M L

30.12.2013

Primeira transacção feita pela Autoridade

Em Julho de 2013, a Autoridade da Concorrência (AdC) adoptou a sua primeira decisão ao abrigo do procedimento de transacção aplicável a práticas restritivas da concorrência, que havia entrado em vigor em meados de 2012. Em termos gerais, o regime jurídico da transacção em processos antitrust investigados em Portugal segue de perto os principais traços que caracterizam os acordos de transacção semelhantes existentes a nível europeu.

No entanto, ao contrário da Comissão Europeia — que estabeleceu claramente a percentagem (neste caso, 10%) de redução potencial que pode ser esperada pelas empresas que recorram ao procedimento de transacção —, a AdC não quantifica à partida o benefício eventual que as empresas poderão obter se as conversações em torno do regime de transacção forem bem sucedidas.

A priori, esta diferença de regime poderia desincentivar as empresas e os indivíduos a encetarem negociações com a AdC em torno deste procedimento. Porém, este caso recente sugere que poderá, ainda assim, haver um interesse dos visados para considerarem o recurso à transacção em processos conduzidos pela AdC, especialmente se as entidades em causa estiverem disponíveis para reconhecer o seu envolvimento na infracção e for improvável que obtenham dispensa total de coima ao abrigo do regime da clemência.


O caso em análise

Esta foi a primeira situação em que a AdC fez uso do procedimento de transacção a respeito de práticas restritivas da concorrência, instituto que está disponível entre nós desde 2012.

A investigação deste caso foi iniciada ainda antes da aprovação do actual regime jurídico nacional da concorrência, que entrou em vigor em Julho de 2012. Este caso envolve um alegado cartel entre os três principais operadores no mercado nacional da espuma de poliuretano, que é usada como matéria-prima em vários sectores da chamada indústria de conforto, composta, por exemplo, pelo mobiliário, têxteis para o lar, calçado, brinquedos e indústria automóvel.

De acordo com a informação disponível, os três concorrentes em questão (a FLEX 2000, a FLEXIPOL e a EUROSPUMA), que, em conjunto, representam aproximadamente 90% do mercado relevante em causa, terão implementado, entre 2000 e 2010, um acordo de fixação de preços e um esquema continuado de troca de informações sensíveis.

O processo iniciou-se na sequência da apresentação de um pedido de clemência, submetido pela FLEX 2000, que acabou por obter uma dispensa integral de coima. Os dois restantes alegados cartelistas foram sancionados com uma coima total de € 993.000: a FLEXIPOL foi multada em € 498.000, o que incorpora uma redução de 50% em resultado do regime de clemência e uma redução adicional de 38% a título de transacção; a EUROSPUMA foi multada em € 495.000, o que incorpora uma redução de 39,5% em resultado do procedimento de transacção. Adicionalmente, a AdC condenou também cinco administradores e ex-administradores das empresas arguidas, em coimas no valor total de € 7.000 (o que inclui já as reduções decorrentes dos programas de clemência e transacção, nos mesmos termos em que as respectivas empresas).


Comentário

Nem a lei nacional de concorrência nem as linhas de orientação definidas em 2013 pela AdC a respeito da instrução de processos de práticas restritivas da concorrência clarificam o montante de redução de coima potencialmente aplicável em casos de transacção, tendo este aspecto vindo a ser bastante criticado pela comunidade jurídica. Em última instância, isto significa que o recurso ao expediente de transacção em Portugal exige a ponderação de um equilíbrio complexo entre interesses opostos.

Por um lado, este tipo de procedimento permite a adopção de uma decisão (mais) célere e uma redução (indefinida à partida) no montante das coimas, a qual poderá ser cumulável com reduções adicionais resultantes do programa de clemência. Os proponentes de transacções estão também protegidos, em alguma medida, contra o risco de acções de indemnização subsequentes uma vez que, em regra, os terceiros não poderão ter acesso às propostas de transacção que constem do processo e os restantes visados apenas poderão ter acesso a esses documentos para efeitos de preparação das suas defesas, não sendo, porém, autorizada qualquer cópia ou reprodução dos mesmos sem a autorização dos proponentes de transacções.

Por outro lado, os factos que sejam confessados pelos visados no decorrer do processo de transacção não podem depois ser impugnados judicialmente.

À primeira vista e no confronto entre estes vários aspectos positivos e negativos, poderia ser difícil descortinar vantagens claras a favor do procedimento de transacção nacional, uma vez que se desconhece à partida os ganhos potenciais que se poderão obter. Surpreendentemente, aliás, a AdC não divulgou publicamente as reduções de coima atribuídas em consequência das transacções realizadas no caso do cartel das espumas, apesar de as percentagens concedidas (cerca de 40%) serem bastante generosas quando comparadas com a prática da Comissão (10%).

Adicionalmente, é também relevante considerar que a colaboração prestada à AdC fora do âmbito específico dos procedimentos de transacção é também considerada uma circunstância atenuante para efeitos de fixação do montante final da coima, sem implicar a correspectiva desvantagem de se prescindir do direito de recurso judicial.

Apesar do exposto, a recente decisão emitida pela AdC no processo do cartel da espuma indicia que as empresas e indivíduos podem ter interesse em recorrer ao expediente de transacção — com os prós e contras já assinalados —, particularmente nas situações em que os visados estejam disponíveis para admitir as suas transgressões e não estejam em posição de beneficiar da modalidade de dispensa integral de coima à luz do programa de clemência (por exemplo, por não serem os primeiros a denunciar um comportamento proibido).