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23.06.2023

Legal Alert | Novo regime europeu sobre segurança geral dos produtos

Enquadramento

A partir de 13 de dezembro de 2024 produzirá plenos efeitos na ordem jurídica nacional o Regulamento (UE) 2023/988 do Parlamento Europeu e do Conselho de 10 de maio de 2023 (Regulamento) sobre segurança geral dos produtos, que revogará a Diretiva 2001/95/CE sobre segurança geral dos produtos e a Diretiva 87/357/CEE sobre produtos que imitam géneros alimentícios.

O Regulamento estabelece um novo regime de segurança geral dos produtos, que visa responder ao desenvolvimento tecnológico verificado nos últimos anos, bem como à crescente globalização dos mercados e das cadeias de fornecimento e ao fenómeno das vendas à distância e em linha.

A atualização do regime já era discutida desde 2010, sendo este diploma o resultado de um processo legislativo iniciado em 2021.

Âmbito de aplicação

O Regulamento aplica-se aos produtos colocados no mercado da União Europeia (UE) no âmbito de uma atividade comercial, a título oneroso ou gratuito, incluindo expressamente a venda de produtos em linha ou através de outros meios de venda à distância, desde que dirigida a consumidores na UE.

O Regulamento abrange todos os bens colocados no mercado, com a exceção das seguintes categorias de produtos:

  • Medicamentos para uso humano ou veterinário;
  • Géneros alimentícios;
  • Alimentos para animais;
  • Plantas e animais vivos, organismos geneticamente modificados e microrganismos geneticamente modificados em utilização confinada, bem como produtos de origem vegetal ou animal diretamente relacionados com a sua reprodução futura;
  • Subprodutos animais e produtos derivados;
  • Produtos fitofarmacêuticos;
  • Equipamentos em que os consumidores circulam ou viajam quando esses equipamentos são diretamente manobrados por um prestador de serviços no contexto de um serviço de transporte prestado aos consumidores e não manobrados pelos próprios consumidores;
  • Aeronaves cujas operações implicam um risco reduzido para a segurança da aviação, nos termos do Regulamento (UE) 2018/1139;
  • Antiguidades.

Num esforço de adequação às novas tecnologias, a definição de produto foi atualizada, de forma a compreender «qualquer bem, interligado ou não com outros bens», garantindo a aplicação do Regulamento a «bens com elementos digitais» na aceção da Diretiva (UE) 2019/771, isto é, bens que incorporem ou estejam interligados com conteúdos ou serviços digitais de tal modo que a falta desse conteúdo ou serviço digital impeça os bens de desempenharem as suas funções.

Segurança

requisito geral de segurança dos produtos já estabelecido na Diretiva 2001/95/CE mantém-se, embora adaptado em função das evoluções tecnológicas entretanto verificadas. Em particular, prevê-se expressamente que a segurança dos produtos não possa ser prejudicada pela interligação com outros e que os produtos sejam dotados das funcionalidades de cibersegurança necessárias em função da sua natureza.

Todos os operadores económicos – os fabricantes, os importadores, os distribuidores e os prestadores de serviços de execução – estão sujeitos ao dever de assegurar o requisito geral de segurança nas respetivas atividades.

Informação

Os deveres de informação a que os fabricantes e os distribuidores estavam sujeitos passaram a ser impostos a todos os operadores económicos e foram concretizados em maior detalhe relativamente a cada um.

Entre as obrigações dos fabricantes, por exemplo, passou a constar o dever de indicar elementos que permitam a identificação do produto de forma visível e legível para os consumidores, podendo ser estabelecidos requisitos específicos de rastreabilidade relativamente a produtos suscetíveis de representar um risco grave para a saúde e segurança dos consumidores.

Foi também previsto um dever de informação específico para os operadores económicos em caso de venda à distância, num esforço de adaptação do regime à evolução dos mercados.

Sistema de comunicações

De forma a tornar mais eficientes as comunicações entre a Comissão, as autoridades fiscalizadoras de cada estado membro, os consumidores, os operadores económicos e, agora, os prestadores de mercados em linha, o RAPEX (Rapid Alert System for all dangerous consumer Products) é substituído pelo “Safety Gate, que integra (i) um sistema de comunicação entre as autoridades nacionais e a Comissão (“sistema de alerta rápido Safety Gate”), (ii) um sítio web de informação ao público e para apresentação de queixas (“portal do Safety Gate”) e (iii) um sítio web para as empresas cumprirem a sua obrigação de informação às autoridades e aos consumidores sobre produtos perigosos e acidentes (“Safety Business Gateway”).

Acidentes e recolha de produtos

Perante um acidente relacionado com a segurança de um produto, o fabricante tem a obrigação de o comunicar às autoridades competentes através do sistema Safety Business Gateway. Por seu lado, os importadores e distribuidores têm a obrigação de comunicar qualquer acidente de que tenham conhecimento ao fabricante para que este possa cumprir a sua obrigação de reporte.

Em caso de necessidade de recolha de produtos por razões de segurança ou de comunicação de alertas de segurança aos consumidores, os operadores económicos e os prestadores de mercados em linha asseguram que todos os consumidores afetados possam ser identificados e notificados diretamente, sem demora injustificada, de forma clara e completa. Além disso, no caso de disporem de sistemas de registo dos produtos ou programas de fidelização, devem oferecer aos consumidores a possibilidade de fornecerem dados de contacto a serem utilizados apenas para contactar os consumidores no caso de uma recolha ou de um alerta de segurança. Estão ainda previstos meios alternativos de divulgação de informações de segurança quando não seja possível informar diretamente todos os consumidores visados.

Em caso de recolha, o operador económico deve propor ao consumidor um meio de ressarcimento gratuito, que poderá ser, nomeadamente, a reparação ou a substituição do produto ou o reembolso do seu valor.

Pessoa responsável

Qualquer produto colocado no mercado da UE deve ter uma pessoa responsável, que assegure a comunicação com as autoridades fiscalizadoras dos mercados, nos termos do Regulamento (UE) 2019/1020, e que verifique regularmente o cumprimento de obrigações estabelecidas no Regulamento.

Prestadores de mercados em linha

Além das regras estabelecidas para os fabricantes, importadores, distribuidores e prestadores de serviços de execução, o Regulamento estabelece obrigações específicas para os prestadores de mercados em linha, que devem, nomeadamente:

  • Registar-se no sistema de alerta rápido Safety Gate destinado à comunicação de alertas e informações sobre produtos perigosos;
  • Designar um ponto único de contacto que permita a comunicação direta, por via eletrónica, com as autoridades de fiscalização do mercado dos estados-membros relativamente a questões de segurança dos produtos;
  • Designar um ponto único de contacto para que os consumidores possam comunicar direta e rapidamente consigo relativamente a questões de segurança dos produtos;
  • Assegurar que dispõem de processos internos para a segurança dos produtos.

Cooperação com as autoridades fiscalizadoras e reforço dos seus poderes

Os operadores económicos devem cooperar com as autoridades de fiscalização do mercado com vista à eliminação ou à redução dos riscos decorrentes dos produtos que disponibilizaram no mercado. Em particular, têm o dever de prestar informações sobre o cumprimento das suas obrigações e a rastreabilidade dos produtos colocados no mercado (a qual deve ser garantida por um período de 10 anos).

No caso de produtos colocados no mercado através de plataformas onlineos poderes das autoridades de fiscalização foram reforçados, sendo-lhes atribuído o poder de ordenar que os prestadores de mercados em linha retirem, bloqueiem o acesso ou exibam um aviso explícito na sua interface relativamente a produtos perigosos.

Os poderes das autoridades de fiscalização devem ser exercidos em cooperação entre si e com a Comissão, a nível nacional e internacional, estando previstos mecanismos para fomentar essa cooperação.

Coimas

Os estados-membros deverão aprovar as regras sobre coimas aplicáveis à violação das obrigações previstas no Regulamento e comunicá-las à Comissão até 13 de dezembro de 2024.

Relação com demais instrumentos legislativos europeus

O Regulamento tem uma vocação geral, pretendendo-se que funcione como “rede de segurança”, quando não forem aplicáveis outros regimes de proteção do consumidor com caráter específico. Neste sentido, as disposições referentes às obrigações dos prestadores de mercados em linha, às obrigações dos operadores económicos em caso de acidente, ao direito à informação e a meios de ressarcimento dos consumidores, e às recolhas de produtos por razões de segurança, deverão aplicar-se na medida em que o produto em questão não seja já abrangido por legislação de harmonização sectorial da UE.

No entanto, certas disposições do Regulamento visam complementar a legislação de harmonização sectorial da UE, devendo, por isso, aplicar-se a produtos já por esta abrangidos. O requisito de segurança geral dos produtos e obrigações conexas, por exemplo, deverá aplicar-se aos produtos de consumo já abrangidos pela legislação de harmonização da UE, mas relativamente aos quais determinados tipos de riscos não sejam ainda acautelados. Da mesma forma, as disposições que regulam o Safety Gate e respetivo funcionamento não são prejudicadas pelos demais instrumentos legislativos.