31.01.2019
Preços Discriminatórios em Relação a Parceiros Comerciais – O Reenvio Prejudicial no Caso MEO
O Acórdão MEO1, proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJ) em sede de reenvio prejudicial suscitado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, vem clarificar em que medida a aplicação de preços discriminatórios relativamente a parceiros comerciais, por parte de uma empresa em posição dominante, viola o artigo 102.°, n.° 2, alínea c)2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Quanto aos factos do processo principal, a MEO apresentou, em 2014, uma queixa à Autoridade da Concorrência (AdC), acusando a GDA3 de aplicar tarifários distintos às várias operadoras de pay-TV, discriminando negativamente a MEO. Na sequência do arquivamento pela AdC, por concluir que tal diferenciação tarifária era desprovida de efeitos restritivos na posição concorrencial da MEO, esta recorreu para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS).
As questões do TCRS e, bem assim, a análise do TJ centraram-se na interpretação da noção de “desvantagem na concorrência” (artigo 102.°, n.° 2, alínea c), do TFUE): basta a mera existência de um modelo de remuneração discriminatório ou é igualmente exigido o impacto disruptivo dessa diferenciação na situação concorrencial da empresa discriminada?
O TJ começou por reiterar que o comportamento abusivo de uma empresa em posição dominante tanto pode afetar a posição concorrencial dos seus concorrentes, como a de parceiros comerciais4.
Porém, uma “simples desvantagem imediata”, decorrente da aplicação de tarifários distintos a prestações equivalentes, não basta para que a concorrência seja falseada ou suscetível de o ser5. Contrariamente, só quando a discriminação entre parceiros comerciais causa distorção da concorrência entre eles é que a conduta em causa pode ser considerada abusiva6.
Posto isto, o TJ deu “pistas” aos tribunais nacionais sobre como aferir a existência de uma tal distorção concorrencial, devendo atender-se, nomeadamente, à posição dominante da empresa, ao poder negocial das partes, às condições de imposição, duração e montante dos tarifários e, ainda, à eventual existência de uma estratégia de exclusão do mercado a jusante de um dos seus parceiros comerciais7.
Concretizando, após fazer menção ao provável poder negocial da MEO e de um dos seus concorrentes em relação à GDA, por serem os principais clientes desta última, o TJ referiu também a percentagem relativamente pequena que os montantes em causa representaram nos custos totais da MEO no âmbito do serviço de acesso ao sinal de televisão por subscrição, bem como o reduzido impacto nos lucros da empresa8. Por último, o TJ considerou que, quando a diferenciação apenas incide no mercado a jusante, inexiste, em princípio, qualquer interesse em excluir desse mercado os parceiros comerciais.
Em suma, a mensagem principal deste acórdão é de que o preenchimento da previsão do artigo 102.°, n.° 2, alínea c), do TFUE não se basta com a meradiscriminação de preços relativamente a parceiros comerciais, exigindo-se igualmente uma distorção na relação concorrencial entre estes últimos.
Este artigo é autoria da advogada Mariana Martins Pereira.
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1 Acórdão de 18 de abril de 2018, Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, C-525/16, EU:C:2018:270 (MEO).
2 Cfr., também, o artigo 11.°, n.° 2, alínea a), da Lei n.° 19/2012, de 8 de maio (Lei da Concorrência), que replica a norma europeia.
3 Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas Intérpretes ou Executantes.
4 Cfr. §§ 24 e 25 do acórdão em análise.
5 Cfr. § 26.
6 Cfr. § 27.
7 Cfr. § 31.
8 Cfr. § 34.