Normas legais disciplinadoras dos procedimentos necessários à aplicação da lei dos compromissos e dos pagamentos em atraso
O Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de Junho, visa estabelecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14.º da designada “Lei dos Compromissos” (Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro1 ), as normas legais disciplinadoras dos procedimentos necessários à aplicação desta lei e à operacionalização da prestação de informação, aplicáveis às entidades previstas no art. 2.º da Lei dos Compromissos2 .
O presente diploma vem reiterar nalgumas matérias o que já se encontrava vertido na Lei dos Compromissos, salientando que as entidades públicas apenas podem assumir compromissos financeiros3 na medida dos fundos que têm disponíveis4 (cfr. art. 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 127/2012), cuja verificação é realizada através de declarações electrónicas emitidas pelas respectivas entidades (cfr. art. 7.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 127/2012), e desde que tenham sido preenchidos os seguintes requisitos, sob pena destes compromissos virem a ser considerados nulos:
(i) Verificação da conformidade legal e da regularidade financeira das despesas, nos termos da lei;
(ii) Registo no sistema informático de apoio à execução orçamental;
(iii) Emissão de um número de compromisso válido e sequencial que é reflectido na ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente.
No que respeita aos contratos com duração limitada ao ano civil, independentemente da sua forma e natureza jurídica, a assunção de compromissos deve ser efectuada pelo seu valor integral aquando da outorga do respectivo contrato, emissão da ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente. Se o montante a pagar não puder ser determinado no momento da celebração do contrato, nomeadamente, por depender dos consumos a efectuar pela entidade adjudicante, a assunção do compromisso far-se-á pelo montante efectivamente a pagar no período de determinação dos fundos disponíveis.
A assunção de compromissos respeitantes a despesas urgentes e inadiáveis pode ser efectuada até às 48 horas posteriores à realização da despesa desde que (i) devidamente fundamentadas e que (ii) não exceda o montante de € 5.000,00 por mês (tratando-se de despesas do mesmo tipo ou natureza), ou no prazo de 10 dias após a realização da despesa se estiver em causa o excepcional interesse público ou a preservação da vida humana.
A autorização prévia dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da tutela para a assunção de compromissos plurianuais5 , é efectuada da seguinte forma:
(i) nas situações em que a assunção de compromissos plurianuais depende de portaria de extensão de encargos, mediante aprovação e assinatura desta portaria ou do despacho que excepciona o cumprimento do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, a que se refere o n.º 7 deste artigo;
(ii) nas situações que não se encontrem previstas na alínea anterior, mediante despacho genérico, conjunto ou individual, pelos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e da tutela.
A assunção de compromissos plurianuais no caso dos institutos públicos de regime especial, das instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional e das entidades públicas empresariais que não tenham quaisquer pagamentos em atraso, e que apenas envolvam receitas próprias, é da competência do respectivo órgão de direcção.
O presente diploma vem ainda clarificar que as despesas com pessoal, independentemente da natureza do vínculo, estão excluídas do âmbito de aplicação do art. 6.º, n.º 1 da Lei dos Compromissos.
Especialmente relevante é a previsão contida no art. 12.º do presente diploma que permite que a assunção de compromissos plurianuais dos municípios seja efectuada aquando da aprovação dos planos plurianuais de investimento.
No que respeita a entidades com pagamentos em atraso6 , o presente diploma vem clarificar que no final de cada mês os pagamentos em atraso não podem ser superiores aos verificados no final do mês anterior7 .
Neste contexto, o presente diploma vem ainda prever que a aplicação do art. 8.º da Lei dos Compromissos8 se suspende em relação às entidades beneficiárias de programas de assistência económica até à conclusão dos mesmos. Na execução de programas de assistência económica as entidades beneficiárias não podem aumentar o valor global dos pagamentos em atraso, sob pena de aplicação de multa mensal e progressiva quando perfaçam um montante igual ou superior a € 500,00.
Em matéria de prestação de informação, as entidades previstas no art. 2.º da LEO, e as entidades públicas do Serviço Nacional de Saúde, devem proceder mensalmente ao registo de informação sobre fundos disponíveis, compromissos assumidos, saldo inicial das contas a pagar, movimento mensal e saldo das contas a pagar a transitar para o mês seguinte e pagamentos em atraso no suporte informático das instituições referidas no art. 7.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 127/2012.
Porém, atenta a necessidade de simplificação de procedimentos e reconhecimento de boas práticas, as entidades que não tenham pagamentos em atraso estão isentas do cumprimento do dever de prestação de informação respeitante a fundos disponíveis.
Acresce ainda que as entidades com pagamentos em atraso verificados a 31 de Dezembro de 2011 e entre 1 de Janeiro e 21 de Fevereiro de 2012 estão obrigadas a elaborar um plano de liquidação de pagamentos em atraso com a indicação dos montantes a liquidar em cada período9, o qual terá um prazo máximo de 5 anos, podendo ser alargado até ao limite de 10 anos, desde que 50% da dívida seja paga em prazo não superior a 5 anos, nos casos em a entidade demonstre, justificadamente e em termos claros e inequívocos, que aquele prazo irá conduzir ao incumprimento da Lei dos Compromissos. As entidades que beneficiem do programa extraordinário de regularização de dívidas do Serviço Nacional de Saúde, apenas são obrigadas a apresentar um plano de liquidação após o termo daquele programa.
Por último, estabelece-se um prazo transitório de 45 dias seguidos para a adaptação ou aquisição dos sistemas informáticos necessários para a execução do presente diploma e da Lei dos Compromissos10. Durante este período o registo dos fundos disponíveis (cfr. art. 5.º, n.º 3 da Lei dos Compromissos) far-se-á mediante a inserção manual do número de compromisso sequencial na ordem de compra ou em documento equivalente.
Notas
- A Lei dos Compromissos vem estabelecer regras apertadas em matéria de assunção de compromissos financeiros por parte das entidades a ela sujeitas, com vista a evitar o atraso nos pagamentos, bem como a assunção de compromissos que não têm capacidade de satisfazer.
- A Lei dos Compromissos aplica-se às entidades previstas no art. 2.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto e às entidades públicas do Serviço Nacional de Saúde. Nos termos do respectivo art. 2.º, n.º 1 da LEO, este diploma aplica-se ao Orçamento de Estado, que abrange, dentro do sector público administrativo, os orçamentos do subsector da administração central, incluindo os serviços e organismos que não dispõem de autonomia administrativa e financeira, os serviços e fundos autónomos e a segurança social, bem como às correspondentes contas. Os princípios veiculados neste diploma também são aplicáveis aos subsectores regional e local, incluindo as entidades públicas reclassificadas nestes subsectores. O n.º 5 do art. 2.º da LEO considera integrados no sector público administrativo, como serviços e fundos autónomos, nos respectivos subsectores da administração central, regional e local e da segurança social, as entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsector no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do orçamento.
- Nos termos do art. 3.º, alínea a) da Lei dos Compromissos entende-se por compromissos “as obrigações de efectuar pagamentos a terceiros em contrapartida do fornecimento de bens e serviços ou da satisfação de outras condições.”
- Também o conceito de fundos disponíveis é clarificado, admitindo-se no seu objecto, como já o fazia a Lei dos Compromissos, as transferências ainda não efectuadas decorrentes de programas e projectos do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e, bem assim, de outros programas estruturais, correspondentes a pedidos de pagamento submetidos nas plataformas electrónicas dos respectivos programas, desde que a entidade beneficiária não tenha tido, nos últimos seis meses, uma taxa de correcção dos pedidos de pagamento submetidos igual ou superior a 10%. Acresce que, integram ainda o conceito de fundos disponíveis os saldos transitados do ano anterior, cuja utilização tenha sido autorizada e os recebimentos em atraso existentes entre as entidades abrangidas pela Lei dos Compromissos, desde que integrados em plano de liquidação de pagamentos em atraso da entidade devedora no respectivo mês de pagamento.
- Nos termos do art. 3.º, alínea b) da Lei dos Compromissos entende-se por “compromissos plurianuais” os compromissos que constituem obrigação de efectuar pagamentos em mais do que um ano económico.
- Nos termos do art. 4.º, n.º 2, do presente diploma exclui-se do conceito de pagamentos em atraso (cfr. art. 3.º, alínea e) da Lei dos Compromissos): (i) os pagamentos objecto de impugnação judicial até que sobre eles seja proferida decisão final e executória; (ii) as situações de impossibilidade de cumprimento por acto imputável ao credor e (iii) os montantes objecto de acordos de pagamento desde que o pagamento seja efectuado dentro dos prazos acordados.
- O art. 7.º da Lei dos Compromissos determina que a execução orçamental não pode conduzir, em qualquer momento, a um aumento dos pagamentos em atraso acumulados face ao valor existente no mês anterior.
- Note-se que este preceito normativo determina que as entidades com pagamentos em atraso em 31 de Dezembro de 2011 estão sujeitas às seguintes limitações/obrigações, as quais cessam somente quando as referidas entidades deixem de ter pagamentos em atraso: i) A previsão da receita efectiva própria a cobrar nos três meses seguintes tem como limite superior 75% da média da receita efectiva cobrada nos dois últimos anos nos períodos homólogos, deduzida dos montantes de receita com carácter pontual ou extraordinário; ii) Apresentação de um plano de liquidação de pagamentos até 90 dias após a entrada em vigor da Lei dos Compromissos, à Direcção-Geral do Orçamento e nos casos da administração local, à Direcção-Geral da Administração Local.
- A informação relativa aos mapas de liquidação dos pagamentos deve encontrar-se actualizada, com a identificação dos credores originários, o montante total a pagar, os pagamentos previstos, os executados em cada ano e, caso os montantes a pagar sejam cedidos a entidades financeiras, as informações relativas às condições de cedência e respectiva modalidade.
- A Lei dos Compromissos implica que as entidades a ela sujeitas se dotem de sistemas informáticos nos quais são registados os fundos disponíveis, os compromissos, os passivos, as contas a pagar e os pagamentos em atraso e de sistemas de contabilidade de suporte à execução do orçamento, de modo a emitir um número de compromisso válido, único e sequencial que será reflectido na respectiva ordem de compra ou documento equivalente. Sem este número de compromisso o contrato ou a obrigação são nulos (o efeito anulatório pode ser afastado por decisão judicial ou arbitral quando se conclua que a anulação se revela desproporcionada ou contrária à boa fé).