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10.04.2025

Legal Alert | Autoridade Reguladora da Concorrência em Moçambique publica Regime de Clemência

Legal Alert | Autoridade Reguladora da Concorrência em Moçambique publica Regime de Clemência

A Autoridade Reguladora da Concorrência de Moçambique publicou o Regime de Clemência, que permite reduzir multas a empresas e indivíduos que denunciem práticas anti-concorrenciais e colaborem com a ARC, apresentando provas com valor adicional significativo. Aplicável a comportamentos horizontais e verticais proibidos por lei, o regime exige cessação imediata da infração, confissão e cooperação total. As reduções variam entre 10% e 70%, consoante a ordem e qualidade da informação prestada. O regime inclui um “marco” que protege a data do pedido inicial. Apesar da estrutura clara, a ausência de dispensa total de multa e a exigência de confissão podem limitar a adesão.

Introdução

A Autoridade Reguladora da Concorrência de Moçambique (ARC) publicou o Regulamento do Regime de Clemência (Regime de Clemência), que visa incentivar a colaboração com a ARC no âmbito de processos sancionatórios, através da redução da multa aplicada às empresas que reportem voluntariamente à ARC comportamentos restritivos da concorrência e os respetivos elementos de prova1

A publicação deste regime segue-se ao lançamento de uma consulta pública em abril de 2024 sobre o projeto de regulamento relativo à clemência.

Âmbito de aplicação 

O Regime de Clemência é potencialmente aplicável a qualquer tipo de prática coletivo anti-concorrencial proibida pelos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 10/2013 (Lei da Concorrência), incluindo acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas entre empresas, tanto de natureza horizontal como vertical, que tenham por objeto ou efeito a restrição da concorrência no mercado nacional. Tal significa que, embora o foco principal do Regime de Clemência possa ser os cartéis e outros comportamentos colusivos graves entre empresas concorrentes, o Regime pode também aplicar-se a outros acordos horizontais e a acordos verticais (ex., fornecimento e distribuição).

O Regime de Clemência aplica-se primeiramente às empresas e associações de empresas que exerçam atividades económicas no território nacional ou nele produzam efeitos, na aceção do artigo 3.º da Lei da Concorrência. Podem ainda requerer a redução de multa ao abrigo do Regime de Clemência as pessoas singulares (testemunhas, peritos ou representantes das empresas denunciantes ou infratoras) que, injustificadamente, não compareçam a diligências para as quais tenham sido devidamente notificados, violando o dever de cooperação estabelecido na Lei da Concorrência.

Critérios para a redução de multas

A redução de multas depende da colaboração prestada pelo requerente à ARC, e, em concreto, da apresentação de elementos de prova da alegada infração que representem um “valor adicional significativo” em relação aos elementos de prova na posse da ARC no momento do pedido. Os elementos probatórios têm um valor adicional significativo se reforçarem a capacidade da ARC de provar a alegada infração, pela sua natureza (por exemplo, documentos contemporâneos da prova) ou o seu nível de pormenor. 

O Regime de Clemência especifica a percentagem de redução das multas com base na ordem e no valor das informações fornecidas:

  • Redução de 50-70% para o primeiro requerente que forneça informações de valor adicional significativo;
  • Redução de 30-50% para o segundo requerente;
  • Redução de 10-30% para o terceiro requerente.

Requisitos

A aplicação do Regime de Clemência depende do cumprimento dos seguintes requisitos cumulativos:

  1. Existência de uma prática anti-concorrencial: os requerentes devem estar envolvidos num comportamento anti-concorrencial, nos termos dos artigos 17.º e 18.º da Lei da Concorrência;
  2. Cessação de práticas anti-concorrenciais: os requerentes devem cessar completa e imediatamente a prática anti-concorrencial ou o seu envolvimento na infração em investigação até ao momento da apresentação do pedido de clemência, salvo autorização expressa da ARC;
  3. Insuficiência de provas: deve haver uma falta ou insuficiência de provas para assegurar a aplicação pela ARC de uma coima às partes envolvidas na prática proibida;
  4. Confissão e cooperação: os requerentes devem confessar a sua participação na prática ilegal e cooperar plena e permanentemente com a ARC, a expensas próprias, durante todo o processo sancionatório. 

Procedimento

Os pedidos de redução de multa devem ser apresentados por escrito e podem ser submetidos presencialmente, por carta registada ou através do sítio Internet da ARC. Os pedidos escritos podem ser substituídos por declarações orais, desde que sejam apresentadas na sede da ARC numa reunião com dois técnicos da Autoridade.

Os pedidos devem incluir informações pormenorizadas sobre o requerente, a infração, as outras pessoas ou empresas envolvidas e quaisquer outros pormenores relevantes, bem como os elementos de prova de que o requerente dispõe. Os requerentes devem dar prioridade aos documentos e informações mais atualizados ou contemporâneos com a infração.

A ARC pode conceder um marco ao requerente na sequência de um pedido fundamentado, permitindo-lhe completar o seu pedido original no prazo de 15 dias úteis (embora a ARC possa acordar num prazo diferente para o efeito). Para que o marco seja concedido, o pedido inicial deve incluir, pelo menos, (i) o nome e o endereço do requerente; (ii) uma descrição da infração; (iii) informações sobre os produtos e serviços afetados pela prática; (iv) uma estimativa da duração e da natureza da prática; e (v) uma indicação das informações que não podem ser fornecidas no momento do pedido original e a respetiva justificação.

Se o requerente completar o seu pedido de clemência dentro do prazo estabelecido pela ARC, considera-se que o pedido foi apresentado na data e hora do marco. A ARC deve aprovar e publicar um modelo de marco.

Todos os pedidos de clemência e informações conexas são classificados como confidenciais e não podem ser disponibilizados a terceiros, exceto nos casos previstos na lei.

Comentário

O Regime de Clemência prevê uma abordagem estruturada para que as empresas e os indivíduos envolvidos em práticas anti-concorrenciais colaborem com a ARC.

Embora o regime tenha um âmbito de aplicação muito vasto, abrangendo potencialmente todos os tipos de comportamentos horizontais e verticais, a ausência de dispensa total de multa para a primeira requerente de clemência pode não representar um incentivo suficiente para que as empresas comuniquem voluntariamente à ARC comportamentos anteriormente desconhecidos. Além disso, a exigência de que os requerentes de clemência confessem formalmente a sua participação no comportamento ilícito (e, por conseguinte, renunciem implicitamente ao seu direito de contestar a decisão final da ARC em tribunal) torna o regime de clemência, que é essencialmente um mecanismo processual de recolha de prova, mais próximo de um procedimento de transação, para o qual se preveem reduções adicionais de multa em outras jurisdições2.  

A existência de um marco é uma melhoria bem-vinda em relação ao projeto publicado em abril de 2024 e permite que as empresas tenham a certeza da data e hora dos seus pedidos de redução de coima, dando-lhes simultaneamente tempo para completar a sua primeira submissão.

Ao oferecer reduções significativas nas multas, a ARC espera que o Regime de Clemência incentive a transparência e a cooperação, apoiando, em última análise, a aplicação ativa das proibições de comportamentos anti-concorrenciais em Moçambique, nos quais a ARC continua focada. 

_______________________

1O Regime de Clemência foi aprovado pela Resolução da ARC n.º 1/2025, de 13 de Fevereiro de 2025, e publicado no Boletim da República, I Série, n.º 61, de 31 de Março de 2025, tendo sido disponibilizado ao público no decurso da passada semana.

2Cf., por exemplo, a Lei da Concorrência Portuguesa (aprovada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de Maio, com as alterações que lhe foram introduzidas), ou as Comunicações da Comissão Europeia sobre a clemência (2006/C 298/11) e sobre a transação (2008/C 167/01).