No passado dia 15 de janeiro de 2024, foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 3/2024, que se encontra já em vigor, com o propósito de (i) criar a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) e (ii) alterar a Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, que estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.
I. Criação da CICDR
A Lei n.º 3/2024, de 15 de janeiro, cria a CICDR enquanto entidade administrativa independente, dotada de poderes de autoridade e dispondo de orçamento anual próprio.
Anteriormente integrada no Alto Comissariado para as Migrações, I.P., entretanto extinto, a CICDR passa a funcionar junto da Assembleia da República.
A CICDR é composta, na sua formação alargada, pelo Presidente, eleito pela Assembleia da República, por um representante indicado por cada grupo parlamentar, por várias personalidades designadas pelo Governo, pelos Governos Regionais, por associações de imigrantes, antirracistas, e de defesa dos direitos humanos, pelas comunidades ciganas e estruturas representativas dos trabalhadores, por representantes das associações patronais e outras personalidades de reconhecido mérito (cooptadas pelos restantes membros).
Compete à CICDR a aplicação do regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, língua, ascendência e território de origem, estabelecido pela Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto.
Neste contexto, destacam-se as seguintes competências:
- Recolha de informação relativa a práticas discriminatórias e à aplicação das respetivas sanções;
- Publicitação dos casos de violação das proibições de discriminação;
- Recomendação de adoção de medidas legislativas, regulamentares e administrativas adequadas para prevenir, proibir e combater a discriminação, e formulação de recomendações às entidades públicas sobre qualquer questão relacionada;
- Propositura de medidas que visem suprimir disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade e da não discriminação;
- Prestação às vítimas de discriminação da informação necessária para a defesa dos seus direitos;
- Receção de denúncias e instauração dos respetivos processos de contraordenação;
- Decisão e aplicação de coimas e sanções acessórias no âmbito dos processos de contraordenação; e
- Elaboração de informação estatística de carácter periódico.
A CICDR elabora, ainda, um relatório anual sobre a situação da igualdade e da não discriminação, incluindo a informação recolhida sobre práticas discriminatórias e sanções aplicadas, relatório esse que é remetido à Assembleia da República, e, em seguida, divulgado no sítio da Internet da Comissão (sendo o mais recente o Relatório referente ao ano de 2022).
A Lei n.º 3/2024, de 15 de janeiro, prevê o dever de cooperação entre quaisquer entidades, públicas e privadas, e a Comissão, nomeadamente para fornecimento dos dados solicitados no âmbito dos processos de contraordenação e na elaboração do seu relatório anual.
A CICDR dispõe de serviços de apoio próprios, designadamente uma unidade de direito e sanções e uma unidade de projetos, relações-públicas e internacionais, cujas competências e recursos humanos e financeiros serão definidos por diploma próprio da Assembleia da República.
A propósito da legitimidade para a apresentação de denúncia, a Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, estabelece que qualquer pessoa, singular ou coletiva, que tenha conhecimento de uma prática discriminatória pode, nos termos da lei, denunciá-la à Comissão.
Todas as decisões relativas a práticas discriminatórias, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem, emitidas pelos tribunais e entidades públicas competentes, devem ser comunicadas à CICDR no prazo de 10 (dez) dias.
II. Prevenção, proibição e combate à discriminação
A delimitação do âmbito e competências de atuação da CICDR, nomeadamente em matéria contraordenacional, implica a articulação com o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem, estabelecido pela Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto.
Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 93/2017, de 23 de agosto, é proibida qualquer forma de discriminação, considerando-se discriminatórias as seguintes práticas, em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem:
- Recusa de fornecimento ou impedimento de fruição de bens ou serviços, colocados à disposição do público;
- Impedimento ou limitação ao acesso e exercício normal de uma atividade económica;
- Recusa ou condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis;
- Recusa ou limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público;
- Recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados;
- Recusa ou limitação de acesso a estabelecimento de educação ou ensino público ou privado;
- Constituição de turmas ou adoção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de educação ou ensino, públicos ou privados, segundo critérios discriminatórios;
- Recusa ou limitação de acesso à fruição cultural;
- Adoção de prática ou medida por parte de qualquer órgão, serviço, entidade, empresa ou trabalhador da administração direta ou indireta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito; e
- Adoção de ato em que, publicamente ou com a intenção de ampla divulgação, seja emitida uma declaração ou transmitida uma informação em virtude da qual uma pessoa ou grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem.
Qualquer destas práticas constitui contraordenação, punível com coima graduada entre uma e dez vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS)1, quando praticada por pessoa singular, e entre quatro e vinte vezes esse mesmo valor, quando praticada por pessoa coletiva.
Em função da gravidade da prática discriminatória e da culpa do arguido, podem ser aplicadas, simultaneamente com as coimas, sanções acessórias nos termos do Regime Geral das Contraordenações.
As associações e organizações não governamentais cujo objeto estatutário se destine essencialmente à prevenção e ao combate da discriminação têm legitimidade para intervir nos processos de contraordenação, podendo, inclusive, neles constituir-se assistentes.
As decisões finais condenatórias da Comissão são divulgadas publicamente, por extrato, incluindo, pelo menos, a identificação da pessoa coletiva condenada, informação sobre o tipo e natureza da prática discriminatória, bem como as coimas e sanções acessórias aplicadas.
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1 Fixado, para o ano de 2024, em 509,26 EUR – Portaria n.º 421/2023, de 11 de dezembro.