Introdução
A Comissão Europeia publicou em fevereiro de 2015 um boletim que resume os principais dados financeiros relativos a auxílios estatais concedidos pelos Estados-Membros às suas instituições financeiras durante a crise económica e financeira1.
Os números são impressivos. Estima-se que, entre 2007 e 2014, um total de 22 Estados-Membros tenha despendido € 671 mil milhões em capital e empréstimos e € 1.288 mil milhões em garantias a favor das respetivas instituições de crédito. Neste período, a Comissão adotou mais de 450 decisões de reestruturação ou resolução respeitantes a 112 bancos com presença na UE – o equivalente a 30% de todo o sistema bancário europeu. Em alguns países, como Portugal, mais de 50% do sistema financeiro obteve ajudas de Estado. Dos 112 bancos intervencionados, 56 foram reestruturados, 33 foram objeto de medidas de resolução ordenada, 14 foram declarados viáveis sem necessidade de reestruturação e 9 estavam ainda em fase de discussão dos respetivos planos de reestruturação (por referência a dezembro de 2014).
A Comissão considera que as medidas tomadas em reação à crise estão a produzir resultados positivos, traduzidos em melhorias de rácios de risco, solvabilidade e liquidez, comprovados, aliás, pelos mais recentes testes de stress do BCE. Contudo, a Comissão também reconhece que parte significativa dos bancos apoiados ainda está a implementar os seus planos de reestruturação e que as contas só se poderão fazer no termo desses programas de ajustamento.
Os dois momentos da crise
A abordagem da Comissão em matéria de auxílios de Estado aos bancos em risco foi evoluindo.
Com o objetivo de dar uma resposta coordenada à crise sistémica, de natureza económica e financeira, que se registou na zona Euro a partir de 2007, a Comissão adotou um conjunto de orientações sobre os critérios de compatibilidade dos auxílios concedidos pelos Estados-Membros a favor dos bancos em dificuldade, ajustando o enquadramento jurídico em vigor face à nova realidade.
Numa primeira etapa – que se poderá balizar entre 2008 e 2012 – a principal preocupação que presidiu à adoção destes instrumentos de soft law foi assegurar a estabilidade financeira, através de uma capitalização adequada dos bancos viáveis a longo prazo, se necessário por via de recursos públicos. Durante este período, os Estados-Membros foram incentivados, com o apoio da Comissão, a concederem ajudas estatais de montante significativo, de forma a assegurar adequados níveis de solvabilidade e liquidez nas suas instituições de crédito e evitar perturbações nos mercados financeiros.
Do ponto de vista da operacionalização destes apoios públicos, a Comissão permitiu, nesta primeira fase, que os Estados fizessem uma análise dos défices de capital e/ou liquidez que consideravam ter de colmatar nas instituições com presença nos seus países, podendo avançar para a concretização do investimento público com base em planos de capitalização discutidos e aprovados essencialmente no âmbito nacional. De acordo com o esquema que então vigorava, só depois de materializado o apoio com recurso a capitais públicos é que a Comissão e os Estados-Membros encetavam conversas mais aprofundadas sobre a medida e a extensão das reestruturações necessárias para garantir (i) a viabilidade dos bancos ajudados, (ii) a respetiva contribuição para os esforços de capitalização e reestruturação e (iii) a mitigação das distorções de concorrência resultantes da concessão das ajudas públicas.
Este foi o modelo que esteve na génese da legislação portuguesa que prevê medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito, aprovada pela Lei n.º 63-A/2008, de 24 de novembro.
Depois de uma primeira fase, em que a utilização de instrumentos de investimento público permitiu aos Estados-Membros assegurar níveis confortáveis de resiliência nos seus setores bancários, em 2013 a Comissão Europeia reviu significativamente as regras de acesso aos recursos públicos por parte das instituições de crédito em dificuldade.
Enquanto, num primeiro momento, as ações empreendidas para combater a crise visaram essencialmente atenuar as preocupações convocadas pela turbulência nos mercados financeiros e pela crise das dívidas soberanas, a partir de 2013 a Comissão entendeu que o desafio maior para o setor financeiro provinha da fragilidade e assimetria dos processos de recuperação económica e do desendividamento público e privado, com reflexos a nível da qualidade dos ativos bancários e do acesso a financiamento a prazo.
Perante a necessidade de os Estados reduzirem e consolidarem as suas dívidas públicas e privadas, a Comissão veio em 2013 reforçar substancialmente os requisitos mínimos em matéria de repartição dos encargos de reestruturação (burden sharing) pelas instituições beneficiárias de ajuda e pelos seus acionistas e credores subordinados.
Em termos práticos, isto significa que, após 2013 e como regra geral, os Estados-Membros, antes de concederem auxílio a um banco em dificuldade (quer se trate de uma medida de capitalização ou de um apoio a ativos depreciados), devem tendencialmente esgotar todas as medidas possíveis de geração de fundos próprios, garantindo a devida contribuição dos respetivos detentores de capital e dívida subordinada.
Consequentemente, a Comissão considera hoje, a título de princípio geral, que não se justificam mais as medidas de resgate estruturais concedidas com base numa apreciação preliminar da situação financeira dos bancos, privilegiando a antecipação, para a fase prévia à concessão das ajudas públicas, da discussão aprofundada e da aprovação dos planos de reestruturação e dos compromissos a eles inerentes.
Balanço da Comissão
O recente boletim da Comissão reporta a análise de resultados da política de ajudas estatais apenas às instituições que foram consideradas viáveis, excluindo, portanto, os bancos que foram resolvidos e que compreendem uma parte relevante (cerca de 30%) do total de instituições intervencionadas durante a crise.
Neste particular, a viabilidade de um banco é genericamente aferida como a possibilidade de gerar uma rentabilidade sustentável num horizonte temporal de 5 anos, sem apoios adicionais do Estado. Esta ideia de viabilidade pressupõe ainda que, no decurso do período de reestruturação, sejam adotadas medidas de repartição de encargos por parte do próprio beneficiário e dos seus acionistas e credores subordinados e medidas de mitigação das distorções de concorrência resultantes da concessão da ajuda (que poderão ser de natureza estrutural, comportamental ou ambas).
Neste exercício de balanço, a Comissão procurou avaliar a performance dos bancos apoiados, antes e depois da concessão das ajudas, face à dos concorrentes que não obtiveram auxílios estatais, considerando, para o efeito, indicadores financeiros relativos à evolução da gestão operacional e do risco, da rentabilidade, dos rácios de capital e do perfil de financiamento. Desta confrontação resulta para a Comissão uma convergência de performance entre os bancos intervencionados, no período pós-auxílio, e os níveis dos seus pares que não beneficiaram de ajudas. Esta tendência de aproximação vai sendo mais visível à medida que os planos de reestruturação são implementados.
Consulte os gráficos referentes a este artigo na Newsletter n.º 21.
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