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23.10.2023

Legal Alert | Aprovação do Tratado de Medellín - Transmissão eletrónica de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional entre autoridades centrais

No passado dia 31 de agosto de 2023, foi publicada, em Diário da República, a Resolução da Assembleia da República n.º 104/2023, através da qual foi aprovado o Tratado Relativo à Transmissão Eletrónica de Pedidos de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional entre Autoridades Centrais (Tratado), assinado em Medellín a 24 e 25 de julho de 2019.

O presente Legal Alert tem como objetivo enquadrar e apontar os mais relevantes traços do regime jurídico instituído pelo Tratado.

I. Disposições gerais

O Tratado aprovado pela Assembleia da República regula o uso da plataforma eletrónica Iber@ como meio formal e preferencial de transmissão de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional entre Autoridades Centrais, no âmbito dos tratados vigentes entre as Partes e que contemplem a comunicação direta entre as ditas instituições.

Por isso, para a assinatura do Tratado muito contribuiu o reconhecimento do potencial da plataforma eletrónica Iber@ como ferramenta tecnológica para a transmissão de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional apresentados ao abrigo de um tratado em vigor entre as Partes, com um sistema de Autoridades Centrais e tendo em consideração que os membros da IberRede declararam a vontade de institucionalizar um modelo que já demonstrou resultados de agilização da transmissão dos pedidos de cooperação.

O Tratado surge no contexto de mais de uma década de cooperação entre as Autoridades Centrais e os Pontos de Contacto nacionais, no âmbito da Rede Ibero‑Americana de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal e Civil (IberRede), criada ao abrigo do Regulamento aprovado pela Cimeira Judicial Ibero‑Americana, pela Associação Ibero-Americana de Ministérios Públicos e pela Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos em Cartagena das Índias, na Colômbia, em 29 de outubro de 2004.

No domínio penal, um dos propósitos do Tratado é o de contrariar, de forma cada vez mais eficaz e mais ágil, em tempo real, fenómenos como a criminalidade organizada transnacional, o terrorismo, o tráfico de seres humanos, o tráfico de drogas e de armas, o branqueamento de capitais, a corrupção ou a cibercriminalidade, através da aceleração e agilização dos pedidos de cooperação internacional nos respetivos procedimentos penais, em benefício da segurança jurídica e da eficácia das decisões judiciais e de outros atos com estas relacionados.

No âmbito do Tratado, entende-se por:

  • Pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional – os pedidos entre as Autoridades Centrais cuja transmissão seja realizada ao abrigo de um tratado em vigor em matéria penal, civil, comercial, laboral, administrativa ou qualquer outra/o matéria/ramo do Direito, assim como as atuações posteriores derivadas dos mesmos ou que se encontrem amparadas pelo mesmo tratado;
  • Autoridades centrais – as instituições designadas por cada Estado para a transmissão de pedidos de cooperação jurídica e/ou internacional no âmbito de cada tratado em vigor entre as Partes; e
  • Transmissão de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional – o envio entre as Autoridades Centrais, por meio de Iber@, de todo o tipo de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional, suas respostas, acompanhamento ou qualquer outra comunicação com eles relacionada e sua execução, tais como esclarecimentos, ampliações e suspensões, entre outras, entendendo-se incluída a transmissão espontânea de informação em conformidade com os tratados em vigor entre as Partes.

II. Transmissão de pedidos no âmbito da cooperação jurídica e judiciária internacional

No Tratado, as Partes acordam a utilização da plataforma eletrónica Iber@ para a transmissão dos pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional entre as Autoridades Centrais, a qual será acessível, pelo menos, em espanhol e em português.

A Iber@ é reservada a utilizadores devidamente credenciados e designados pelas Partes, em representação das Autoridades Centrais.

Os documentos que sejam transmitidos entre as Autoridades Centrais por meio da Iber@ ter-se-ão por originais e/ou autênticos para os efeitos previstos nos tratados em vigor entre as Partes, não requerendo envios físicos adicionais.

O Tratado não obriga as Partes à utilização da Iber@ para a transmissão de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional, mas, uma vez recebido o pedido através da mesma, as comunicações posteriores relacionadas com a sua execução remeter-se-ão à Autoridade Central emissora pelo mesmo meio, salvo se a natureza do referido pedido ou situação superveniente o desaconselhem, caso em que se deverá informar o remetente.

No que ao funcionamento da Iber@ diz respeito, esta conta com um registo de todas as transmissões que efetuar, de modo que certifique ao seu emissor e ao destinatário, o dia e a hora da transmissão e de qualquer comunicação relacionada com as mesmas.

Além disso, a Iber@ emite um comprovativo de receção do pedido tanto para o seu emissor como para o seu destinatário.

Quando for necessário estabelecer a data de receção de um pedido de cooperação jurídica e judiciária internacional por aplicação de um tratado em vigor entre as Partes, entender-se-á recebida a mesma no dia útil posterior à emissão pela Iber@ do comprovativo de receção, computado segundo o dia útil e a hora oficial da Autoridade Central do Estado recetor.

Não obstante, as comunicações cujo efeito seja a interrupção ou a suspensão de um prazo, entendem-se validamente recebidas no dia e hora que constem do comprovativo de receção emitido pela Iber@.

Quanto ao regime aplicável à Iber@, esta rege-se pelas disposições legais aplicáveis sobre a proteção de dados e a assinatura eletrónica em vigor no Estado onde seja prestado o serviço tecnológico e no da sede da Secretaria-Geral da IberRede.

Os pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional que sejam enviados através da Iber@ devem ser formulados e executados de acordo com o estabelecido nos tratados em vigor entre as Partes e aplicáveis ao caso concreto. 

III. Entrada em vigor

Após Espanha ter sido o terceiro país a depositar o seu instrumento de ratificação, em junho de 2021 (depois de Andorra e de Cuba), o Tratado entrou em vigor por tempo indeterminado.

Em Portugal, o Tratado só entrará em vigor 60 dias (de calendário) após a data em que for depositado o respetivo instrumento de ratificação. O Tratado foi ratificado em 10 de agosto de 2023 pelo Presidente da República, cujo Decreto n.º 76/2023 foi publicado no dia 31 de agosto de 2023.

Por fim, é de notar que qualquer Estado que não seja membro da Conferência de Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos (Estado Terceiro) pode aderir ao Tratado.

No entanto, a adesão de um Estado Terceiro só produzirá efeitos nas relações entre o Estado que aderiu e os Estados Parte que não tenham formulado objeção a essa adesão nos seis meses seguintes à receção da notificação pela Secretaria do depósito do respetivo instrumento de ratificação ou adesão.