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30.12.2014

Nova Diretiva europeia fomenta as ações de indemnização pelos danos resultantes de práticas restritivas da concorrência

Em 5 de dezembro de 2014 foi publicada a Diretiva 2014/104/ EU do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados-Membros e da União Europeia (a “Diretiva”). A Diretiva, que deverá ser transposta até 27 de dezembro de 2016, visa promover a aplicação privada do direito da concorrência e facilitar o recurso a ações judiciais pelos lesados por práticas restritivas da concorrência, de modo a assegurar o seu direito à reparação plena dos danos sofridos.

A Diretiva introduz um conjunto de importantes inovações que, no caso de muitos Estados-membros, implicarão alterações a regras processuais e substantivas de direito nacional. Assume especial relevo o regime da Diretiva nas seguintes matérias: divulgação de elementos de prova; efeito vinculativo das decisões definitivas das autoridades nacionais de concorrência; prescrição do direito a indemnização; responsabilidade solidária dos infratores; presunção de dano em casos de cartel.

No que toca ao acesso a elementos de prova, os tribunais nacionais podem ordenar a divulgação de elementos (ou categorias de elementos) de prova relevantes que estejam na posse dos réus ou de terceiros. No entanto, a divulgação dos elementos de prova deve ser proporcional e, para além disso, a pretensão indemnizatória deve ser plausível. Por outro lado, o lesado deve caraterizar os elementos de prova pretendidos da forma mais precisa e estrita possível, não bastando uma descrição genérica dos documentos em causa.

Os elementos de prova incluídos no processo de uma autoridade da concorrência são objeto de uma proteção específica. Nalguns casos, como os das declarações de clemência e das propostas de transação, nunca é permitida a sua divulgação, para salvaguardar a eficácia do regime de clemência como instrumento de deteção e investigação de cartéis (embora esta proteção não se estenda aos documentos preexistentes que instruam o pedido de clemência, por exemplo, o que pode levantar problemas práticos importantes).

Um aspeto determinante da Diretiva é que esta confere efeito vinculativo às decisões definitivas das autoridades da concorrência que reconheçam a existência de uma infração – ou seja, perante os respetivos tribunais nacionais, a violação dos artigos 101.º ou 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) passa a considerar-se “irrefutavelmente estabelecida”. Caso se trate de uma decisão de uma autoridade de outro Estado-membro, a mesma deve ser aceite como prova indiciária (prima facie) da infração.

Em matéria de prescrição do direito de indemnização dos lesados, a Diretiva estabelece que o prazo não começa a correr (i) antes de cessar a infração e (ii) antes do lesado ter (ou se poder presumir que teve) conhecimento da mesma. Para além disso, o prazo de prescrição para propor a ação de indemnização não pode ser inferior a 5 anos e deve permanecer suspenso durante a pendência da investigação pela autoridade da concorrência (a suspensão só pode terminar decorrido, no mínimo, 1 ano sobre a conclusão do processo).

Entre as inovações introduzidas pela Diretiva poderão destacar-se ainda, por um lado, a responsabilidade solidária dos infratores em casos de cartel pela reparação integral dos danos causados (com exceção dos beneficiários de dispensa de coima, que beneficiam de uma limitação à sua responsabilidade), e, por outro, a presunção ilidível de dano como resultado normal da ocorrência de um cartel (presunção que, naturalmente, não se estende à quantificação do próprio dano).

Estas e outras soluções introduzidas pela Diretiva contribuirão, seguramente, para incentivar o recurso pelos lesados a ações judiciais visando a indemnização pelos danos causados por violações das regras da concorrência (artigos 101.º e 102.º do TFUE), reforçando a aplicação privada do direito da concorrência através de soluções equivalentes para o acesso aos tribunais nos vários Estados-membros.