Com a entrada em vigor do sistema da patente europeia unitária e do Tribunal Unificado de Patentes, já no próximo dia 1 de junho de 2023, o contencioso europeu de patentes está prestes a viver uma mudança de paradigma com efeitos para lá das nossas fronteiras.
Por um lado, a figura da patente europeia com efeito unitário, estabelecida por força do Regulamento (UE) n.º 1257/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2012, permitirá aos titulares de patentes europeias requererem ao Instituto Europeu de Patentes que as suas patentes beneficiem de efeito unitário nos Estados-Membros participantes do regulamento. Através da produção automática de efeitos idênticos em todos os Estados‑Membros participantes, deixará de ser necessário validar a respetiva patente europeia em cada Estado-Membro e suportar os respetivos encargos administrativos, como sucede com a atual patente europeia “clássica” (i.e., sem efeito unitário).
Por outro lado, os litígios referentes a todas as patentes europeias (com e sem efeito unitário, sem prejuízo, neste último caso, da possibilidade de opt-out, conforme se referirá adiante) passarão a ser da competência exclusiva de um tribunal supraestadual – o Tribunal Unificado de Patentes –, instituído através do Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes, assinado em Bruxelas em 19 de fevereiro de 2013 e ratificado por Portugal em 28 de agosto de 2015. A criação deste tribunal tem por objetivo centralizar numa única instância especializada o enforcement dos direitos conferidos pela patente europeia com efeito unitário e pela patente europeia “clássica”, por forma a assegurar eficiência, rapidez e maior uniformidade nas decisões.
Atualmente, uma decisão de um tribunal nacional que incida sobre uma patente europeia (na perspetiva da sua infração ou invalidade) apenas produz efeitos no âmbito do território do Estado-Membro a que pertença esse tribunal, sendo que a invalidade de uma patente europeia com efeitos para todos os Estados-Membros da Convenção sobre a Patente Europeia só é possível no âmbito de um processo de oposição intentado junto do Instituto Europeu de Patentes.
Esta realidade será alterada com a entrada em vigor do Tribunal Unificado de Patentes, que é constituído: (i) por um tribunal de primeira instância, composto por uma divisão central (com sede em Paris e secções, para já, em Munique, cuja distribuição de processos será efetuada consoante o setor da patente em causa) e por divisões locais (uma das quais com sede em Lisboa) e regionais (cuja competência é aferida segundo o tipo de ação em causa); (ii) por um tribunal de recurso (com sede no Luxemburgo); e (iii) por uma secretaria. Foi, também, criado um centro de mediação e arbitragem de patentes cuja sede será em Lisboa e em Liubliana.
Este novo tribunal, composto por juízes com formação jurídica e técnica, terá competência exclusiva para, nomeadamente, apreciar os casos relativos à infração, à validade e à responsabilidade civil fundados em: (i) patentes europeias com efeito unitário; (ii) patentes europeias “clássicas”; e (iii) pedidos de patente europeia, produzindo as decisões por si proferidas efeitos diretos no território de todos os Estados-Membros contratantes em que a patente em causa esteja em vigor, sem necessidade de qualquer mecanismo adicional que permita a sua execução.
A título exemplificativo, o Tribunal Unificado de Patentes será competente para dirimir litígios relativos à infração de patentes europeias que produzam efeitos em Portugal, quando, quer o titular, quer o infrator tenham sede, estabelecimento ou domicílio em Portugal, deixando, assim, os tribunais nacionais de cada Estado‑Membro de decidir sobre matérias de infração e validade de patentes europeias. Os Estados-Membros passam, assim, a ser competentes para conhecer das ações que envolvam litígios com patentes que não estejam abrangidos pela competência exclusiva do Tribunal Unificado de Patentes, como será o caso dos processos de natureza criminal ou contraordenacional e das situações de opt-out.
Com efeito, a criação de um verdadeiro sistema unitário de patentes europeias, incluindo o respetivo sistema processual, por representar um modelo totalmente diferente daquele que existe, prevê um regime transitório para as patentes europeias “clássicas”, fornecendo ao mercado um período para adaptação ao novo sistema. Durante o período transitório de, pelo menos, sete anos após a entrada em vigor do Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes, prevê-se que, relativamente às patentes europeias “clássicas”, as ações que tenham por base a violação ou extinção da patente possam continuar a ser intentadas nos tribunais nacionais de cada Estado‑Membro, mediante exercício de um direito de opt-out por parte dos titulares dessas patentes.
Os titulares de patentes europeias “clássicas” podem exercer o seu direito de opt-out do novo sistema desde o passado dia 1 de março de 2023 e durante todo o período transitório. Para o efeito, devem notificar a sua decisão à secretaria do tribunal até um mês antes do termo do período transitório. Esta opção é passível de revogação a todo o tempo (o que consistirá, então, num direito de opt-in), desde que não tenha sido, entretanto, intentada a ação perante o tribunal nacional.
As empresas titulares de patentes europeias vêem-se, assim, obrigadas a repensar a sua estratégia e a escolher o caminho que melhor defenda os seus interesses. Por outro lado, a interação com os países que não integram o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes constitui também um fator decisivo na estratégia a equacionar e nos desafios que surgem.
A novidade deste órgão jurisdicional e as dúvidas que ainda subsistem quanto a variados aspetos substantivos (nomeadamente, no que respeita às fontes de direito e à aplicação do direito nacional de cada Estado-Membro) e processuais levam a que o Tribunal Unificado de Patentes não seja ainda encarado, pelo menos para já, como um substituto do contencioso nas várias jurisdições europeias, mas antes como um possível plus na definição da estratégia relativa às patentes.
Na jurisdição portuguesa, surge, desde logo, a questão da compatibilização entre o Acordo relativo ao Tribunal Unificado de Patentes e a Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro de 2011, que prevê regras específicas quanto a litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, em especial quanto ao cumprimento do prazo de 30 dias para instauração do respetivo processo.
Por outro lado, a implementação deste novo sistema criará desafios não apenas à indústria, mas também aos seus advogados. A este respeito, a constituição de parcerias entre escritórios de advogados de diferentes jurisdições será um fenómeno frequente, com o intuito de procurar alargar a expertise e cobrir diferentes ângulos no que respeita à assessoria ao contencioso de patentes transfronteiriço.
A equipa de Propriedade Intelectual da Morais Leitão continuará a acompanhar de perto os desenvolvimentos relativos ao Tribunal Unificado de Patentes.