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12.12.2023

Legal Alert | Ações Coletivas para Proteção dos Interesses dos Consumidores

Entrou em vigor, no passado dia 6 de dezembro, o Decreto-Lei n.º 114-A/2023, de 5 de dezembro, que transpõe a Diretiva (UE) 2020/1828 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativa a ações coletivas para proteção dos interesses coletivos dos consumidores.

Este Decreto-Lei veio estabelecer, pela primeira vez, um regime nacional específico de ação coletiva para proteção dos direitos e interesses dos consumidores. De ora em diante, será este o regime-regra sempre que estejam em causa infrações, cometidas por profissionais, às disposições do direito nacional e da União Europeia (UE) referidas no anexo I da Diretiva transposta, que lesem ou sejam suscetíveis de lesar os interesses coletivos dos consumidores (cf. artigo 2.º, n.º 1).

Assinale-se também que, no preâmbulo do diploma, o legislador refere que este é «o regime aplicável também quando estejam em causa infrações às disposições constantes noutra legislação de defesa do consumidor em vigor no ordenamento jurídico nacional».

O novo regime aplica-se às ações coletivas intentadas a partir da sua entrada em vigor, em 6 de dezembro de 2023, ainda que a infração tenha cessado antes de ter sido intentada a ação coletiva ou antes da sua conclusão. Podem ser requeridas medidas inibitórias, destinadas a fazer cessar, a identificar ou a proibir uma prática ilícita de um profissional, e medidas de reparação, proporcionando aos consumidores meios de ressarcimento tais como a indemnização, a reparação, a substituição, a redução de preço, a rescisão de contrato ou o reembolso do valor pago, conforme o que for legalmente estipulado.

De entre as principais inovações do diploma, sublinham-se as seguintes:

  • legitimidade para propor ações coletivas nacionais é atribuída: (i) às associações e fundações, independentemente de terem ou não interesse direto na ação, desde que preencham os requisitos enunciados no artigo 6.º (i.e., os requisitos previstos na Lei n.º 83/95, de 31 de agosto – Lei de Ação Popular, aos quais se somam a independência do autor e ausência de influência de terceiros, em particular de profissionais que tenham interesse económico em intentar uma ação coletiva, nomeadamente no caso de financiamento por terceiros, e a adoção de procedimentos para impedir a sua influência, bem como para impedir conflitos de interesses entre si, os seus financiadores e os interesses dos consumidores); e (ii) às autarquias locais.
  • No âmbito das ações coletivas transfronteiriças:

(i) Prevê-se um procedimento de designação de entidades nacionais como entidades qualificadas para efeitos de propositura de ações coletivas transfronteiriças noutros Estados-Membros, estabelecendo-se critérios harmonizados que aquelas terão de observar – mais exigentes do que os previstos para as associações e fundações no âmbito de ações nacionais – e que serão avaliados por autoridade competente, a qual publicará uma lista das entidades designadas. O Ministério Público e a Direção Geral do Consumidor são considerados entidades qualificadas para este efeito (cf. artigo 7.º, n.º 8);

(ii) Além dos requisitos estabelecidos para as ações nacionais, o diploma estabelece quatro novos requisitos:

      1. O exercício pelo autor de atividade pública efetiva de promoção dos interesses dos consumidores pelo menos nos 12 meses anteriores ao pedido de designação como entidade qualificada;
      2. A inexistência de processo ou declaração de insolvência; 
      3. A disponibilização pública de informação sobre o cumprimento dos requisitos legais, sobre as fontes de financiamento, a estrutura organizativa, de gestão e de participação, o objeto social e as atividades;
      4. A apresentação, à autoridade competente, de um pedido de designação como entidade qualificada instruído com um conjunto de elementos, tais como o relatório de atividades relativo aos dois anos anteriores e cópias de acordos celebrados com entidades financiadoras.
  • Contrariamente à Lei de Ação Popular, que reconhece legitimidade ativa a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos, o diploma não confere legitimidade aos consumidores, a título individual, para proporem ações coletivas.
  • O diploma inclui disposições em matéria de financiamento por parte de terceiros, estabelecendo-se, com vista à transparência do financiamento, que os demandantes disponibilizem ao tribunal o acordo de financiamento, incluindo uma síntese financeira com a enumeração das fontes de financiamento utilizadas para apoiar a ação coletiva, devendo este acordo, nos termos do presente Decreto-Lei, garantir a independência do demandante e a ausência de conflitos de interesse (cf. artigo 10.º).
  • Em matéria de representação, o diploma mantém o regime de opt-out estabelecido na Lei de Ação Popular (i.e., quem não quiser ser representado nesta ação terá de se autoexcluir expressamente da mesma). Porém, foi consagrado o regime de opt-in quanto a consumidores que não tenham a sua residência habitual em Portugal, os quais, ao invés, terão de manifestar expressamente a sua vontade de serem representados na ação coletiva para que tal suceda (cf. artigo 12.º, n.º 1).
  • A divulgação de informação relevante sobre as ações coletivas deve ser assegurada pelos demandantes através da publicação, na sua página de internet, de informações relevantes, como a identificação da ação coletiva em causa, identificando as partes, o pedido, o número de processo e o Tribunal, a fase processual em que a ação coletiva se encontra, bem como o resultado da ação (indemnização global e método de distribuição da indemnização aos representados, quando aplicável), e a decisão do Tribunal.
  • Por sua vez, a Direção-Geral do Consumidor, autoridade competente, também divulgará, através da sua página de internet e do Portal Único de Serviços, informações sobre as entidades qualificadas que foram previamente designadas para efeitos de propositura de ações coletivas transfronteiriças, e sobre as ações coletivas junto dos tribunais, tanto em curso como já concluídas.

Por último, continuam a aplicar-se, a título subsidiário, as regras relativas às ações populares previstas na Lei de Ação Popular e as regras previstas na Lei n. º 24/96, de 31 de julho – Lei de Defesa do Consumidor.