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31.12.2015

Controlo de concentrações alemão: Edeka/Tengelmann – Novo impulso para o procedimento de autorização ministerial?

De acordo com o direito alemão de controlo de concentrações (Lei Contra Restrições à Concorrência, “LRC”), as operações sobre as quais impende uma obrigação de notificação estão sujeitas a análise pela autoridade de concorrência competente (Autoridade Federal dos Cartéis, “AFC”), estando esta limitada a uma avaliação dos efeitos dessa concentração na concorrência. Se se verificar que uma concentração irá com probabilidade impactar negativamente sobre a concorrência, esta deve ser proibida pela AFC (§ 36 (1) LRC), independentemente de quaisquer benefícios de interesse público que esta possa envolver(ex.: a salvaguarda de postos de trabalho).

Embora os benefícios de interesse público não sejam tomados em conta nesta análise da AFC, aqueles não são totalmente irrelevantes para a aprovação de concentrações nos termos do LRC. As partes notificantes de uma concentração que tenha sido proibida pela AFC podem invocar esses benefícios aquando do pedido de autorização da concentração junto do Ministro Federal da Economia (“MFE”), de acordo com o § 42 LRC (Autorização Ministerial, “AM”). A autorização será concedida se os efeitos negativos da concentração sobre a concorrência forem compensados pelas vantagens para a economia como um todo ou se tal se justificar por um superior interesse público (§ 42 (1) LRC).1

O procedimento de AM foi concebido como solução extraordinária para casos excecionais, funcionando como uma válvula para a pressão política com vista a salvaguardar a independência da AFC, tendo sido largamente aplicada com esse propósito. Desde a sua introdução em 1973 (juntamente com o regime de controlo de concentrações alemão) até ao final de 2014, a AFC proibiu 187 concentrações. Apenas 21 proibições foram seguidas por um pedido de AM, tendo este sido concedido em apenas 8 casos, e, em 5 deles, apenas em parte e/ou sujeito a condições.2

Após um extenso período de dormência (os últimos casos, relativos a concentrações entre hospitais regionais, remontam a 2008), o procedimento de AM reemergiu recentemente no centro das atenções no caso Edeka/Tengelmann.

O caso envolve a aquisição por parte da Edeka (“E”), um dos 3 maiores retalhistas alemães no setor alimentar (juntamente com a Rewe e a Kaufland), de cerca de 450 estabelecimentos do concorrente cronicamente deficitário Tengelmann (“T”). A AFC concluiu que a operação projetada iria provavelmente deteriorar as condições de concorrência num elevado número de mercados de retalho alimentar locais e regionais já de si altamente concentrados. Assim, tendo também considerado insuficientes os compromissos propostos pelas partes para obviar a estas preocupações, a AFC proibiu a concentração por decisão de 31 de março de 2015.3 Durante o procedimento, vários terceiros manifestaraminteresse em adquirir um número significativo dos estabelecimentos da T.

A 28 de abril de 2015 as partes fizeram um pedido de AM, nos termos do § 42 (1) LRC, argumentando, nomeadamente, que os benefícios públicos substanciais que a concentração trazia compensavam quaisquer efeitos negativos sobre a concorrência que desta decorressem. Acima de tudo, a aquisição da totalidade da T, tal como era pretendido pela E, iria salvaguardar os postos de trabalho dos cerca de 16.000 trabalhadores da T e o status quo dos seus direitos individuais e coletivos. Na hipótese de a T sair do mercado e/ou ser vendida em partes, pelo menos metade dos seus trabalhadores seria despedida (com custos substanciais para o orçamento de Estado4), especialmente em estabelecimentos não lucrativos que teriam de ser encerrados, e outros trabalhadores seriam recolocados em condições substancialmente menos favoráveis.

A 3 de agosto de 2015, a chamada Comissão dos Monopólios (“CM”) emitiu o seu parecer não vinculativo, nos termos do § 42 (4) LRC. A CM não concordou com as conclusões das partes e recomendou que o pedido de AM fosse rejeitado. Embora a salvaguarda de postos de trabalho e de direitos dos trabalhadores se qualifiquem claramente como benefícios de interesse público, a concentração não iria com a certeza necessária garantir os 16.000 postos de trabalho na T, contrariamente ao que afirmavam as partes. A E teria um incentivo para gerar sinergias (eliminando estabelecimentos e funções duplicadas) e reestruturar a T, incluindo através da redução da sua força de trabalho (de forma a torná-la lucrativa) e estaria legalmente autorizada a fazê-lo. Também não era suficientemente seguro que a concentração fosse assegurar um número de postos de trabalho maior do que no cenário pré-concentração, já que vários terceiros manifestaram interesse em adquirir e continuar a explorar um número significativo de estabelecimentos da T, e que os restantes estabelecimentos (na maior parte deficitários) iriam também precisar de ser reestruturados ou encerrados quando fossem adquiridos pela E.

O MFE (Sigmar Gabriel) ainda não tomou uma decisão. Tendo em conta que normalmente ela teria de ser tomada em 4 meses (§ 42 (4) LRC), este pode ser um sinal de que o pedido de AM tem reais hipóteses de sucesso. De facto, o que se revelou através do procedimento até agora, nomeadamente através da audiência pública de 16 de novembro de 2015, parece indicar que o MFE suspeita que um desmembramento e venda da T em partes possa conduzir a uma maior perda de postos de trabalho do que a aquisição da T pela E. Muito irá provavelmente depender de as partes conseguirem encontrar uma forma de se comprometerem a assegurar um número suficiente de postos de trabalho e direitos dos trabalhadores por um período de tempo suficiente, respeitando ao mesmo tempo a regra de que os compromissos, de forma a poderem ser aceites, têm de ser estruturais e não requerer um controlo contínuo da conduta da E e da T (§ 42 (2) LRC).

Se o MFE conceder a autorização, o caso Edeka/Tengelmann poderá muito bem conferir ao procedimento de AM um impulso para que este volte a ganhar relevância no processo de aprovação de concentrações sob a LRC.

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1 Um procedimento similar é previsto, por exemplo, na legislação portuguesa de controlo de concentrações (Artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 125/2014, de 8 de agosto, que aprova os Estatutos da Autoridade da
Concorrência). O único pedido de AM até à data, ainda durante a vigência do anterior regime de concorrência nacional, foi bem-sucedido (BRISA/AEO/AEA).
2 Alguns exemplos de benefícios públicos que se considera compensarem os efeitos negativos na concorrência nestes casos: a criação de um “campeão nacional” visando garantir a segurança a longo prazo do
abastecimento energético e acesso a outros mercados internacionais; a proteção de postos de trabalho; o alívio ou prevenção de sobrecarga do orçamento de Estado; a retenção de tecnologia valiosa e know-how.
3 Caso B 2-96/14 – Edeka/Tengelmann.
4 Perda de receita do imposto sobre o rendimento e de contribuições para a segurança social, custos de requalificação e reintegração profissional.

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