A Diretiva (UE) 2022/2555 (SRI2), publicada a 27 de dezembro de 2022, reforça a cibersegurança na União Europeia, ampliando o âmbito da sua predecessora e introduzindo medidas como gestão de riscos, segurança da cadeia de abastecimento e reporte uniforme de incidentes. Abrange médias e grandes empresas de setores essenciais e importantes, com sanções rigorosas por incumprimento. Em Portugal, a transposição da SRI2 está em curso, ainda que a Proposta de Lei submetida a consulta pública em novembro de 2024 preveja alterações significativas, como a criação da Comissão de Avaliação da Segurança do Ciberespaço e planos nacionais de resposta a crises cibernéticas. As entidades abrangidas terão de se autoidentificar e atualizar as suas informações no Centro Nacional de Cibersegurança para garantir conformidade.
Enquadramento
A Diretiva (UE) 2022/2555 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022, relativa a medidas destinadas a garantir um elevado nível comum de cibersegurança na União (SRI2 ou Diretiva), foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia, a 27 de dezembro de 2022.
A SRI2 foi criada num contexto contemporâneo de urgência, perante a necessidade contínua e crescente de oferecer uma resposta mais sofisticada à frequência e complexidade das ciberameaças, com o propósito global de melhorar e fortalecer a cibersegurança e proteger as infraestruturas críticas em toda a União Europeia (UE).
A Diretiva em vigor baseia-se, fundamentalmente, na anterior SRI, abordando várias lacunas existentes e expandindo o seu âmbito de aplicação com o objetivo de aprimorar os requisitos de segurança, as obrigações de comunicação e as capacidades de gestão de crises e incidentes.
Entre as principais alterações e avanços, a SRI2 amplia significativamente o seu alcance, de modo a abranger uma gama mais vasta de setores e entidades e, paralelamente, i) estabelece obrigações de comunicação de incidentes mais rigorosas e objetivas, traduzidas num quadro unificado; ii) atribui maior ênfase à segurança da cadeia de abastecimento (supply chain); iii) aborda áreas de risco emergentes; iv) promove uma adequada gestão das vulnerabilidades; v) destaca a importância de ciber-higiene; vi) introduz a necessidade de análises e avaliações interpares, fomentando uma maior cooperação e colaboração entre os Estados-Membros; e vii) alarga o âmbito de aplicação, passando a incluir médias e grandes empresas de diferentes setores.
Âmbito de aplicação
A SRI2 aplica-se às entidades públicas ou privadas de um dos tipos referidos no anexo I ou II, que sejam consideradas médias empresas nos termos do artigo 2.º do anexo da Recomendação 2003/361/CE, ou que excedam os limiares relativos às médias empresas previstos no n.º 1 do referido artigo, e que prestem os seus serviços ou exerçam as suas atividades na UE.
Tipos de empresas |
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Médias |
Grandes |
Empregam entre 50 e 249 trabalhadores; Volume de negócios anual até 50 000 000 €; ou Ativo líquido/balanço total anual até 43 000 000 € |
Empregam 250 ou mais trabalhadores; Volume de negócios anual superior a 50 000 000 €; ou Ativo líquido/balanço total anual superior a 43 000 000 € |
As entidades abrangidas são classificadas em entidades essenciaise entidades importantes, de acordo com o artigo 3.º da SRI2, refletindo a medida em que são fundamentais no que concerne ao seu setor ou ao tipo de serviço que prestam, bem como a sua dimensão.
Classificação das entidades |
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Essenciais |
Importantes |
Setores/Serviços
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Setores/Serviços
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Requisitos principais da SRI2
Para as entidades abrangidas, a SRI2 prevê um leque de requisitos fundados em pilares-chave, segundo os quais as mesmas se devem pautar de forma a garantir uma conformidade transversal dos seus procedimentos com as previsões europeias. Devem, assim, as entidades abrangidas, ao abrigo do Cyber Crisis Management Structure (CyCLONe), rever, criar, estabelecer e/ou melhorar:
- Políticas de cibersegurança e práticas de gestão de riscos;
- Procedimentos de gestão de incidentes, incluindo obrigações de comunicação e planos de resposta;
- Planeamentos da prossecução das atividades para garantir a continuidade dos serviços críticos em caso de incidente cibernético;
- Medidas de segurança da cadeia de abastecimento (supply chain) para avaliar e garantir a segurança de fornecedores terceiros;
- Programas de formação e sensibilização aos seus colaboradores para promover as melhores práticas de cibersegurança;
- Práticas de gestão de ativos para identificar e proteger sistemas e ativos de informação críticos;
- Obrigações de comunicação às autoridades competentes e manter as capacidades de resposta a incidentes.
Sanções em caso de incumprimento dos requisitos
É ideal que as entidades abrangidas revisitem, reformulem e reforcem as suas obrigações, em conformidade com os requisitos da Diretiva. Caso não o façam, naturalmente, tal poderá resultar em coimas e sanções significativas.
No caso das entidades essenciais, as coimas poderão atingir 10 000 000 € ou 2% do volume de negócios global da entidade, consoante o valor mais elevado. Já para as entidades importantes, as coimas poderão atingir 7 000 000 € ou 1,4% do volume de negócios global, consoante o que for mais elevado.
Muito para além da natureza destas sanções, é dada às autoridades nacionais a possibilidade de aplicar outras medidas e sanções por incumprimento da Diretiva. Entre elas, contam-se as ordens de suspensão ou restrição das atividades da entidade com vista à proteção da segurança das redes e dos sistemas de informação.
Tabela-resumo comparativa entre a SRI e a SRI2
Tema |
SRI |
SRI2 |
Âmbito de aplicação |
Aplica-se apenas a operadores de serviços essenciais em setores como energia, transportes, água e saúde, e a alguns prestadores de serviços digitais. |
Alarga consideravelmente o âmbito, incluindo entidades médias e grandes em setores críticos como:
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Nível de harmonização |
Permite uma implementação flexível pelos Estados-Membros, resultando em requisitos de segurança e obrigações de reporte inconsistentes. |
Harmoniza os requisitos de segurança e as obrigações de reporte entre os Estados-Membros, garantindo maior consistência. |
Governance e supervisão |
Depende das autoridades nacionais para supervisão, com coordenação limitada a nível europeu.
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Introduz coordenação a nível da UE através da Rede Europeia de Ligação para Crises Cibernéticas (EU-CyCLONe). Estabelece requisitos de governação mais rigorosos, incluindo a responsabilização ao nível da gestão das organizações. |
Notificação de incidentes |
As exigências de reporte são menos específicas, levando a práticas variadas entre os Estados-Membros.
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Especifica prazos para reporte de incidentes:
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Penalizações e Responsabilidade |
As penalizações são determinadas pelos Estados-Membros, resultando em variações significativas. |
Introduz penalizações mais rigorosas e uniformes. Destaca a responsabilidade ao nível da gestão, podendo os líderes enfrentar penalizações por não conformidade. |
Riscos na cadeia de fornecimento e contratação de terceiros |
Foco principal nas organizações abrangidas. |
Dá maior ênfase à gestão de riscos na cadeia de fornecimento e de terceiros. Exige que as entidades avaliem e mitiguem os riscos associados a fornecedores e a prestadores de serviços. |
Alocação de recursos e capacidades |
Não exige explicitamente a alocação de recursos, com exceção do Responsável de Segurança. |
Obriga as organizações a alocar recursos financeiros e humanos adequados para a cibersegurança. |
Proatividade na cibersegurança |
Foca-se essencialmente na resposta a incidentes. |
Enfatiza a gestão de riscos proativa, incluindo:
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Cooperação transfronteiriça |
Depende de cooperação bilateral. |
Reforça a cooperação a nível da UE. Formaliza o papel da ENISA (Agência da União Europeia para a Cibersegurança) no apoio aos Estados-Membros e às entidades. |
A transposição da Diretiva SRI2 – O atual panorama português
A Diretiva SRI2 prevê que, até 17 de outubro de 2024, os Estados-Membros tivessem adotado as disposições necessárias com vista a dar cumprimento à Diretiva SRI2, aplicando-as a partir do dia seguinte, ou seja, 18 de outubro de 2024.
Embora já plenamente em vigor noutros ordenamentos jurídicos europeus, o contexto atual português é de incumprimento do Direito da UE, encontrando-se em curso o processo de transposição legislativa desta Diretiva, tendo sido a respetiva Proposta de Lei submetida a consulta pública apenas no dia 21 de novembro de 2024.