A Nova Lei da Concorrência (Lei n.° 19/2012) trata da matéria das infracções e sanções no Capítulo VII e da dispensa ou redução de coima (vulgo, "Clemência") no seu Capítulo VIII. A título prévio, salienta-se que a nova lei veio colmatar a lacuna legal que impedia a Autoridade da Concorrência (AdC) de aplicar sanções por violações aos artigos 101." e 102." do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. A previsão expressa, no art. 68.°, 1, alínea b), segundo a qual a violação do disposto nesses artigos "constitui contra-ordenação punível com coima", significa que a AdC deixa de estar limitada à (mera) constatação da infracção, para passar a poder igualmente sancioná-la. Em termos globais, embora as novas regras em matéria de infracções e sanções não introduzam mudanças fracturantes face ao regime anterior, há um conjunto de modificações dignas de nota.
No art. 69.°, a determinação da medida da coima é alvo de densificação, mediante a inclusão expressa de critérios adicionais como sejam: a natureza e dimensão do mercado afectado, a duração da infracção, a situação económica do visado e antecedentes contraordenacionais, a tomada em consideração das vantagens obtidas com a infracção apenas quando as mesmas forem identificadas. Trata-se, no essencial, de critérios cuja aplicação resultava já, em larga medida, da legislação subsidiariamente aplicável ou da jurisprudência em sede de controlo judicial das decisões da AdC.
Verifica-se, com agrado, que mereceram acolhimento os comentários apresentados em sede de consulta pública quanto à adopção, pela AdC, de linhas de orientação em matéria de cálculo das coimas (prevista no n." 8 do art. 69."), aspecto que é muito positivo dada a relevância desta matéria e o interesse dos visados na máxima certeza e segurança quanto às coimas potencialmente aplicáveis. Ainda no art. 69.° (n.° 2), o limite máximo da moldura abstracta da coima aplicável a empresas passa a ser calculado por referência ao volume de negócio realizado no "... exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória..." da AdC, solução em clara oposição com a jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa na matéria, para quem o ano a considerar deve ser o ano da cessação da prática ilícita. Já no caso de pessoas singulares, a moldura máxima aplicável pode agora ir até um limiar máximo de 10 % da respectiva remuneração anual auferida no exercício de funções na empresa infractora, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida.
No cômputo da moldura máxima aplicável por infracção de associação de empresa o volume de negócios a ponderar deixa de estar limitado ao volume de negócios agregado das empresas associadas que hajam participado no comportamento proibido e passa a ter-se em conta o volume de negócios agregado das empresas associadas (ou seja, todas). Esta solução afigura-se injusta no caso de associações que abranjam um conjunto amplo de actividades, distintas e dissociáveis entre si, e os participantes/actividades em causa num procedimento dizem respeito apenas a uma parte delas.
O art. 73.° introduz regras significativamente mais detalhadas em matéria de responsabilidade contra-ordenacional das pessoas colectivas, embora a exaustividade da norma nem sempre signifique um alargamento do respectivo âmbito de responsabilidade.
Assim, no caso de uma infracção resultante de um acto de um trabalhador (que não seja um titular de órgão social ou um representante da empresa nem tenha autoridade para exercer "o controlo da [sua] actividade") verifica-se que - fruto de uma redacção decalcada do Código Penal - a empresa visada apenas pode ser responsabilizada nos casos em que tenha havido uma violação dos deveres de vigilância pelos respectivos superiores hierárquicos (parecendo não bastar já, como anteriormente, que o trabalhador actue em nome ou por conta da empresa ou no exercício das suas funções).
O n.° 8 do mesmo artigo impõe às empresas cujos representantes eram membros dos órgãos directivos de uma associação ao tempo da infracção a responsabilidade solidária pelo pagamento da coima ou sanção pecuniária compulsória imposta à associação, responsabilidade que apenas pode ser afastada se tais membros tiverem lavrado oposição escrita à decisão que constitui a infracção ou da qual a mesma resulta.
Em matéria de prescrição, a nova lei eleva de 6 meses para 3 anos o prazo máximo admissível para a suspensão da prescrição, o que se afigura excessivo tendo em conta (entre outros aspectos) a criação de um tribunal especializado em matéria de concorrência. Fruto desta nova regra, o prazo máximo para a prescrição do procedimento contra-ordenacional, eleva-se para 10 anos e meio, no caso das contra-ordenações mais graves.
A isto acresce que há suspensão da prescrição pelo período de tempo em que a decisão da AdC for objecto de recurso judicial o que, na prática, limita de forma drástica a relevância do instituto da prescrição.
Em matéria de clemência, o regime jurídico anterior é revogado e substituído pelos artigos 75.° a 82.° da nova lei. As mudanças são significativas e têm um intuito claro de aproximação ao regime da clemência vigente ao nível da UE.
O âmbito objectivo da clemência (art. 75.°) é reduzido, passando a ser "elegíveis" apenas os acordos ou práticas concertadas entre concorrentes que visem coordenar comportamentos no mercado ou influenciar variíveis concorrenciais relevantes (e não, como anteriormente, todo e qualquer prática restritiva da concorrência, seja ela de natureza horizontal ou vertical). A dispensa (ou imunidade total) da coima continua a estar reservada apenas à primeira empresa a requerer a clemência, mas não se exige que o pedido seja apresentado numa fase em que não há ainda qualquer investigação em curso.
Assim, a dispensa da coima é possível mesmo que a AdC já se encontre a investigar o caso, desde que o requerente seja o primeiro a fornecer as informações e elementos necessários (i) à realização de uma inspecção ou (ii) à verificação da existência de uma infracção (cumulativamente com o cumprimento de outros deveres de índole comportamental).
A redução de coima passa a ser possível para todas as empresas que pretendam apresentar um pedido de clemência e que forneçam informação e provas de "valor adicional significativo", sendo este critério (e não o número de empresas já intervenientes) que determina a possibilidade ou não de redução (cumulativamente com o cumprimento de deveres de índole comportamental).
Por fim, a lei qualifica como confidenciais (art. 81.") todos os documentos e informações apresentados para efeitos de clemência (bem como os pedidos respectivos e eventuais declarações orais) e introduz limitações muito significativas quanto ao acesso que o visado pelo processo ou terceiros podem ter à informação apresentada no âmbito de um pedido de clemência.