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01.12.2012

Estados-Membros sujeitos a sanções financeiras pela não recuperação de auxílios de Estado ilegais

Um acórdão recente do Tribunal de Justiça condenou pela primeira vez um Estado-Membro ao pagamento de sanções financeiras pela não recuperação de auxílios de Estado anteriormente declarados incompatíveis com o direito da União Europeia (UE).

Em 17 de Novembro de 2011, no proc. C-496/09, Comissão c. Itália (II), o Estado Italiano foi condenado ao pagamento cumulativo de uma quantia fixa de 30 milhões de euros e de uma elevada sanção pecuniária compulsória (correspondente à multiplicação do montante de 30 milhões pela percentagem dos auxílios incompatíveis ainda não recuperados, a calcular semestralmente), por não ter executado um acórdão do Tribunal de Justiça de 2004, que obrigava Itália a recuperar os referidos auxílios, anteriormente declarados incompatíveis com o direito da UE pela Comissão Europeia.


O dever de recuperar auxílios de estado incompatíveis com o tratado

O Tratado prevê que todos os auxílios de Estado devem ser previamente notificados e declarados compatíveis pela Comissão antes de serem concedidos (a não ser que sejam abrangidos por uma isenção por categoria). Quando a Comissão Europeia conclua que um projecto de auxílio notificado é incompatível com o direito da UE, o Estado-Membro em causa fica impedido de o implementar. Se o auxílio incompatível não tiver sido notificado, ou se entretanto tiver já sido ilegalmente concedido, o Estado deve recuperar o auxílio junto dos seus beneficiários, com juros. Caso o Estado-Membro não execute a decisão da Comissão, esta Instituição pode intentar directamente uma acção por incumprimento no Tribunal de Justiça.

O Processo Comissão C. Itália II

As origens do processo remontam a 1999, quando a Comissão decidiu que certos auxílios concedidos pela Itália a favor do emprego desde 1995 (através de uma redução das contribuições para a segurança social pagas pelas empresas que criavam novos postos de trabalho) eram incompatíveis com o mercado interno, e ordenou a sua imediata recuperação. Itália não executou atempadamente a decisão, a Comissão recorreu em 2002 para o Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 1 de Abril de 2004 (Comissão c. Itália (I)), constatou o incumprimento do Estado Italiano.

O Tratado obriga os Estados-Membros a tomar imediatamente as medidas necessárias à execução de um acórdão do Tribunal de Justiça. Em 2009, considerando que a Itália ainda não adoptado as medidas necessárias para recuperar os auxílios incompatíveis com o Tratado, a Comissão intentou nova acção por incumprimento no Tribunal de Justiça (Comissão c. Itália (II)), ao abrigo do procedimento denominado de “duplo incumprimento”, tendo desta vez solicitado a condenação da Itália no pagamento de uma sanção financeira fixa (“quantia fixa”) e de uma sanção pecuniária compulsória até à completa execução do Acórdão de 2004.

Neste segundo processo, o Tribunal de Justiça começou por verificar que, na data de referência para o processo (1 de Abril de 2008), os auxílios em causa não tinham ainda sido integralmente recuperados pelas autoridades italianas. Itália argumentou a impossibilidade absoluta temporária de recuperar os auxílios em causa, em razão do grande número de empresas beneficiárias e de não dispor de informações para quantificar as quantias a recuperar. Recordando jurisprudência assente, o Tribunal afastou esta linha de argumentação, afirmando que nem o receio de dificuldades internas, mesmo insuperáveis, nem a necessidade de verificar a situação individual de cada beneficiário, justificam a não execução de um acórdão, pelo que declarou o “duplo incumprimento” solicitado pela Comissão.

Sanções financeiras elevadas por não recuperação de auxílios ilegais

O incumprimento do Acórdão de 2004 levou o Tribunal a aplicar, pela primeira vez, sanções pesadas pela não recuperação integral de auxílios de Estado incompatíveis com o direito da UE. Em primeiro lugar, impôs uma sanção pecuniária compulsória, em ordem a persuadir a Itália a tomar as medidas necessárias a pôr termo ao incumprimento. Na medida em que as regras do Tratado sobre concorrência, e muito particularmente as relativas aos auxílios de Estado, “têm carácter fundamental”, e “constituem a expressão de uma das missões essenciais conferidas à União Europeia”, o Tribunal concluiu que a infracção tinha um carácter grave, e considerou apropriado calcular a sanção compulsória numa base semestral através da multiplicação de um montante de base de 30 milhões de euros pela percentagem dos auxílios ainda não recuperada.

A gravidade da infracção levou também o Tribunal de Justiça a aplicar, cumulativamente, uma sanção pecuniária fixa de 30 milhões de euros, como medida dissuasória, para prevenir a repetição futura de infracções análogas ao direito da União. A este propósito, o Tribunal considerou relevante que Itália fosse ‘reincidente’, pois já havia sido objecto de vários acórdãos do Tribunal de Justiça por incumprimento da obrigação de recuperar auxílios de Estado.

Implicações para os Estados-Membros no futuro

O acórdão Comissão c. Itália (II) recorda aos Estados-Membros que a implementação de auxílios de Estado sem prévia notificação e decisão de aprovação da Comissão pode ter consequências financeiras sérias, e sublinha também a importância que o Tribunal atribuiu ao cumprimento do dever recuperação, pelos Estados-Membros, dos auxílios incompatíveis junto dos respectivos beneficiários.

É frequente que esta recuperação seja uma operação complexa e de difícil execução, sobretudo quando os beneficiários são numerosos, as quantias diminutas e existe contestação à recuperação nos tribunais nacionais. Tais dificuldades, no entanto, não justificam a inexecução de um acórdão do Tribunal. Tendo em conta a vontade expressa pela Comissão, e confirmada pelo Tribunal, em penalizar duramente a violação do dever de recuperação, as autoridades nacionais têm incentivos acrescidos para não concederem auxílios de Estado sem se assegurar previamente de que os mesmos são compatíveis com o direito da União.

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