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13.07.2023

Legal Alert | Regulamento Europeu das Subvenções Estrangeiras

O Regulamento (UE) 2022/2560 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2022, relativo às subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno (Foreign Subsidies Regulation, “FSR”), torna-se aplicável a partir de hoje, dia 12 de julho de 2023.
O FSR confere à Comissão Europeia novos e significativos poderes para investigar as contribuições financeiras concedidas por países terceiros a empresas ativas na União Europeia (UE), a fim de combater as distorções potencialmente causadas por subvenções estrangeiras ao mercado único europeu. O Regulamento introduz novas obrigações de notificação e de compliance para as empresas da UE que planeiem operações de M&A ou que participem em procedimentos de contratação pública.

Novas ferramentas de investigação

O FSR estabelece três novos regimes, todos aplicados pela Comissão Europeia:

  • Uma obrigação de notificação prévia de concentrações (fusões, aquisições de controlo exclusivo ou conjunto e joint ventures de pleno exercício) em que (i) o volume de negócios na UE da parte adquirida, de pelo menos uma das partes objeto de fusão ou da empresa comum seja de pelo menos 500 milhões de euros no exercício financeiro anterior e (ii) as partes na operação tenham recebido contribuições financeiras agregadas combinadas de mais de 50 milhões de euros nos três anos anteriores à assinatura dos acordos de transação relevantes;
  • Uma obrigação de notificação prévia de contribuições financeiras estrangeiras nos procedimentos de adjudicação de contratos públicos em que (i) o valor estimado do contrato seja de, pelo menos, 250 milhões de euros e (ii) a proposta envolva uma contribuição financeira estrangeira de, pelo menos, 4 milhões de euros por país terceiro nos últimos três anos. Se o valor do contrato for de pelo menos 250 milhões de euros, mas nenhuma contribuição financeira notificável tenha sido concedida às empresas em causa nos três anos anteriores, deve ser apresentada à autoridade adjudicante uma declaração para esse efeito;
  • A atribuição à Comissão do poder para iniciar investigações oficiosas quando existir a suspeita da existência de uma subvenção estrangeira, incluindo a possibilidade de solicitar notificações ad hoc relativas a concentrações e a procedimentos de contratos públicos que não atinjam os limiares de notificação obrigatória. O Regulamento aplica-se a todos os sectores e atividades económicas, mas a Comissão pode também realizar investigações de mercado em sectores específicos, ou a determinadas atividades ou instrumentos de subvenção para identificar distorções específicas.

Relativamente aos dois regimes de notificação prévia obrigatória, as empresas em causa estão sujeitas a uma obrigação de suspensão (standstill), o que significa que a operação não pode ser executada, ou o contrato público não pode ser adjudicado, até ao final da investigação da Comissão ou até ao termo do período de análise aplicável.

O FSR confere à Comissão amplos poderes de investigação e sancionatórios em caso de incumprimento, em grande medida comparáveis aos aplicáveis nos processos de direito europeu da concorrência. Em especial, a não notificação de uma concentração ou da participação num concurso público sujeito a notificação obrigatória, ou a execução da operação ou do contrato sem aguardar a autorização da Comissão (gun-jumping), pode dar origem a uma coima até 10% do volume de negócios total anual das empresas em causa.

Se a Comissão verificar que existe uma subvenção estrangeira e que esta provoca uma distorção da concorrência, deve realizar um exercício de ponderação entre os efeitos negativos da subvenção, em termos de distorção da concorrência, e os efeitos positivos da mesma, a fim de determinar as medidas de correção adequadas, aceitar compromissos (que podem incluir uma série de medidas, estruturais ou não estruturais) ou, em última análise, bloquear a operação ou o contrato. O procedimento de análise da Comissão ao abrigo do Regulamento é, em termos gerais, semelhante ao procedimento previsto no Regulamento Europeu das Concentrações, iniciando-se com uma análise preliminar, que pode ser seguida de uma investigação aprofundada se existirem indícios suficientes de que uma empresa beneficiou de uma subvenção estrangeira que distorce o mercado interno.

“Subvenção estrangeira”: um conceito muito abrangente

O FSR aplica-se a todas as “subvenções estrangeiras”, que podem ser qualquer contribuição financeira concedida direta ou indiretamente por um Estado terceiro à UE e que confere um benefício a uma empresa que exerce uma atividade económica no mercado europeu, limitada a uma ou mais empresas ou indústrias.

Trata-se de uma noção muito ampla, suscetível de criar inúmeras dúvidas às empresas. As contribuições financeiras abrangidas incluem a transferência de fundos ou de responsabilidades (tais como as injeções de capital, as subvenções diretas, os empréstimos, as garantias, o perdão de dívidas ou a compensação por encargos financeiros impostos pelas autoridades), a renúncia a receitas que de outro modo seriam devidas ao Estado (tais como isenções fiscais) e o fornecimento de bens ou a aquisição de bens e serviços. As contribuições financeiras podem ser concedidas pela administração central ou por outras autoridades públicas do Estado terceiro, bem como por uma entidade privada cujos atos sejam atribuíveis ao mesmo Estado. Só se considera que as contribuições financeiras conferem um “benefício” (e, por conseguinte, constituem uma subvenção estrangeira) se não pudessem ser obtidas em condições normais de mercado.

No entanto, ao analisar os limiares de notificação para determinar se uma transação ou um procedimento de contratação pública está sujeito a notificação obrigatória à Comissão, as partes devem ter em conta todas as contribuições financeiras concedidas por Estados terceiros nos três anos anteriores, incluindo as obtidas em condições normais de mercado.

O FSR torna-se plenamente aplicável

O FSR entrou formalmente em vigor a 12 de janeiro de 2023, principalmente para permitir a elaboração do seu Regulamento de Execução, publicado hoje no Jornal Oficial de União Europeia (Regulamento de Execução (UE) 2023/1441 da Comissão), que detalha aspetos processuais e contém os formulários de notificação para concentrações e procedimentos de contratação pública, bem como da declaração que deve ser submetida no caso dos procedimentos de contratação acima de 250 milhões de euros em que não tenha sido concedida qualquer contribuição financeira notificável às empresas em causa.
O FSR é aplicável a partir de hoje, 12 de julho de 2023, e as obrigações de notificação apenas serão aplicáveis a partir de 12 de outubro de 2023 (certos aspetos das inspeções realizadas nos Estados-Membros e a sua aplicação pelas autoridades serão aplicáveis a partir de 12 de janeiro de 2024).

O FSR não é aplicável às concentrações em que o acordo relevante tenha sido celebrado antes de 12 de julho de 2023. No entanto, a Comissão esclareceu que as concentrações em que o acordo for celebrado depois de 12 de julho, mas que não se encontram fechadas até 12 de outubro, estão sujeitas a notificação se os limiares relevantes forem atingidos.

Implicações práticas

O FSR impõe obrigações de compliance significativas sobre as empresas que exercem a sua atividade na UE e em países terceiros. Ao considerar uma potencial transação de M&A ou a participação num procedimento de contratação pública, as empresas devem analisar se os limiares de notificação estão preenchidos, considerando, em particular, todas as contribuições financeiras concedidas por países terceiros nos três anos anteriores, uma vez que a violação das obrigações de notificação e stand-still expõe as partes ao risco de coimas elevadas e outras consequências negativas sérias. Se aplicável, uma notificação ao abrigo do Regulamento poderá correr em paralelo a outras autorizações regulatórias que sejam exigíveis à transação em causa, tais como notificações em matéria de controlo de concentrações, incluindo à própria Comissão Europeia ao abrigo do Regulamento Europeu das Concentrações.

As empresas participantes em procedimentos de contratação pública que preencham os limiares do Regulamento devem igualmente assegurar que o formulário de notificação é apresentado à autoridade adjudicante, ou, se não tiver sido concedida qualquer contribuição financeira nos três anos anteriores, devem entregar a respetiva declaração.

A recolha de informação sobre contribuições financeiras recebidas no passado por sociedades do mesmo grupo em países terceiros pode ser onerosa e levantar uma série de dúvidas práticas. Por esta razão é aconselhável que as empresas mantenham um registo de todas as contribuições financeiras, provenientes direta ou indiretamente de fontes estatais em países terceiros, que tenham sido obtidas por qualquer sociedade do mesmo grupo empresarial.