A Diretiva (UE) 2024/2853, que substitui a Diretiva 85/374/CEE, entrará em vigor a 8 de dezembro de 2024 e deverá ser transposta pelos Estados-Membros até 9 de dezembro de 2026. Aplicável a produtos colocados no mercado após esta data, atualiza os conceitos de "produto" e "defeito" para incluir bens digitais e reforça a relevância da cibersegurança. Alarga os danos indemnizáveis a prejuízos psicológicos, corrupção de dados e danos materiais sem valor mínimo, e define novos responsáveis, incluindo plataformas online e importadores fora da UE. Introduz presunções ilidíveis para atenuar a assimetria de informação entre consumidores e operadores económicos, que podem ser obrigados a apresentar provas. Mantém os prazos de prescrição e caducidade, mas permite a extensão deste último em casos de danos latentes, até um limite de 25 anos.
Entra em vigor no dia 8 de dezembro de 2024 a Diretiva (UE) 2024/2853 do Parlamento Europeu e do Conselho (Diretiva (UE) 2024/2853), relativa à responsabilidade objetiva do produtor por danos decorrentes de produtos defeituosos, que vem revogar e substituir a anterior Diretiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de julho, incorporada no ordenamento jurídico português, em 1989, pelo Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de novembro.
A nova Diretiva é aplicável a produtos defeituosos colocados no mercado ou que entrem em serviço após 9 de dezembro de 2026, data até à qual a mesma deverá ser transposta pelos Estados-Membros.
Atualização dos conceitos de “produto” e de “defeito”
Na esteira de outros diplomas recentes, destinados à modernização e adaptação à nova era digital das regras da União Europeia (UE) em matéria de defesa dos consumidores (de que é exemplo a chamada Diretiva Omnibus), a Diretiva (UE) 2024/2853 vem, antes de mais, atualizar a definição de “produto”. Esta definição passa a abarcar qualquer bem móvel, ainda que em formato digital e mesmo que integrado noutro bem móvel ou imóvel – incluindo, portanto, a título de exemplo, a eletricidade, as matérias-primas e o software (quer este se encontre armazenado num dispositivo, quer a ele se aceda por meio de um sistema em nuvem, quer seja facultado como serviço). Deste modo, o conceito de “produto” relevante para efeitos da responsabilidade objetiva do produtor passa, finalmente, a estar em linha com a definição relevante para efeitos do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro (Decreto-Lei n.º 84/2021), que regula os direitos gerais do consumidor na compra e venda de bens de consumo.
Já a noção de “defeito” – por contraposição com a relevante para efeitos do Decreto-Lei n.º 84/2021 (relacionada com a desconformidade do produto com o contratualmente acordado ou com o razoavelmente esperado pelo consumidor) – continua a reportar-se à falta de segurança do produto, aferida objetivamente e de acordo com a legislação aplicável. A grande novidade nesta matéria reside na relevância que passa a ser atribuída à vulnerabilidade do produto em matéria de cibersegurança – em linha, portanto, com o novo regime europeu sobre segurança geral dos produtos, aprovado pelo Regulamento (UE) 2023/988 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de maio de 2023, em vigor a partir de 13 de dezembro de 2024.
Novos danos ressarcíveis
Tal como já antes se previa, de acordo com a nova Diretiva, se a falta de segurança de um produto resultar na ocorrência de danos pessoais ou materiais (noutros produtos que não o defeituoso), os Estados-Membros deverão assegurar que o lesado tenha direito a uma indemnização.
No entanto, clarifica-se agora que são também ressarcíveis, neste contexto:
- Os danos à saúde psicológica clinicamente comprovados;
- A destruição ou corrupção de dados (e.g., eliminação de dados de um disco rígido), desde que não utilizados para fins profissionais; e
- Os danos materiais independentemente do seu valor (os quais deixam de estar sujeitos a um limiar mínimo de 500 EUR para poderem ser indemnizáveis, favorecendo possivelmente o surgimento de ações populares com este fundamento).
Entidades responsáveis
Na lista de operadores económicos potencialmente responsáveis, a título objetivo (i.e., independentemente de culpa), por este tipo de defeitos e danos, passam a estar incluídos:
- O fabricante do produto ou de um componente defeituoso (se esse componente tiver sido integrado num produto ou interligado com um produto sob o seu controlo e tiver tornado o produto defeituoso); e
- O importador, se o fabricante se encontrar sediado fora da UE;
- O prestador de serviços de execução (i.e., aquele que propõe, pelo menos, dois serviços de entre a armazenagem, a embalagem, o endereçamento ou a expedição, sem dispor da propriedade do produto), quando não exista um importador estabelecido na UE; e/ou
- As plataformas em linha, sempre que estas apresentem o produto defeituoso, ou permitam de qualquer outra forma a transação, de um modo que induza um consumidor médio a acreditar que o produto é fornecido pela própria plataforma em linha ou por um comerciante que atua sob a sua autoridade ou controlo.
Se o lesado não conseguir identificar um destes operadores económicos, poderá solicitar essa informação junto do distribuidor do produto defeituoso, devendo os Estados-Membros garantir a possibilidade de responsabilizar o distribuidor caso não proceda a tal identificação no prazo de um mês.
É solidária a responsabilidade entre os vários operadores económicos responsáveis.
Em todo o caso, continuam a estar previstas várias causas de exclusão de responsabilidade, cuja prova incumbe aos operadores económicos, relacionadas, designadamente, com a colocação do produto no mercado, com a probabilidade de existência do defeito no momento da colocação no mercado, com a impossibilidade de deteção do defeito nesse momento à luz do estado objetivo dos conhecimentos científicos e técnicos, ou mesmo com a verificação de um defeito decorrente da conformidade do produto com requisitos jurídicos.
Ónus da prova e novas presunções
Embora o ónus da prova (do dano, do defeito e do nexo de causalidade) recaia, ainda, sobre o consumidor, o legislador europeu – reconhecendo a existência de uma assimetria de informação no que se refere à produção e funcionamento dos produtos, e com vista a uma repartição equitativa do risco – consagrou um conjunto de presunções ilidíveis.
A título meramente exemplificativo – e apenas para ilustração da exigência que os operadores económicos enfrentarão nos próximos tempos –, destaca-se a presunção da existência de defeito, nexo de causalidade, ou ambos, nos casos em que (i) o lesado «[…] enfrentar dificuldades excessivas, em particular por motivos de complexidade técnica ou científica […]» para prova destes elementos ou (ii) «[…] demonstrar que é provável […]» que o produto seja defeituoso, que exista um nexo de casualidade entre o defeito do produto e o dano, ou ambos.
Na mesma ordem de ideias, os Estados-Membros deverão assegurar que os operadores económicos sejam, em certos casos, e a pedido do lesado, obrigados a disponibilizar os elementos de prova pertinentes de que disponham – novamente, sob pena de pesadas inversões do ónus da prova. Caberá aos tribunais nacionais garantir que a apresentação de meios de prova se limita ao essencial e proporcional, com respeito pela proteção de informações confidenciais e segredos comerciais.
Prazo de prescrição e de caducidade
A Diretiva (UE) 2024/2853 mantém o prazo de prescrição de três anos contados da data em que o lesado tomou conhecimento ou deveria ter, razoavelmente, tomado conhecimento (cumulativamente) do dano, do defeito e da identidade do operador económico pertinente.
O mesmo sucede com o prazo de caducidade, que se mantém em 10 anos contados da data de colocação do produto defeituoso no mercado, exceto se – sendo essa uma novidade da nova Diretiva – nesses 10 anos tiver sido impossível ao lesado intentar uma ação por motivos relacionados com a latência de um dano pessoal, caso em que terá, ainda, mais 15 anos para o efeito (sendo o prazo de caducidade do direito de 25 anos).