No início de 2015, o Tribunal Geral da União Europeia (“TGUE” ou a um recurso de anulação de uma decisão da Comissão Europeia que indeferiu um pedido de tratamento confidencial apresentado pela Akzo Nobel e outras empresas condenadas por uma infração ao direito da concorrência.
Esta decisão assume particular relevância, já que é a primeira vez que o TGUE fornece indicações sobre o equilíbrio entre a publicação de versões públicas de decisões de cartéis e a proteção de segredos de negócio.
Em causa estava a publicação de uma versão não confidencial mais detalhada (i.e. divulgando mais informação) da decisão condenatória, não obstante uma primeira versão ter sido já publicada. As empresas opuseram-se à publicação pelo facto de esta prejudicar gravemente os seus interesses, já que a versão mais detalhada conteria um grande número de informações fornecidas no âmbito de um pedido de clemência relativo a um cartel.
Não obstante a Comissão ter mantido confidencial a fonte das informações, considerou que não se justificava estender a confidencialidade às próprias informações comunicadas. Perante o indeferimento do seu pedido de confidencialidade, as empresas visadas invocaram junto do TGUE a violação do dever de confidencialidade e das suas expectativas legítimas.
Em primeiro lugar, alegaram que a nova publicação viola o dever de confidencialidade, dado que as informações em causa foram comunicadas voluntariamente à Comissão no âmbito do programa de clemência, devendo por isso beneficiar de proteção contra a sua divulgação.
Em segundo lugar, as empresas sustentaram que a decisão impugnada, ao autorizar a publicação de uma versão não confidencial da decisão contendo informações que apresentaram voluntariamente no âmbito do programa de clemência, violava as suas expectativas legítimas, já que lhes foi garantida a confidencialidade daquelas informações. Além disso, já tinha sido publicada anteriormente uma versão não confidencial da decisão.
Para responder ao primeiro argumento, o Tribunal, enunciou três requisitos necessários à proteção da confidencialidade das informações: (i) o conhecimento das informações por um número restrito de pessoas; (ii) a possibilidade de a sua divulgação causar um prejuízo sério a quem as forneceu, ou a terceiros; e (iii) os interesses suscetíveis de serem lesados pela divulgação das informações serem objetivamente dignos de proteção. Dando como provados os dois primeiros requisitos, o Tribunal sustentou a propósito do terceiro que “o interesse de uma empresa à qual a Comissão aplicou uma coima por violação do direito da concorrência em que os detalhes do seu comportamento ilícito não sejam divulgados ao público não merece nenhuma proteção especial”, quando confrontado com o interesse do público em conhecer os motivos das ações da Comissão, o interesse dos operadores económicos em saber que comportamentos são sancionados e o dos lesados pela infração de forma a poderem exercer os seus direitos (a serem indemnizados pelos prejuízos sofridos, nomeadamente) contra as empresas punidas. O Tribunal acrescentou que a publicação de uma versão não confidencial das decisões da Comissão que contenha informações transmitidas voluntariamente no âmbito de um programa de clemência não é alheia ao motivo pela qual as referidas informações foram obtidas.
Relativamente ao segundo argumento, o Tribunal conclui que, ainda que a prática administrativa anterior possa ter criado expectativas nas empresas, estas não podiam adquirir qualquer confiança legítima na sua manutenção. Assim, o simples facto de a Comissão ter publicado uma primeira versão não confidencial da decisão e de não a ter qualificado como provisória não confere nenhuma garantia de que não seria posteriormente publicada uma nova versão não confidencial mais pormenorizada. Deste modo, não se tendo a Comissão obrigado especificamente a não publicar uma nova versão não confidencial contendo mais informação, as empresas não podem arguir a violação das suas expectativas.
Esta decisão reforça a ampla margem de apreciação da Comissão relativamente à publicação das suas decisões, sendo que as informações fornecidas pelas empresas em programas de clemência não devem ser automaticamente consideradas confidenciais. Assim, o alcance dessa proteção terá sempre que ser compatibilizado com o interesse legítimo na divulgação dos factos que constituíram a infração.
Este artigo foi escrito em coautoria pelos advogados Gonçalo Machado Borges e Miguel Cortes Martins.
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1 Caso T-345/12 - Akzo Nobel NV e Outros/Comissão Europeia.