Entrou em vigor, no passado dia 6 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 4/2024, de 5 de janeiro (Decreto‑Lei n.º 4/2024), que institui o mercado voluntário de carbono em Portugal e estabelece as regras para o seu funcionamento.
O diploma pretende estimular a participação de diversos agentes neste mercado (individuais e organizacionais, públicos e privados), seja pelo lado da oferta, através da promoção de projetos de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ou sequestro de carbono geradores de créditos de carbono, seja pelo lado da procura, através da criação de um enquadramento legal e técnico que permite a aquisição desses créditos para fins diversos por parte de indivíduos e organizações.
O mercado voluntário de carbono vem, assim, criar, regulamentar, monitorizar e supervisionar um quadro legal e técnico que permite a contabilização, registo, emissão e consequente transação e cancelamento de créditos de carbono certificados, com o objetivo de contribuir para a mitigação das emissões de GEE no território nacional.
O que são os créditos de carbono?
As reduções de emissões de GEE ou o sequestro de carbono obtidos através de projetos registados no âmbito do mercado voluntário de carbono geram créditos de carbono:
- A redução de emissões de GEE diz respeito a uma quantidade de dióxido de carbono equivalente (CO2e), cuja emissão tenha sido evitada;
- O sequestro de carbono corresponde à remoção de dióxido de carbono (CO2)da atmosfera e seu armazenamento duradouro, biológico e tecnológico.
Cada tonelada de CO2 reduzida ou sequestrada por um projeto registado no mercado voluntário de carbono, corresponde a um crédito de carbono, válido por tempo indeterminado. Cabe à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. (APA) estabelecer o método de cálculo dos créditos de carbono.
1 Ton de CO2 reduzida ou sequestrada por um projeto de carbono = 1 crédito de carbono
O Decreto-Lei n.º 4/2024 distingue dos créditos de carbono, os créditos de carbono +, que são aqueles que incorporam benefícios adicionais ao nível da biodiversidade e do capital natural, desde que esses benefícios sejam determinados e monitorizáveis de acordo com a metodologia prevista para o projeto em que são gerados.
Os créditos de carbono obtidos são objeto de um processo de validação e certificação por um verificador independente, devidamente qualificado para o efeito.
Os créditos de carbono podem assumir as seguintes formas:
- Créditos de carbono futuros – créditos de carbono emitidos previamente a uma efetiva redução de emissões de GEE, ou ao sequestro de carbono, com base numa estimativa, apresentada pelo promotor do projeto e validada por um verificador independente, do potencial de redução de emissões ou de sequestro durante o período de duração do projeto.
A emissão de créditos de carbono futuros deve ser solicitada pelo promotor do projeto e estar prevista na respetiva metodologia, não podendo o seu montante exceder 20% dos créditos totais de carbono previstos no período de duração do projeto;
- Créditos de carbono verificados – créditos de carbono emitidos após uma efetiva redução de emissões de GEE ou sequestro de carbono pelo projeto, devidamente verificada por verificador independente, na sequência de cada etapa do processo de verificação periódico.
O diploma prevê a rastreabilidade dos créditos de carbono ao associar a cada crédito de carbono, um número de série único.
Quem são os agentes do mercado voluntário do carbono?
O Decreto-Lei n.º 4/2024 identifica três categorias de agentes do mercado voluntário de carbono (agentes de mercado):
- Os promotores de projetos de mitigação de emissão de GEE;
- Os indivíduos e organizações, privadas ou públicas, que adquiram ou utilizem créditos de carbono;
- As entidades responsáveis pela certificação.
Como podem ser utilizados os créditos de carbono?
Os créditos de carbono pertencem aos promotores do projeto até ao seu cancelamento ou até à transferência da sua titularidade para outro agente de mercado, que se realizará através de uma plataforma informática que será criada para o efeito.
Os créditos de carbono podem ser adquiridos e utilizados para dois efeitos, por parte de quaisquer indivíduos e organizações, privadas ou públicas:
- Para compensação de emissões, situação em que há aquisição e posterior cancelamento de uma determinada quantidade de créditos de carbono, equivalente às emissões de GEE resultantes de quaisquer processos, atividades ou eventos, com um objetivo de compensação das respetivas emissões;
- Para contribuição para a ação climática, situação em que há aquisição e posterior cancelamento automático de uma determinada quantidade de créditos de carbono, sem que exista um objetivo de compensação de emissões envolvido.
Os créditos de carbono não podem ser utilizados ou reclamados para efeitos de cumprimento de obrigações europeias ou internacionais ou para o cumprimento de contribuições nacionalmente determinadas de qualquer outra parte signatária do Acordo de Paris.
Depois de utilizados, os créditos de carbono devem ser cancelados, de modo a evitar a duplicação da sua utilização.
O que é necessário para desenvolver um projeto de carbono?
Para um projeto de carbono ser considerado admissível no mercado voluntário de carbono, o referido projeto deverá estar conforme com as metodologias de carbono aplicáveis, que são definidas para cada tipologia de projeto.
As metodologias a adotar para cada tipo de projeto estabelecem os critérios de elegibilidade e as orientações para efeitos do reconhecimento, monitorização, verificação e avaliação de adicionalidade (ou seja, de uma situação em que a redução de emissões de GEE ou sequestro de carbono possam exceder o cenário de referência) dos projetos e dos créditos que estes venham gerar, bem como o método de quantificação (ex ante e ex post) da redução de emissões de GEE ou do sequestro de carbono associados.
Será criada uma comissão técnica de acompanhamento para o desenvolvimento e avaliação de metodologias de carbono, competindo à APA a sua aprovação e divulgação:
- As metodologias relativas a projetos de sequestro florestal de carbono são aprovadas pela APA, em articulação com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF); e
- As metodologias relativas a projetos de sequestro de carbono azul são aprovadas pela APA, em articulação com o ICNF, e a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos.
As propostas de metodologias de carbono serão sujeitas a um processo de discussão pública e podem ser apresentadas à APA por outras entidades, públicas ou privadas.
Uma vez aprovadas e publicadas as metodologias, os promotores que pretendam desenvolver um projeto de carbono devem, entre outras condições:
- Desenvolver um relatório de projeto, nos termos da metodologia de carbono aplicável, que inclua, entre outros, (i) as informações relativas ao cumprimento dos critérios de elegibilidade, o cenário de referência, (ii) o método de quantificação (ex ante e ex post) da redução de emissões de GEE ou do sequestro de carbono, com base no tempo de duração do projeto, (iii) a duração mínima e a duração máxima do projeto de carbono, (iv) a periodicidade de apresentação do relatório de monitorização e de verificação, e (v) os riscos do projeto, incluindo os de reversão no caso de projetos de sequestro e as respetivas medidas de mitigação;
- Obter a validação inicial do projeto por um verificador independente;
- Registar o projeto na plataforma de registo;
- Apresentar um relatório de monitorização periódico, com base num modelo a ser desenvolvido pela APA;
- Acompanhar e monitorizar os projetos de carbono e as reduções de emissões de GEE ou de sequestro de carbono, em respeito com a metodologia aplicável e as condições e medidas de mitigação dos riscos, monitorização do projeto, reporte e verificação.
São consideradas como prioritárias as tipologias de projeto de sequestro florestal de carbono que contribuam para a conservação do capital natural e para a construção de uma paisagem mais adaptada e resiliente, incluindo a redução da vulnerabilidade aos incêndios.
Quais são as áreas prioritárias para o desenvolvimento de projetos de carbono?
São definidas como áreas prioritárias para o desenvolvimento de projetos de carbono: (i) os territórios vulneráveis, identificados na Portaria n.º 301/2020, de 24 de dezembro; (ii) a áreas integrantes de Zonas de Intervenção Florestal, Baldios, Rede Natura 2000 e Rede Nacional de Áreas Protegidas; (iii) as áreas florestais ardidas; e (iv) outras áreas, assim identificadas pelo ICNF ou pela APA.
Os projetos desenvolvidos nas áreas prioritárias dispõem de critérios específicos de elegibilidade.
Como se regista um projeto de carbono?
Será criada uma plataforma que permitirá rastrear e divulgar publicamente os projetos de carbono e a emissão e transação dos créditos de carbono, bem como acompanhar o estado dos créditos de carbono.
Os agentes de mercado e os projetos de carbono são obrigatoriamente registados numa plataforma que será desenvolvida e gerida pela ADENE – Agência para a Energia (ADENE), sob supervisão da APA.
Sem prejuízo da possibilidade de consulta pública dos projetos e créditos de carbono, os agentes de mercado podem solicitar que sejam classificados e mantidos sob confidencialidade determinados documentos ou informações.
Como se processa a transação de créditos de carbono?
A transação de créditos de carbono processa-se através da plataforma que será criada e gerida pela ADENE.
Para permitir o reconhecimento, emissão e transação dos créditos de carbono é obrigatória a inscrição na plataforma dos agentes de mercado, incluindo os promotores dos projetos e todos aqueles (pessoas singulares e coletivas) que pretendam adquirir a utilizar créditos de carbono. A plataforma deve contemplar um conjunto de operações e contas de registo distintas para os diversos agentes de mercado.
A transação de créditos entre os agentes de mercado registados é obrigatoriamente registada na plataforma e ocorre sempre exista uma alteração de titularidade de um crédito de carbono.
E se o benefício gerado por um projeto de carbono for inferior ao cenário de referência?
O diploma acautela a possibilidade de se verificarem situações em que o benefício líquido de um projeto de carbono seja negativo num dado período de monitorização, em face do previsto no cenário de referência. Estas situações são designadas pela lei como reversões de emissões sequestradas.
Distinguem-se dois tipos de reversões:
- Reversões intencionais de emissões sequestradas, que são aquelas que podem ser entendidas como da responsabilidade do promotor, pelo incumprimento do previsto nos documentos de projeto ou pelo incumprimento do dever de aplicar medidas de minimização do risco.
Quando se verifique uma reversão intencional de emissões sequestradas, os créditos emitidos pelo projeto devem ser cancelados no montante equivalente ao dobro da reversão ocorrida. Caso os créditos não transacionados e disponíveis na conta de registo do projeto não sejam suficientes para cobrir o dobro da reversão ocorrida, o promotor deverá repô-los no prazo máximo de um ano.
Para além disto, o promotor será ainda penalizado num montante equivalente ao dobro do preço médio dos créditos do mercado voluntário de carbono no ano civil, por cada crédito de carbono que tenha sido transacionado e não reposto. Este valor reverte para o Fundo Ambiental;
- Reversões não intencionais de emissões sequestradas, que são as provocadas por fenómenos naturais, designadamente cheias, secas, incêndios e outras situações de força maior, desde que comprovado que o promotor do projeto não teve influência ou não poderia anular ou mitigar os efeitos dessa situação e que adotou as medidas de mitigação dos riscos previstas nos documentos de projeto.
Com a ocorrência de uma reversão não intencional de emissões sequestradas, o promotor deverá cancelar os créditos de carbono emitidos pelo projeto, no montante equivalente à reversão ocorrida. Caso os créditos não transacionados e disponíveis na conta de registo do projeto sejam insuficientes para cobrir o montante da reversão ocorrida, o promotor poderá recorrer à bolsa de garantia para compensar os créditos de carbono em falta.
O que é a bolsa de garantia?
Os promotores dos projetos de carbono devem procurar mitigar os riscos de ocorrência de reversões não intencionais de emissões sequestradas, através de uma das seguintes formas:
- Contratação de um seguro;
- Adesão e contribuição para a bolsa de garantia; ou
- Ambas.
A bolsa de garantia é constituída justamente para salvaguardar as situações em que se possam verificar reversões não intencionais das emissões sequestradas durante o período de duração de um projeto. Os promotores apenas podem recorrer à bolsa de garantia se tiverem optado por contribuir para a mesma ou se, tendo optado por contratar um seguro, tenham recorrido previamente a esse seguro, e apenas quanto aos créditos que não tenham sido compensados.
A bolsa de garantia é constituída por créditos de carbono emitidos pelos projetos de sequestro de carbono (com algumas exceções), na proporção de:
- 10% para créditos de carbono futuro; e
- 20% para os créditos de carbono verificados.
O recurso à bolsa de garantia por parte do promotor fica limitado à contribuição que tenha feito à data da reversão. Se, no final do projeto, não ocorrer reversão de emissões, os créditos que tenham sido encaminhados para a bolsa de garantia poderão ser parcial e faseadamente devolvidos ao promotor.
Como é feito o acompanhamento dos projetos de carbono?
Os projetos de carbono estão sujeitos a verificações periódicas e controlos aleatórios realizados pelas entidades administrativas competentes.
A prestação de falsas informações ou o incumprimento no desenvolvimento do projeto pode dar origem às seguintes penalizações:
- Suspensão do agente da plataforma;
- Congelamento dos créditos existentes nas contas de que seja titular e posterior reversão para a bolsa de garantia;
- Inibição de participação no mercado por um período de cinco anos.
Qual o custo do registo de um projeto de carbono?
Serão devidas taxas, cujo montante será regulado por portaria, por: (i) abertura e manutenção de conta; (ii) registo de projetos na plataforma; (iii) transações de créditos de carbono; e (iv) aprovação de metodologias propostas por agentes de mercado.
Os projetos desenvolvidos nas áreas prioritárias estão isentos do pagamento de taxas.