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01.05.2015

O Tribunal de Justiça rejeita a adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem

O Projeto de Acordo de Adesão (Acordo de Adesão) da União Europeia (UE) à Convenção Europeia para os Direitos do Homem (CEDH) foi rejeitado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pelo parecer n.º 2/13, de 18 de dezembro de 20141.

O Acordo de Adesão tem na sua base a decisão do Conselho, de 4 de junho de 2010, que autorizou a abertura das negociações relativas à adesão da UE à CEDH, tendo por instituição negociadora a Comissão Europeia. Em 5 de abril de 2013 as negociações encetadas conduziram a um acordo ao nível dos negociadores da adesão sobre os instrumentos de adesão e, nesse âmbito, a Comissão Europeia solicitou, em 4 de julho de 2013, ao TJUE um parecer, ao abrigo do artigo 218.º, n.º 112, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), sobre a compatibilidade do Acordo de Adesão com os Tratados.

O TJUE, no seu parecer, após recordar que a ausência de base jurídica para a adesão da União à CEDH foi suprida pelo artigo 6.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia3 (TUE), na redação que resulta do Tratado de Lisboa, sedimenta vários fundamentos de direito que invalidam o Acordo de Adesão.

Em primeiro lugar, o Acordo de Adesão à CEDH faria com que a União passasse a estar sujeita a uma fiscalização externa, ficando a UE e as suas instituições, incluindo o Tribunal de Justiça e correlativas decisões judiciais, sujeitas aos mecanismos de fiscalização previstos na Convenção Europeia. Neste particular o TJUE entende que o Acordo de Adesão prejudicaria a autonomia da ordem jurídica da União, passando o Tribunal de Justiça a estar vinculado, por força do direito internacional, às decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), enquanto que o inverso não sucederia (sujeição do TEDH às decisões do TJUE). Neste passo o TJUE refere que “em especial, as apreciações do Tribunal de Justiça relativas ao âmbito de aplicação material do direito da União, para efeitos, designadamente, de determinar se um Estado-membro está obrigado a respeitar os direitos fundamentais da União, não deveriam ser postas em causa pelo TEDH” (n.º 186).

O TJUE também salienta, com fundamento no princípio da confiança legítima, que “na medida em que a CEDH, ao impor que a União e os Estados-membros sejam considerados Partes Contratantes não só nas suas relações com as partes que não são Estados-membros da União mas também nas suas relações recíprocas, incluindo quando essas relações se regem pelo direito da União, exigiria que um Estado-membro verificasse o respeito dos direitos fundamentais por outro Estado-Membro, apesar de o direito da União impor a confiança mútua entre esses Estados-membros, [termos em que] a adesão é suscetível de comprometer o equilíbrio em que a União se funda, bem como a autonomia do direito da União” (n.º 194).

De igual modo com base nas regras da CEDH (Protocolo n.º 16) que autorizam as mais altas instâncias judiciárias dos Estados-Membros a dirigirem ao TEDH pedidos de parecer consultivos sobre questões associadas à interpretação ou à aplicação dos direitos e liberdades reconhecidos pela CEDH, o TJUE conclui que tais pedidos de parecer poderiam afetar a autonomia e eficácia do processo de reenvio prejudicial do artigo 267.º do TFUE, que confere a competência ao TJUE para decidir sobre a interpretação dos Tratados e sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

Com fundamento no artigo 344.º do TFUE (“Os Estados-membros comprometem-se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação dos Tratados a um modo de resolução diverso dos que nele estão previstos”), o TJUE refere cumulativamente que o Acordo de Adesão não prevê que as regras da CEDH sejam inaplicáveis aos litígios entre os Estados-membros e entre estes e a União, dado que “deixa subsistir a possibilidade de a União ou os Estados-Membros submeterem ao TEDH, ao abrigo (...) da CEDH, um pedido que tenha por objeto uma alegada violação desta Convenção cometida, respetivamente, por um Estado-membro ou pela União, em relação com o direito da União” (n.º 207), o que, no entender do TJUE, infringe a referida norma do Tratado.

A forma de demandar os Estados-membros e/ou a UE junto do TEDH é também objeto de reprovação pelo TJUE, dado que esse controlo em termos de legitimidade processual passiva seria efetuado pelo TEDH e este “seria levado a apreciar as normas do Direito da União que regem a repartição de competências entre esta e os seus Estados-Membros, bem como o critério de imputação dos atos ou omissões destes, a fim de adotar uma decisão definitiva a este respeito, que vincularia tantos os Estados-Membros como a União” (n.° 224), sendo que tal controlo seria no entendimento do TJUE “suscetível de interferir na repartição de competências entre a União e os seus Estados-Membros” (n.° 225).

O TJUE considera ainda que lhe cabe “fornecer a interpretação definitiva do direito derivado da União e se o TEDH, no seu exame da conformidade desse direito com a CEDH, devesse ele próprio proceder a uma dada interpretação entre as plausíveis, o princípio da competência exclusiva do Tribunal de Justiça na interpretação definitiva do direito da União seria seguramente infringido” (n.° 246). Ou seja, o Tribunal estabelece que a interpretação do direito derivado não pode ser operada em última instância pelo TEDH, cabendo sempre ao TJUE a última decisão jurisdicional (a competenz-competenz).

Como último fundamento para afastar a validade do Acordo de Adesão, e com base nas regras do TUE referentes à Política Externa e de Segurança Comum (PESC), o TJUE salienta que o TUE confere-lhe poderes jurisdicionais de fiscalização limitados – em particular a competência para se pronunciar sobre a legalidade das decisões que estabeleçam medidas restritivas contras pessoa singulares ou coletivas adotadas pelo Conselho (ao abrigo do artigo 275.° do TFUE), existindo atos adotados no quadro da PESC que por força dos Tratados escapam à fiscalização jurisdicional do TJUE. Contudo em resultado do Acordo de Adesão, e no entender do TJUE, “o TEDH ficaria habilitado a pronunciar-se sobre a conformidade com a CEDH de determinados atos, ações ou omissões no âmbito da PESC, designadamente, daqueles cuja legalidade em relação aos direitos fundamentais o Tribunal de Justiça não tem competência para fiscalizar” (n.° 254), conferindo a fiscalização jurisdicional “a um órgão externo à União” (n.° 255). O que não é, no entender do Tribunal, admissível dado que o Tribunal de Justiça considera que “a fiscalização jurisdicional de atos, ações ou omissões da União, incluindo em relação aos direitos fundamentais, não pode ser atribuída exclusivamente a um órgão jurisdicional internacional que se situe fora do quadro institucional e jurisdicional da União.” (n.° 256). Em conclusão, o TJUE, pelos fundamentos acima sumariamente expostos, constata que o Acordo de Adesão é incompatível com o TUE e com o TFUE.

O parecer vinculativo adotado pelo TJUE, ao abrigo do artigo 218.°, n.° 11, do TFUE, põe termo às aspirações dos 28 Estados-Membros, e reflexamente de 500 milhões de cidadãos, de adesão da UE à CEDH, tornando a UE e respetivas instituições, incluindo judiciais, imunes ao escrutínio do TEDH.

Resta agora saber se a pronúncia do TJUE:
(i) não cria barreiras inultrapassáveis à adesão, dada a interpretação operada pelo TJUE das normas dos Tratados, as quais potencialmente só poderão ser superadas mediante um moroso e complexo processo entre Estados-Membros de alteração dos Tratados (conferência intergovernamental e ratificação por cada Estado-Membro);
(ii) se o apertado crivo estabelecido pelo TJUE e o elevado número de reservas que teriam de ser apresentadas pela UE para aderir à CEDH – e caso fossem aceites pelos membros do Conselho da Europa, que integra vários países que não fazem parte da UE –, não esvaziariam os poderes de fiscalização do TEDH em sede de apreciação das ações e omissões da UE em detrimento da CEDH e da seminal jurisprudência do TEDH em sede de direitos, liberdades e garantias.

 

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1 Disponível em http://curia.europa.eu.
2 Que dispõe: “Qualquer Estado-Membro, o Parlamento Europeu, o Conselho ou a Comissão podem obter o parecer do Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade de um projeto de acordo com os Tratados. Em caso de parecer negativo do Tribunal, o acordo projetado não pode entrar em vigor, salvo alteração ou revisão deste.”
3 O n.º 2 do artigo estatui: “A União adere à Convenção Europeia para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados.”