais projectos de expansão futura da Deutsche Börse. Esta não terá, no entanto, tarefa fácil, pois os Tribunais europeus reconhecem à Comissão uma “ampla margem de apreciação” no que respeita a análises económicas complexas, o que quer dizer que, para ter sucesso, a recorrente terá que demonstrar que a decisão padece de um (ou mais) erros manifestos de apreciação.

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