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01.07.2013

Modelo Continente autorizada pela Autoridade da Concorrência a adquirir rede de supermercados na Madeira com base no argumento da falência iminente

No passado dia 2 de Maio de 2013, a Autoridade da Concorrência (“AdC”) autorizou uma operação de concentração relativa à aquisição, pela Modelo Continente Hipermercados, S.A. (“MCH”), de 9 supermercados de insígnia Hiper Sá (“Hiper Sá”), localizados na Ilha da Madeira, propriedade da sociedade Jorge Sá, S.A..

Tratou-se da primeira operação de concentração, no mercado nacional, a ser autorizada pela AdC exclusivamente com base na comummente designada “failing firm defence”, entre nós (re) denominado pela AdC como “argumento da falência iminente”.


Em que consiste o argumento da falência iminente?

Uma operação de concentração sujeita a notificação prévia é autorizada se da sua análise se concluir que ela não é susceptível de criar entraves significativos à concorrência efectiva no mercado. A análise levada a cabo incide especificamente sobre a alteração das condições de concorrência introduzida pela concentração, por comparação com a situação de mercado na sua ausência, isto é, por comparação com um cenário hipotético alternativo também designado “contrafactual” (do inglês “counterfactual”).

Ora, quando uma operação de concentração envolve uma empresa em risco de saída iminente do mercado devido a dificuldades financeiras, o contrafactual adequado não será a situação vigente no momento da concentração mas sim um cenário (alternativo), que tenha em consideração a saída da empresa do mercado em análise. Nisto consiste o argumento da falência iminente.

Para que o argumento seja efectivamente atendível exige-se prova de certas condições ou requisitos que a AdC reconduz aos seguintes pontos essenciais: (i) a empresa-alvo encontra-se efectivamente em dificuldades financeiras e (ii) não existem cenários alternativos com um impacto menos gravoso para a concorrência.


O argumento da falência iminente, na prática...

A Jorge Sá, SA é a sociedade-mãe de um grupo madeirense que desenvolve há várias décadas uma operação de retalho de base alimentar de sucesso à escala regional, assente em diferentes formatos e insígnias. Ao longo dos últimos dois anos, porém, a situação económica e financeira do Grupo Sá vinha-se degradando de forma considerável e, em Novembro de 2012, a sociedade foi submetida a Processo Especial de Revitalização (“PER”).

Para além do Grupo Sá, contam-se entre os principais operadores retalhistas de base alimentar na ilha da Madeira a MCH (Adquirente/Notificante na concentração referida) e a cadeia Pingo Doce. O restante aparelho retalhista “moderno” está distribuído entre supermercados da cadeia Spar (a operar, fundamentalmente, no Concelho do Funchal) e por outros operadores de pequena dimensão. A concentração notificada revestia, pois, natureza horizontal e envolvia dois dos três principais players do mercado. Os mercados locais relevantes apresentavam-se como muito concentrados e os 3 principais operadores constituíam concorrentes próximos entre si.

Uma análise da concentração notificada tendo em conta a situação de mercado existente previamente à concentração apontava, assim, para a susceptibilidade de a mesma dar origem a sérias preocupações jusconcorrenciais, atento o efeito de “eliminação” um dos principais concorrentes do mercado e a sua aquisição, por um dos concorrentes mais próximos (a MCH). No entanto, a apreciação da situação económico-financeira do Grupo Sá pôs em evidência a necessidade de uma apreciação dos efeitos reais da concentração por referência a um contrafactual bem distinto, atentas as efectivas dificuldades financeiras da empresa em questão e a inexistência de cenários alternativos menos gravosos.

Com efeito, a sociedade alienante debatia-se com uma evidente incapacidade para cumprir as suas obrigações legais perante fornecedores e trabalhadores, para obter financiamento e para assegurar a manutenção em funcionamento dos seus estabelecimentos comerciais. A circunstância de a sociedade ter sido sujeita um PER, embora fortemente indicativa de tais dificuldades financeiras poderia não ser, em si mesma, conclusiva, uma vez que o PER se destina, em primeira linha, a criar condições para a recuperação da empresa. No caso em apreço porém - e conforme a AdC teve oportunidade de apurar mediante várias diligências realizadas na fase de instrução do procedimento - essa recuperação tinha como pilar essencial a concretização do negócio notificado de tal modo que, sem ele, a sociedade seria alvo de um processo de insolvência.

Por outro lado, a informação factual quanto à performance dos estabelecimentos–alvo demonstrava que os mesmos vinham sofrendo uma diminuição drástica das suas vendas, uma degradação evidente das suas condições de exploração, agravada pela incapacidade do Grupo Sá conseguir assegurar a sua manutenção em funcionamento: dos 9 estabelecimentos alvo, 4 estavam já encerrados aquando da notificação da concentração e 3 outros foram encerrados na pendência do processo, fruto de dívidas acumuladas junto do fornecedor de electricidade (que resultaram no corte do fornecimento de energia eléctrica).

Verificada a existência de uma situação de efectivas dificuldades financeiras, restava apurar da inexistência, in casu, de alternativas menos restritivas à aquisição notificada. Ora, os acontecimentos recentes e anteriores ao PER indicavam que o Grupo Sá não havia logrado obter quaisquer ofertas alternativas da parte de (vários) outros operadores retalhistas contactados para o efeito nem havia conseguido implementar soluções alternativas (à alienação definitiva dos estabelecimentos-alvo). Não obstante esse dado “histórico”, a AdC entendeu dever levar a cabo um conjunto de diligências destinadas a averiguar directamente, junto de operadores concorrentes reputados como alternativas menos gravosas, do seu eventual interesse em adquirir parte ou a totalidade dos estabelecimentos-alvo na operação de concentração em análise, ou os activos associados sem ter recebido, contudo, qualquer manifestação de interesse credível nesse sentido.

Numa outra vertente, verificava-se que a redução acentuadíssima das vendas dos estabelecimentos-alvo e o posterior encerramento da maioria deles (fenómenos exógenos à concentração notificada) havia criado já, no mercado, uma situação de transferência da procura, dos estabelecimentos-alvo para os estabelecimento comerciais da Notificante e do seu principal concorrente. Os cálculos da Notificante quanto aos rácios de “diversão” (ou seja, de transferência) reais e estimados indicavam que uma parte muito significativa das vendas perdidas dos estabelecimentos-alvo havia sido já transferida para os estabelecimentos da Notificante ou do seu principal concorrente.

Por outro lado ainda, o cenário alternativo de aquisição dos activos no âmbito de um processo de insolvência (isto é, caso se gorasse o PER) e a sua reabertura ao público a curto prazo revelava-se implausível e meramente teórico, face à informação disponível no processo.

Assim sendo, o contrafactual relevante para apreciação dos efeitos da concentração - de falência do grupo Sá – caracterizava-se por uma situação de disrupção do fornecimentos nos mercados relevantes, dispersão dos clientes pelos operadores concorrentes, diminuição da qualidade do serviço, desvalorização e deterioração do activos e um efeito de arrastamento susceptível de colocar em causa as restantes lojas de retalho alimentar do grupo Sá (não implicadas na concentração). Perante este contrafactual, concluiu-se que a operação notificada não seria susceptível de criar entraves significativos à concorrência nos mercados relevantes de distribuição retalhista alimentar, tendo a mesma sido aprovada pela AdC.