No início deste mês, a Comissão Europeia (Comissão) publicou um policy brief no qual explica a sua posição sobre como devem ser analisados, à luz do direito da concorrência europeu, determinados acordos entre empresas, contendentes com o mercado laboral.
Estão em causa acordos e práticas concertadas entre empresas através dos quais estas:
- Fixam entre si as condições salariais e/ou os benefícios auferidos pelos seus colaboradores1 (acordos de fixação de salários, também conhecidos como wage-fixing agreements); e/ou
- Comprometem-se a não contratar os respetivos trabalhadores (acordos de não contratação, também conhecidos como no-poach agreements). Os acordos de não contratação incluem os:
- No-hire agreements: acordos através dos quais os empregadores acordam em não contratar, inclusive passivamente (perante solicitações dos trabalhadores) os colaboradores uns dos outros;
- Non-solicit agreements: acordos entre empresas empregadoras pelos quais estas se comprometem a não contratar ativamente os respetivos colaboradores; e
- Acordos não recíprocos: acordos que impõem obrigações de não contratação apenas a uma das partes.
Os acordos e as práticas de no-poach têm sido objeto de atenção crescente por parte de várias autoridades nacionais de concorrência, e, em particular, pela Autoridade da Concorrência portuguesa, que iniciou já várias investigações neste domínio, tendo igualmente publicado um Guia de Boas Práticas na Prevenção de Acordos Anticoncorrenciais no Mercado de Trabalho.
Com este policy brief, a Comissão fornece orientações relevantes quanto ao seu entendimento sobre estas práticas. Destacamos, em particular, as seguintes:
- A Comissão considera que tanto os acordos de fixação de salários como os de não-contratação serão, tendencialmente, restritivos da concorrência por objeto, devendo ser equiparados a “cartéis de compradores”, ou seja, às infrações mais graves para o direito da concorrência e abrangidos, portanto, pela proibição constante do artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Os acordos de fixação de salários serão comparáveis a uma forma de fixação de preços de compra e os acordos de não contratação a uma modalidade próxima da repartição de fontes de abastecimento. Tais condutas foram já qualificadas, pela prática decisória e pela jurisprudência da União, como restrições da concorrência por objeto, e, como tal, dificilmente serão justificadas por uma defesa de eficiência à luz do artigo 101.º, n.º 3, do TFUE;
- Os objetivos legítimos dos acordos e/ou os efeitos pró-concorrenciais que deles possam resultar dificilmente serão suficientes para afastar a ilegalidade (v.g., nulidade) deste tipo de acordos. Ainda que os acordos em apreço possam ter objetivos e efeitos legítimos, tal como a proteção dos incentivos das empresas para o investimento na formação, a salvaguarda de direitos de propriedade intelectual não patenteáveis (p.e., os segredos de negócios aos quais os colaboradores acedem), a Comissão considera, nomeadamente, que existirão meios menos restritivos para atingir esses objetivos, sendo, em particular, possível a celebração de acordos com os colaboradores (p.e., os acordos de confidencialidade, as cláusulas de não concorrência, as obrigações de permanência por um período mínimo, entre outros). Quanto aos acordos de fixação de salários, a Comissão entende ser difícil que estes possam sequer ter quaisquer efeitos pró-concorrenciais;
- Embora admita que os acordos em causa possam ser admissíveis como restrições acessórias a um acordo principal legítimo (p.e., no contexto da criação de uma joint venture para atividades de investigação e desenvolvimento, ou no âmbito de uma relação de fornecimento vertical), a Comissão salienta que caberá às partes demonstrar que estão verificados os critérios cumulativos para o efeito (incluindo a prova de que, sem o acordo, seria impossível a concretização da transação em causa). Assinala, também, que estes critérios têm sido interpretados estritamente pelos Tribunais;
- Ainda que a maioria dos casos relacionados com esta temática seja provavelmente objeto de investigação pelas autoridades de concorrência nacionais, a Comissão recorda que tem investigado ativamente este tipo de condutas e terá realizado, recentemente, buscas relacionadas com o mercado laboral.
Com este policy brief a Comissão adota uma posição muito restritiva e pouco tolerante quanto aos acordos de fixação de salários e de não contratação, parecendo deixar uma margem muito limitada para potenciais justificações.
Dá também uma indicação clara de que se trata de acordos que tendencialmente serão considerados como restrições graves à concorrência. As noções latas de acordos e de práticas concertadas relevantes para estes efeitos levam a que uma panóplia muito vasta de comportamentos possa vir a subsumir-se a esta posição estrita, incluindo, desde os acordos escritos a entendimentos orais, ou até mesmo à troca de informações comercialmente sensíveis.
Atendendo a este posicionamento da Comissão, aos processos já em curso na Autoridade da Concorrência portuguesa relacionados com este tipo de condutas, e às sanções potencialmente muito elevadas a que as empresas (e, em Portugal, os respetivos gestores) se encontram potencialmente sujeitos em caso de infração, torna-se particularmente relevante que as empresas estejam cientes deste enquadramento, adotando as necessárias cautelas, de modo a mitigar riscos contraordenacionais à luz do direito da concorrência europeu e nacional.
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1 O termo colaborador utilizado pela Comissão ao longo do policy brief inclui tanto os colaboradores vinculados às empresas através de um contrato de trabalho, como prestadores de serviços numa situação comparável a colaboradores com um vínculo laboral.