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30.12.2014

Escolha e Inovação no Moderno Retalho Alimentar

Introdução

A Comissão Europeia divulgou publicamente, no passado mês de outubro, as conclusões de um estudo sobre “O impacto económico do retalho moderno na escolha e inovação no setor alimentar da União Europeia”1, o qual constitui uma análise abrangente e exaustiva do setor retalhista alimentar da EU, na última década. Este estudo visou dotar a Comissão de dados quantitativos sólidos e representativos do setor, por forma a permitir-lhe enquadrar e lidar adequadamente com um conjunto recorrente de queixas ou preocupações relacionadas com potenciais distorções na cadeia de abastecimento alimentar (designadamente, comportamentos negociais alegadamente abusivos) mas relativamente aos quais não existia uma noção clara acerca do seu impacto efetivo no mercado.


Objetivos do estudo e principais conclusões

O estudo procurou, em termos resumidos, analisar e mensurar a evolução de duas realidades: por um lado, a diversidade de escolha, conceito que abrange tanto a variedade ao nível do produto – quantidade de referências (“EAN’s”) disponibilizadas na loja, variedade de embalagens, de fornecedores e de preços por categoria de produto – como a variedade quanto ao número de lojas à disposição do consumidor, num mercado local; por outro lado, a inovação, conceito que abrange apenas inovações de produto, aferidas com base em dimensões diferentes - novos EANs, extensões de gama, novas embalagens, novas fórmulas, relançamentos. O estudo pretendeu ainda qualificar e avaliar os principais fatores influenciadores dessas duas realidades. Procurou-se perceber, em especial, se o nível de concentração retalhista ou dos fornecedores (e a existência de desequilíbrios entre ambos) tem um impacto relevante sobre a variedade de escolha e a inovação bem como identificar e quantificar o impacto de outros fatores relevantes.

Para uma análise completa e representativa, a recolha de dados abrangeu um período temporal vasto (2004-2012) e três dimensões geográficas alternativas – europeia, nacional e local. Foram estudados 105 mercado locais em 9 Estados-membros (incluindo Portugal), 23 categorias de produtos e cerca de 343 lojas incluindo os 3 formatos típicos do moderno comércio “alimentar”: hipermercados, supermercados e “discounts”.

O estudo revelou que, no período de 2004 a 2012, a variedade de escolha (em todas as suas dimensões com exceção da variedade de preços por categoria de produto) aumentou de forma clara na maioria dos Estados-membros e nos mercados locais analisados, embora esse aumento tenha sido significativamente mais pronunciado no período “pré-crise” (2004-2008) do que no período “pós-crise” (2008-2012).

Para além das caraterísticas das lojas em questão (formato e dimensão) - com um impacto evidente sobre a variedade de escolha -, o estudo salienta como principais fatores impulsionadores o nível de prosperidade económica da região em causa (PIB per capita), o volume de negócios da categoria de produtos em questão, ao nível nacional (“VN nacional da categoria”) e a concorrência local, concretamente a dinâmica de novas entradas nos mercados locais (a qual se concluiu surtir um efeito positivo sobre a variedade de escolha do aparelho já instalado).

Pelo contrário, não se observou qualquer relação significativa entre o nível de concentração retalhista e a variedade de escolha, embora alguns case studies tenham indiciado uma correlação positiva entre ambas; também não ficou demonstrado que a concentração de fornecedores seja um fator influenciador da variedade de escolha nem, em consonância com o que antecede, que a existência de desequilíbrios nos níveis de concentração de retalhistas e fornecedores tenha impacto comprovado sobre a variedade de escolha.

Não foi detetada qualquer evidência que as marcas de distribuidor (MDD) surtam um efeito negativo sobre a variedade de escolha, ao nível local ou nacional. Pelo contrário, uma quota de MDD moderada está associada a uma maior variedade de escolha (exceto quanto à dimensão “variedade de preços”) e apenas a partir de um certo nível de taxa de penetração das MDD (variável, conforme a categoria de produtos em causa) existem indícios de correlação negativa com a variedade de produtos.

Quanto à inovação, o número de novos EANs disponíveis nas lojas evoluiu positivamente de 2004 até 2008 (+3,8%), tendo decrescido após essa data (-1,2% entre 2008-2010 e -5,3% entre 2010-2012), o mesmo sucedendo, a partir de 2008, com a percentagem de inovações no total dos produtos comercializados. Este panorama diverge conforme a tipologia de mercados locais em causa e entre Estados-Membros. Por exemplo, em Portugal o número de inovações cresceu até 2008 e contraiu ligeiramente após aquele ano, embora decrescendo menos que noutros países da amostra. Em Espanha, a tendência de crescimento em matéria de inovação manteve-se em todo o período (pré ou pós-crise). Detetou-se igualmente, entre 2004 e 2012, uma modificação nas tendências de inovação, com as inovações sob a forma de novos produtos ou extensões de gama a perderem terreno para inovações de outra índole.

O estudo realça como principais fatores influenciadores da inovação (além das características do estabelecimento em causa) o nível de emprego na região, as expectativas de negócio dos retalhistas e o VN nacional da categoria. Constitui igualmente um fator influenciador relevante, a dinâmica concorrencial ao nível local.

É importante realçar que a análise econométrica realizada não permitiu concluir, em termos consistentes e com relevância estatística, pela existência de uma correlação negativa entre o índice de concentração retalhista e o índice de inovação, quer na análise local (onde os efeitos negativos detetados foram esporádicos e/ou irrelevantes) quer ao nível nacional.

Já quanto à concentração do lado dos fornecedores, foi possível detetar uma correlação negativa com o índice de inovação, tendo-se verificado que os mercados em que os fornecedores estão mais concentrados têm associados um menor nível de inovação, o que é consistente com o princípio de que a pressão para inovar é mais intensa quando a concorrência é maior ou mais alargada.

Em consonância com o que antecede, verificou-se que o desequilíbrio do nível de concentração quando favorável aos retalhistas está, regra geral, associado a mais inovação, ao contrário do que sucede no cenário inverso (sempre que os fornecedores estão mais concentrados do que os retalhistas).

Por fim, não ficou demonstrado que uma quota elevada de MDD ao nível local ou nacional tenha por efeito refrear a inovação pois os impactos verificados foram muito limitados. Contudo, a partir de um certo nível de taxa de penetração das MDD (variável, conforme a categoria de produtos em causa) observa-se uma correlação com um menor número de produtos inovadores disponíveis no mercado.


Comentário

O estudo coloca em evidência uma realidade complexa e multifacetada, demonstrando que a escolha e a inovação no setor do moderno retalho alimentar são influenciadas por uma multiplicidade de fatores muito distintos (de índole macro-económica e não só), contrariando manifestamente a perceção de que um incremento dos níveis de concentração no retalho ou a verificação de um eventual desequilíbrio de retalhistas face a fornecedores provoque uma redução da variedade de escolha e da inovação.

Ao mesmo tempo, a importância de fatores como a dinâmica de novas entradas a nível local, as características das lojas em questão (formato e dimensão) e a concentração de fornecedores permite antecipar algumas áreas passíveis de merecer mais interesse da parte da Comissão ou de outros enforcers, seja no âmbito da aplicação do direito da concorrência (por exemplo, no caso de escrutínio de concentrações entre fornecedores em mercados concentrados ou de análise de mercados retalhistas locais, em concentrações entre retalhistas) seja noutros domínios (por exemplo, legislação relativa ao comércio retalhista tendente a facilitar a abertura de lojas).

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1 “The economic impact of modern retail on choice and innovation in the EU food sector”, em consulta pública até ao dia 30.01.2015