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25.05.2023

Legal Alert | Novas orientações da CNPD: publicação de atas de reuniões e transmissão de reuniões de órgãos autárquicos

No passado dia 5 de maio de 2023 foram publicadas duas Orientações da Comissão Nacional de Proteção de Dados (“CNPD”) relativas à “Publicação na Internet das atas das reuniões de órgãos autárquicos” e à “Transmissão na Internet das reuniões de órgãos autárquicos”.

1. Publicação na Internet das atas das reuniões de órgãos autárquicos

Na sua Orientação – aplicável a atas e, nos seus próprios termos, aos demais documentos que dão suporte às deliberações –, a CNPD, apesar de reconhecer que as atas das reuniões de órgãos autárquicos visam, por natureza, registar e dar a conhecer a emissão das deliberações tomadas nas reuniões dos órgãos autárquicos, alerta para que a sua consulta (que não é em si mesma livre, podendo estar sujeita a restrições) não se confunde com a respetiva publicação na Internet, a qual importa riscos significativos quando contenham dados pessoais.

A este respeito, a CNPD alerta para o facto de, quando os documentos administrativos contenham dados pessoais, o risco de restrição do direito fundamental ao respeito pela vida privada e do direito fundamental à proteção dos dados pessoais e ainda de estigmatização e discriminação dos cidadãos é muito elevado, porque:

  • Significa a permanente disponibilização de tais dados muito para além do espaço territorial nacional e do período de tempo necessário;
  • Os dados pessoais são ou podem ser objeto de reutilização por qualquer terceiro para qualquer finalidade, inclusive ilegítima, em face da dificuldade ou mesmo impossibilidade de rastrear o seu tratamento por terceiros; e
  • O relacionamento automático com outros dados relativos à mesma pessoa, permite ou potencia a criação de perfis sobre as pessoas e subsequente tomada de decisões que afetem diretamente a esfera jurídica dos seus titulares.

Tendo em conta os riscos identificados, entende a CNPD que os princípios de controlo da gestão pública e da transparência administrativa só justificam a difusão desses documentos na medida em que tal tratamento seja adequado e necessário à sua realização em concreto e desde que não implique um sacrifício excessivo daqueles direitos fundamentais; quer isto dizer que a difusão de documentos administrativos só será, sem mais, admissível, quando não contenham dados pessoais dos cidadãos.

Quanto às informações inscritas em ata relativas às deliberações que carecem de publicação para produzir efeitos (cf. artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo e artigo 56.º, n.os 1 e 2, do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro), entende a CNPD que o legislador “cristalizou” a ponderação entre os interesses da transparência e do escrutínio público e os direitos fundamentais das pessoas a quem a informação diga respeito, ao impor a publicação das deliberações na Internet: daí decorre a possibilidade de disponibilização da ata com dados pessoais na Internet.

No entanto, a CNPD recomenda que, face ao impacto que a publicação na Internet pode ter, a ata deve, nesses casos, ser elaborada com a redução ao indispensável dos dados que integrem as categorias previstas no n.º 1 do artigo 9.º e no artigo 10.º do RGPD (i.e., categorias especiais de dados e dados pessoais relacionados com condenações penais e infrações) – p.e., eventuais decisões relativas a procedimentos disciplinares devem ser registadas em ata por referência ao número do processo, sem identificação do trabalhador visado.

Por fim, é entendimento da CNPD que, nos casos em que a ata registe deliberações com dados pessoais não sujeitas legalmente a publicação, não existindo norma legal legitimadora da divulgação de dados pessoais, a publicação na Internet não será admissível, por se configurar desnecessária e excessiva, considerando que existem meios capazes de garantir o princípio da transparência sem expor de modo permanente e para além do universo de potenciais interessados nas informações – p.e., através da divulgação online da ata somente após a anonimização da informação (expurgo dos dados pessoais). Ou seja, a CNPD admite a publicitação das atas que contenham dados pessoais e que nos termos da lei não tenham de ser objeto de publicação na Internet, desde que se proceda à anonimização prévia dos documentos.

2. Transmissão na Internet das reuniões de órgãos autárquicos

Nesta segunda Orientação, a CNPD confirma que a transmissão áudio e vídeo em direito e online das reuniões dos principais órgãos autárquicos corresponde a um tratamento de dados pessoais nos termos das alíneas 1) e 2) do artigo 4.º do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (“RGPD”), por implicar a recolha e a divulgação de informação relativa a pessoas singulares identificadas ou identificáveis. Esta informação compreende a imagem das pessoas e o conteúdo das suas declarações, as quais podem expor, entre outros dados pessoais, aspetos da vida privada dos declarantes ou de terceiros e revelar convicções políticas, filosóficas ou de outra natureza.

Na análise dos riscos associados à transmissão áudio e vídeo em direito e online daquelas reuniões, a CNPD diferencia estas das reuniões de um órgão de soberania como a Assembleia da República, recordando que, no primeiro caso, os cidadãos têm participação ativa, expondo as suas necessidades ou as suas perspetivas pessoais quanto às necessidades públicas, o que, naturalmente, encerra uma maior exposição quanto àqueles que serão os aspetos da sua vida privada ou de terceiros, ou as suas convicções em determinadas matérias.

Assim, e considerando o acima exposto, entende a CNPD que, não existindo norma legal que preveja especificamente este tratamento de dados, nem norma legal que reconheça às autarquias locais uma específica função de divulgação mediática da sua atividade plenária habitual, o consentimento prévio e expresso de todas as pessoas abrangidas pela filmagem e transmissão surge como única condição suscetível de legitimar o referido tratamento de dados – consentimento que tem de respeitar as exigências previstas na alínea 11) do artigo 4.º e no artigo 7.º do RGPD e de garantir o direito de informação previsto no artigo 13.º do RGPD.

A CNPD realça ainda que o referido consentimento deve ser recolhido quer em relação àqueles que, no exercício das suas funções ou no exercício do direito de participação, façam declarações durante as reuniões, quer em relação aos que exercem o mesmo direito de participação através da mera presença ou assistência daquelas, e ainda em relação aos trabalhadores que prestem apoio durante a reunião. Consequentemente, durante o processo de captação de imagem e som tem de se assegurar que não são captadas imagens nem declarações de qualquer pessoa que para tal não tenha dado consentimento.

Por fim, a CNPD recomenda que a transmissão ocorra apenas no sítio da Internet da entidade pública, em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da minimização dos dados e salvaguardado o princípio da administração aberta, assim respeitado por ser aquela a sede própria para a divulgação da atividade municipal de acordo com a legislação autárquica.