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03.03.2025

Legal Alert | Direito da concorrência em Angola, Moçambique e Cabo Verde: desenvolvimentos recentes

Legal Alert | Direito da concorrência em Angola, Moçambique e Cabo Verde: desenvolvimentos recentes

As Autoridades da Concorrência de Angola e Moçambique continuam especialmente atentas em matéria de controlo de concentrações e da aplicação de proibições de práticas restritivas. Em 2024, Angola autorizou 15 operações de concentração e Moçambique 10, com coimas aplicadas por gun jumping, embora Moçambique tenha introduzido uma isenção temporária até junho de 2025. As práticas restritivas resultaram em coimas significativas por fixação de preços e abusos de mercado. Ambas as autoridades estão a reforçar a cooperação e os esforços de sensibilização, enquanto a AdC de Cabo Verde avança com um novo regulamento. Em 2025, a aplicação mais rigorosa das regras em matéria de concentrações e do direito da concorrência continuará a ser uma prioridade.

Controlo de concentrações

As Autoridades Reguladoras da Concorrência (ARC) de Angola e de Moçambique dispõem de regimes de controlo de concentrações bem estabelecidos, que representam a maior parte do volume de processos de cada autoridade.

Em 2024, a ARC de Angola aprovou 15 notificações de concentrações, menos duas do que em 2023. As decisões, todas de não oposição incondicionais de Fase 1, diziam respeito aos seguintes sectores: petróleo e gás (4 decisões); transportes marítimos (3); banca (2); construção; gestão da qualidade; construção naval; transporte de mercadorias e serviços portuários (1 cada)1.

Entre 2019, quando iniciou as suas operações, e o final de 2024, a ARC emitiu 71 decisões de não oposição (duas das quais com compromissos)2. A maioria dizia respeito ao sector do petróleo e do gás e serviços relacionados, como se pode ver no gráfico seguinte:

O tempo médio de análise da ARC de Angola em 2024 foi de 81 dias, o que representou um ligeiro aumento em relação aos anos anteriores (72 dias em 2022 e 76 dias em 2023), mas ainda é significativamente inferior ao prazo legal de 120 dias na Fase 1 do procedimento estabelecido na Lei da Concorrência.

Em 2024, a ARC de Moçambique adotou 10 decisões, todas de não oposição incondicional em Fase 1. Tal representa uma ligeira redução do seu volume de processos em relação ao ano de 2023, no qual a ARC adotou 13 decisões em processos de concentrações (11 de não oposição incondicionais e 2 decisões com compromissos). As decisões adotadas em 2024 diziam respeito aos seguintes sectores: produtos alimentares (2 decisões); construção; gestão portuária; indústria extrativa; seguros; distribuição de produtos farmacêuticos; e telecomunicações. Uma decisão de aprovação adicional relativa ao sector do açúcar foi adotada pela ARC em janeiro de 2025.

Nos seus primeiros quatro anos de atividade – a ARC começou efetivamente a receber notificações de concentrações em Agosto de 2021, após a alteração das regras relativas às taxas de notificação –, a ARC analisou 53 processos de concentrações, todos eles autorizados (4 com compromissos), nos seguintes sectores3:

A ARC de Moçambique não disponibiliza informação sobre a duração média do procedimento de controlo de concentrações. No entanto, de acordo com a nossa experiência, a ARC cumpre normalmente o período legal de 60 dias da Fase 1 do procedimento em casos que não suscitam preocupações jusconcorrenciais.

Em 31 de janeiro de 2024, a Autoridade da Concorrência de Cabo Verde (AdC) emitiu a sua primeira decisão de não oposição num processo de controlo de concentrações, relativo à aquisição da Cimpor Cabo Verde pela Taiwan Cement Europe. A AdC, que iniciou a sua atividade em 2023, recebe atualmente notificações de concentrações que cumpram os limiares de jurisdição, embora o Regulamento do Formulário de Notificação ainda não tenha sido aprovado.

Gun Jumping

A falta de notificação e a implementação de transações sujeitas a notificação obrigatória antes da sua aprovação (gun jumping) continuam a ser uma das prioridades principais da ARC, tanto em Angola como em Moçambique:

  • A ARC de Angola emitiu a sua primeira decisão de gun jumping no final de 20224, aplicando uma coima de cerca de 2,4 milhões de USD por uma transação implementada no sector do petróleo e gás. Nos termos da Lei da Concorrência, a coima por gun jumping é fixada entre 1% e 10% do volume de negócios das partes envolvidas na concentração, sendo 1% a coima mínima para as infrações à Lei da Concorrência em Angola. A Presidente da ARC revelou recentemente que foi aplicada uma segunda coima por gun jumping no decurso de 2024, mas não estão disponíveis informações adicionais5. A ARC tem várias investigações de gun jumping pendentes;
  • A ARC de Moçambique adotou a sua primeira decisão por gun jumping em 2022, aplicando uma coima de cerca de 640 000 USD à CFAO Motors Moçambique por ter implementado a aquisição da Auto Avenida e de determinados ativos da Toyota Moçambique e da Toyota Maputo sem notificar e aguardar autorização prévia da ARC. Encontram-se também pendentes outras investigações de gun jumping;
  • Um desenvolvimento importante para 2025 é o anúncio, pela ARC de Moçambique, de uma isenção de 6 meses de multas por gun jumping para concentrações sujeitas a notificação obrigatória e implementadas sem autorização prévia se forem agora notificadas à ARC.

Esta isenção de coimas por gun jumping (que se segue a uma isenção semelhante concedida em 2023) aplica-se a transações implementadas até 31 de dezembro de 2024 e que sejam notificadas à ARC até 6 de junho de 2025. A ARC de Moçambique encontra-se a incentivar a apresentação atempada de notificações de transações que cumpram os limites legais de notificação, a fim de evitar coimas por gun jumping, que em Moçambique podem ascender a 5% do volume de negócios anual consolidado das empresas participantes.

Práticas restritivas

Paralelamente à aplicação ativa das regras sobre controlo das concentrações, tem-se verificado uma crescente aplicação das proibições de práticas restritivas da concorrência tanto em Angola como em Moçambique, com várias investigações iniciadas por cada Autoridade:

  • Em dezembro de 2023, a ARC de Angola emitiu a sua primeira decisão condenatória, impondo uma coima de cerca de 13 milhões de USD a uma empresa angolana ativa no sector das bebidas por ter fixado o preço de revenda de produtos fornecidos a distribuidores independentes, em violação da proibição de acordos verticais restritivos da concorrência6. Estão em curso várias investigações e, no final de 2024, a ARC tinha 4 processos por práticas anti-concorrenciais a aguardar decisão7;
  • A ARC de Moçambique adotou a sua primeira decisão condenatória em 2022, contra a Associação de Escolas de Condução de Moçambique, por fixação dos preços das aulas de condução. No decurso da investigação, a ARC impôs pela primeira vez uma medida provisória que ordenava a suspensão imediata dos referidos preços. No final, a ARC optou por não aplicar uma coima e dirigiu uma admoestação à Associação, que foi expressamente advertida para se abster de novas práticas anti-concorrenciais, sob pena de incorrer em sanções severas;
  • Em setembro de 2022, a ARC de Moçambique aplicou uma coima de cerca de 310 000 USD a um produtor de cimento por se recusar a cumprir os pedidos de informação emitidos pela ARC, em violação das suas obrigações de cooperação ao abrigo da Lei da Concorrência;
  • A ARC de Moçambique encontra-se atualmente a realizar 4 inquéritos sectoriais, sobre as indústrias do cimento, do açúcar e dos transportes aéreos, bem como sobre os serviços de táxis e de plataformas de transporte de passageiros8. Estão também em curso várias investigações por práticas restritivas. As queixas recebidas estão na origem da maioria das investigações iniciadas pela ARC9;
  • Ambas as autoridades pretendem incentivar a cooperação ativa das empresas que participam em comportamentos colusivos anti-concorrenciais através da implementação de um regime de clemência. Em Angola, existem regras de clemência em vigor desde 2020 e a ARC de Moçambique lançou em abril de 2024 uma consulta pública sobre um projeto de regulamento do regime de clemência, cuja versão final ainda não foi publicada. No entanto, nenhum deles prevê a dispensa total de coimas (“imunidade”) para a primeira empresa a fornecer informações e provas à Autoridade. Tanto no regime angolano como no projeto moçambicano, a primeira empresa terá direito a uma redução de apenas até 70% da coima, o que se afigura insuficiente para incentivar as empresas a comunicar voluntariamente à ARC condutas anti-concorrenciais anteriormente desconhecidas.

Advocacy e cooperação institucional

Ambas as ARC são muito ativas na promoção de uma cultura de concorrência (advocacy). A ARC de Angola publicou vários conjuntos de orientações (por exemplo, sobre o cumprimento das regras de concorrência por parte das associações empresariais, colusão na contratação pública, notificações de concentrações, compromissos em processos de concentrações ou cálculo de multas) e emitiu recomendações para a maioria dos sectores regulados (por exemplo, comunicações, energia, transportes aéreos e rodoviários e banca). Em 2024, a ARC de Angola emitiu orientações sobre a análise da concorrência das políticas públicas e está atualmente a preparar um relatório sobre os auxílios de Estado em Angola e os seus efeitos na concorrência10.

Do mesmo modo, a ARC de Moçambique também publicou orientações para as associações empresariais e, mais recentemente, lançou um guia para combater a colusão nos contratos públicos, que define as boas práticas a seguir pelas entidades públicas e empresas.

As ARC de Angola e Moçambique cooperam ativamente entre si, bem como com a Autoridade da Concorrência portuguesa, através de acordos de cooperação bilateral e da Rede Lusófona da Concorrência, e organizam regularmente sessões de formação e trocam boas práticas e informações, incluindo sobre processos de interesse mútuo. A ARC de Angola tem também um acordo de cooperação em vigor com a Comissão da Concorrência da África do Sul e está a negociar um acordo semelhante com a autoridade de concorrência do Brasil (CADE)11. Ambas as ARC são membros ativos da Rede Internacional da Concorrência (ICN), tendo a ARC de Moçambique sido admitida em março de 2024.

As ARC também coordenam estreitamente com os respetivos reguladores sectoriais nacionais as análises de concentrações e as investigações de práticas restritivas nas indústrias sujeitas a regulação sectorial. A este respeito, a ARC de Moçambique referiu que solicitou pareceres aos reguladores sectoriais em 48 processos de concentrações entre 2021 e 202312.

O que esperar em 2025

As prioridades declaradas das ARC de Angola e de Moçambique são a aplicação das regras de controlo de concentrações, com especial destaque para o gun jumping, e as proibições de comportamentos anti-concorrenciais, especialmente os comportamentos graves, como os cartéis e a fixação dos preços de revenda em acordos verticais13.

Relativamente a Cabo Verde, em novembro de 2024, o primeiro presidente da AdC demitiu-se e foi nomeado um novo presidente, Miguel Semedo. De acordo com o seu plano anual mais recente conhecido, a AdC estabeleceu como prioridades a aprovação do Regulamento do Formulário de Notificação e o reforço da capacidade de deteção de práticas de gun jumping.

Tendo em conta as coimas potencialmente muito elevadas (que podem ir até 10% do volume de negócios em Angola e até 5% em Moçambique) e outras consequências negativas graves resultantes da infração ao direito da concorrência, as empresas que operam nestas jurisdições são aconselhadas a monitorizar ativamente as suas atividades comerciais e decisões estratégicas e a garantir que estão em conformidade com o direito da concorrência.

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1Entrevista da Presidente da ARC, Eugénia Pereira, Jornal de Angola, 30 de dezembro de 2024 (entrevista JdA), p. 19, e informações sobre os processos disponíveis no website da ARC. Uma decisão (n.º 03/2024) não se encontra disponível no website da ARC.
2Entrevista JdA, p. 19, e informações sobre o caso disponíveis no website da ARC.
3Autoridade Reguladora da Concorrência, Boletim das Actividades Regulatórias 2021-2023, agosto de 2024 (para os processos 2021-2023), e decisões disponíveis no site da ARC (processos para 2024).
4A decisão não foi anunciada na altura em que foi adotada e só foi confirmada muito mais tarde, ver Política de Concorrência em Angola– Apresentação ao Conselho Consultivodo CRA, abril de 2024, p. 11.
5Entrevista JdA, p. 17.
6Decisão da ARC 160/23, de 11 de dezembro de 2023, Diário da República II Série n.º 234, p. 24 220.
7Entrevista JdA, p. 18.
8Boletim de Actividades Regulatórias 2021-2023, p. 12.
9Dos 22 inquéritos abertos pela ARC de Moçambique entre 2021 e 2023, 17 (77%) tiveram origem em queixas. Ver Boletim de Actividades Regulatórias 2021-2023, p. 14.
10Entrevista JdA, p. 19.
11Entrevista JdA, p. 17.
12Boletim de Actividades Regulatórias 2021-2023, p. 8.
13Entrevista JdA, p. 17.