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01.04.2016

O Acórdão TJUE C-505/14 Klausner Holz — O princípio da efetividade do direito da UE em auxílios de Estado

A 11 de novembro de 2015, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“Tribunal de Justiça” ou “TJUE”) foi confrontado com um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Münster (Tribunal Regional de Münster), relativo à interpretação dos artigos 107.º TFUE e 108.º TFUE, bem como do princípio da efetividade. O pedido foi submetido no âmbito de um litígio entre a Klausner Holz Niedersachsen GmbH (“Klausner Holz”) e o Land Nordrhein Westfalen (“Land”), a respeito da não execução, pelo Land, de contratos de fornecimento de madeira celebrados com a Klausner Holz.

Na origem do litígio está um contrato de fornecimento de madeira nos termos do qual o Land comprometia se a vender à Klausner Holz quantidades fixas de madeira, a preços previamente determinados em função da dimensão e da qualidade da madeira e a não efetuar outras vendas a preços inferiores aos fixados no contrato. Foi também celebrado um “contrato-quadro de compra e venda” que completava o contrato previamente celebrado entre as duas partes.

Entre 2007 e 2008 verificaram-se significativos percalços no cumprimento do contrato, já que as quantidades previstas de compra de madeira fornecidas pelo Land não foram alcançadas, tendo a Klausner Holz passado também por dificuldades financeiras que originaram atrasos de pagamento. Assim, em agosto de 2009, o Land denunciou “o contrato quadro de compra e venda”, deixando de fornecer madeira à Klausner Holz, nas condições previstas nos contratos.

Confrontada com a denúncia do contrato, a Klausner Holz recorreu aos tribunais que, quer em primeira instância, quer em sede de recurso, declararam que os contratos em causa continuavam em vigor. No seguimento destas decisões, a Klausner Holz intentou no Landgericht Münster uma ação contra o Land pedindo o pagamento de uma indemnização por perdas e danos resultantes de fornecimentos de madeira não efetuados, o fornecimento das quantidades de madeira em falta e a prestação de informações sobre as condições financeiras constantes de contratos celebrados entre os cinco maiores compradores de madeira e o Land no período de 2010 a 2013. Por sua vez, o Land alegou perante o órgão jurisdicional de reenvio que o direito da União se opõe à execução dos contratos celebrados com a Klausner Holz, na medida em que estes constituem “auxílios concedidos pelos Estados”, na aceção do artigo 107.º, n.º 1, TFUE, executados em violação do artigo 108.º, n.º 3, terceiro período, TFUE.

Embora o Landgericht Münster tenha concluído que os contratos celebrados entre a Klausner Holz e o Land constituem efetivamente um auxílio de Estado, este considerou se impedido de retirar as devidas consequências da violação do artigo 108.º, n.º 3, terceiro período, TFUE, devido ao acórdão do tribunal de recurso que havia declarado que os contratos em causa continuavam em vigor, revestindo esta decisão autoridade de caso julgado. Nestes termos, o Landgericht Münster submeteu ao TJUE a seguinte questão: “O direito [da União] – nomeadamente os artigos 107.° [TFUE] e 108.° TFUE [...] e o princípio da efetividade – exige, num litígio em matéria de direito civil, sobre a execução de um contrato de direito civil que concede um auxílio, que não seja tido em conta um acórdão declarativo cível, proferido no âmbito do mesmo litígio e transitado em julgado, que confirma a validade do contrato de direito civil sem analisar as normas sobre auxílios, quando, de acordo com o direito nacional, a execução do contrato não pode ser evitada de outra forma?

Uma regra nacional que impede o juiz nacional de retirar todas as consequências da violação do artigo 108.°, n.°3, terceiro período, TFUE em razão de uma decisão judicial nacional com autoridade do caso julgado, que é proferida a propósito de um litígio que não tem o mesmo objeto e que não é relativo à natureza de auxílio de estado dos contratos em causa, deve ser julgada incompatível com o princípio da efetividade.

O Tribunal de Justiça começou por recordar que “os órgãos jurisdicionais nacionais devem garantir aos particulares que serão retiradas todas as consequências da violação do artigo 108.°, n.º 3, terceiro período, TFUE.” Neste sentido, o Tribunal de Justiça considerou que o Landgericht Münster atuou corretamente ao identificar a violação à disposição acima enunciada, não esquecendo porém a força de caso julgado do acórdão do tribunal de recurso que confirmou a validade dos contratos celebrados entre a Klausner Holz e o Land.

Por outro lado, o TJUE relembrou que o direito da União não obriga um tribunal nacional a afastar a aplicação de regras processuais internas que confiram força de caso julgado a uma decisão judicial, ainda que a desconsideração dessas regras permitisse sanar a violação do direito da União por essa decisão judicial. Neste campo, tem prevalência o princípio da autonomia processual dos Estados-Membros, devendo apenas as normas que regulam a aplicação do princípio da autoridade do caso julgado não ser “menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade)”.

Tentando aflorar o alcance do princípio da efetividade, o TJUE argumenta que uma interpretação do direito nacional como a que é feita no presente caso, “pode ter por consequência que sejam atribuídos efeitos a uma decisão de um órgão jurisdicional nacional [...] que frustrem, nesse litígio, a aplicação do direito da União, na medida em que impossibilitaria os órgãos jurisdicionais de cumprirem a obrigação de garantir o respeito do artigo 108.°, n.º 3, terceiro período, TFUE.” Por conseguinte, continua o Tribunal de Justiça, “(...) tanto as autoridades estatais como os beneficiários de um auxílio de Estado poderiam contornar a proibição estabelecida no artigo 108.º, n.º3, terceiro período, TFUE, obtendo, sem invocar o direito da União em matéria de auxílios de Estado, uma decisão declarativa cujo efeito lhes permitiria, em definitivo, continuar a executar o auxílio de Estado em causa, durante vários anos.”

Concluiu assim o TJUE que “uma regra nacional que impede o juiz nacional de retirar todas as consequências da violação do artigo 108.°, n.º 3, terceiro período, TFUE em razão de uma decisão judicial nacional com autoridade do caso julgado, que é proferida a propósito de um litígio que não tem o mesmo objeto e que não é relativo à natureza de auxílio de Estado dos contratos em causa, deve ser julgada incompatível com o princípio da efetividade.”

Deste acórdão é possível retirar importantes directrizes para a composição do equilíbrio entre o princípio da segurança jurídica, na figura da força de caso julgado, e o princípio da efetividade do direito da União. O Tribunal de Justiça, embora respeitando a natural autonomia processual dos Estados-Membros, entende que a determinação das modalidades de aplicação do caso julgado e a sua projeção no direito nacional não podem ter como consequência a total inobservância e desconsideração dos direitos e garantias conferidos pelo direito da União.

Este artigo é da autoria dos advogados Gonçalo Machado Borges e Miguel Cortes Martins.