No passado dia 10 de janeiro, a Interpol anunciou a introdução do Silver Notice, uma nova tipologia de alerta que visa localizar e recuperar ativos de origem ilícita para reforçar a cooperação policial internacional no combate ao crime organizado. Este mecanismo, em fase de projeto-piloto até novembro de 2025 e envolvendo 52 Estados, incluindo Portugal, tem como objetivo auxiliar no combate à corrupção e crimes económico-financeiros, permitindo identificar bens, como propriedades ou contas bancárias, para confisco ou recuperação. O regime jurídico publicado pela Interpol estabelece critérios rigorosos para a emissão destes alertas, incluindo informações detalhadas sobre os investigados e os ativos em questão, bem como normas para facilitar a cooperação bilateral e o cumprimento das legislações nacionais e internacionais.
No passado dia 10 de janeiro, a International Criminal Police Organization (Interpol) anunciou a primeira publicação de um Silver Notice, tendo entretanto divulgado o enquadramento jurídico desta nova tipologia de alerta. O Silver Notice visa a localização e a recuperação de ativos de origem ilícita, como forma de reforço da cooperação policial internacional, tendo em vista a prevenção do crime organizado transnacional.
O presente Legal Alert tem como objetivo precisar os contornos deste novo mecanismo jurídico da Interpol.
I. O que é o Silver Notice?
O Silver Notice é a mais recente adição ao vasto conjunto de mecanismos de cooperação internacional da Interpol, que permitem às polícias dos Estados membros desta organização realizar pedidos e partilha de informações críticas e que se baseiam num código de cores atribuídas a cada um dos tipos de alerta existentes1.
O Silver Notice foi introduzido na sequência da prossecução pela Interpol da estratégia de combate ao branqueamento e aos fluxos financeiros de proveniência ilícita. Este novo alerta está correntemente a ser objeto de um projeto-piloto que envolve 52 Estados e territórios, incluindo Portugal, e que decorrerá, pelo menos, até novembro de 20252.
II. Principal Objetivo
O novo Silver Notice almeja, entre outros objetivos, auxiliar as unidades de combate à corrupção3, as instituições financeiras e os sistemas nacionais de justiça penal na recuperação de fundos ilícitos e/ou a descobrir a identidade de agentes envolvidos na prática de crimes económico-financeiros. Através do Silver Notice, os Estados membros da Interpol conseguirão solicitar informações sobre os bens ligados a atividades criminosas de uma determinada pessoa.
O Silver Notice facilitará ainda a localização, identificação e obtenção de informações sobre ativos, incluindo propriedades, veículos, contas bancárias e empresas. Os Estados podem, subsequentemente, utilizar essas informações como base para compromissos bilaterais, incluindo para apreensão, confisco ou recuperação desses ativos, nos termos das legislações nacionais.
III. Regime Jurídico
A Interpol divulgou recentemente o regime jurídico que rege o projeto-piloto do Silver Notice:
a) Normas aplicáveis
A primeira parte determina o quadro jurídico geral aplicável:
- Os artigos 2.º e 3.º da Constituição da Interpol;
- Os artigos 10.º a 18.º, 73.º a 81.º e 97.º a 100.º das Regras de Processamento de Dados da Interpol4;
- Aplicam-se também todas as regras que regem os trabalhos da Comissão de Controlo dos Ficheiros da Interpol5, nomeadamente a já mencionada Constituição e os Estatutos da CCF.
b) Regras especiais
A segunda parte do regime jurídico do Silver Notice estabelece normas específicas sobre a publicação deste tipo de alertas no contexto do projeto-piloto.
O artigo 1.º indica os objetivos dos Silver Notices, os quais podem ser publicados a pedido de um Gabinete Nacional (NCB)6 tendo em vista os seguintes propósitos: localizar ativos, identificá-los, obter informações sobre ativos ou monitorizá-los de forma discreta e/ou contínua. Os pedidos e a partilha de informações são efetuados com a finalidade do confisco penal ou civil desses ativos, sendo que este pode ser efetuado após condenação ou mesmo sem a condenação. No entanto, durante a fase-piloto, o Silver Notice deverá limitar-se a ser utilizado em função de medidas não coercivas, nomeadamente de solicitação e partilha de informação com o fim de facilitar a cooperação bilateral.
O artigo 2.º precisa as condições específicas para a publicação de Silver Notices:
- Em primeiro lugar, há critérios mínimos cumulativos que devem ser seguidos para a emissão de um destes alertas: (i) tem de estar relacionado com uma pessoa singular sujeita a uma investigação criminal; (ii) só poderá ser publicado quanto a crimes graves puníveis com pena privativa da liberdade de, pelo menos, quatro anos, conforme a alínea b) do artigo 2.º da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional;
- Em segundo lugar, há um conjunto de dados mínimos essenciais à emissão do Silver Notice: (i) por um lado, são necessários dados identificadores da pessoa, como nome próprio, apelido, sexo, data de nascimento e descrição física ou fotografia de boa qualidade; (ii) por outro lado, são necessários dados judiciais relativos à investigação criminal em curso, tais como uma súmula dos factos do processo, uma referência judicial válida relativa a uma pessoa singular sujeita a investigação criminal que indique os ativos dessa mesma pessoa, a acusação e as normas que compreendem a infração;
- Por último, a Interpol esclarece que os Silver Notices não serão publicados no site público da organização.
Já o artigo 3.º clarifica as medidas a tomar após a localização dos ativos. O Estado onde o ativo se localizar deve informar o NCB requerente e o Secretariado-Geral e deve fornecer informações sobre os procedimentos que o Estado requerente tem de adotar. De seguida, o NCB requerente assegura a rápida transmissão dos dados e dos documentos solicitados pelo Estado onde o ativo foi localizado. Posteriormente, o Secretariado-Geral presta a assistência devida ao NCB competente, facilitando, nomeadamente, a transferência de documentos relacionados com a decisão de monitorização, retenção ou confisco dos ativos, de acordo com as normas nacionais ou com os tratados internacionais aplicáveis.
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1Existem atualmente outros oito tipos de Notices: Red (emitido para a localização e detenção de pessoas procuradas); Yellow (para localizar pessoas desaparecidas); Blue (para a obtenção de informações sobre a identidade de uma pessoa, a sua localização ou as atividades criminosas dessa mesma pessoa que se relacionam com uma investigação penal em curso); Black (para obtenção de informações sobre cadáveres não identificados); Green (para alertar para a prática de atividades criminosas de uma pessoa que é considerada perigosa para a segurança pública); Orange (para alertar para a existência de um objeto, pessoa ou acontecimento que representa um perigo grave e iminente para a segurança pública); Purple (para facilitar a troca de informações sobre o modus operandi, objetos, dispositivos e métodos de ocultação utilizados por criminosos); e o Special Notice Interpol – UNSC (para informar sobre as entidades que foram objeto de sanções impostas pelos Comités de Sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas).
2Em 2023, a 91.ª Assembleia Geral da Interpol, realizada em Viena, Áustria, delineou o desenvolvimento e a implementação do piloto do Silver Notice através da Resolução GA-2023-91-RES-11.
3A Unidade Nacional de Combate à Corrupção é a unidade portuguesa especializada para a resposta preventiva e repressiva aos fenómenos criminais associados à criminalidade económico-financeira.
4Os artigos 10.º a 18.º correspondem aos princípios relativos ao tratamento de informação, os artigos 73.º a 81.º às disposições comuns dos alertas e os artigos 97.º a 100.º abordam o tema das respetivas divulgações.