A nova Lei da Concorrência (Lei An.o 19/2012, de 8 de Maio) introduziu alterações substanciais relativamente ao anterior regime jurídico da concorrência. Para além da revisão, nalguns aspectos profunda, dos capítulos respeitantes à regulação substantiva e processual das práticas restritivas da concorrência e do controlo de concentrações – incluindo o regime dos recursos das decisões da Autoridade da Concorrência (“AdC”) – a nova Lei da Concorrência traz algumas novidades logo no seu capítulo inicial.
O Capítulo I da lei, com a epígrafe “Promoção e defesa da concorrência”, é mais extenso do que a secção correspondente na lei anterior devido ao aditamento de quatro artigos inovadores.
O artigo 5o condensa um conjunto de aspectos relacionados com as atribuições, financiamento e prestação de contas pela AdC que, na generalidade, já resultariam dos respectivos estatutos (aprovados pelo Decreto-Lei n.o 10/2003, de 18 de Janeiro). A maior inovação prende-se com a determinação, nos números 5 a 8 desta norma, de que a AdC deve elaborar anualmente um relatório de actividades, um balanço e contas anuais, que remete ao Governo e este, em seguida, envia à Assembleia da República. Estes elementos são, depois de aprovados, publicados em Diário da República e na página de internet da AdC.
O artigo 6o, por sua vez, reforça a fiscalização parlamentar da actividade da AdC, por duas vias. Primeiro, através da realização de pelo menos um debate em plenário em cada sessão legislativa (artigo 6o, n.o 1). Depois, estabelecendo que os membros do Conselho da AdC devem comparecer perante a comissão parlamentar competente para uma audição sobre o relatório de actividades anual e, para além disso, para prestar esclarecimentos ad hoc sobre questões de política de concorrência.
Talvez a maior inovação seja a introdução de um princípio de oportunidade na promoção processual pela AdC, matéria tratada no artigo 7o. Até agora, a AdC estava vinculada por um estrito princípio de legalidade que a obrigava a abrir inquérito sempre que tomasse conhecimento, por qualquer via (incluindo denúncias de terceiros), de eventuais práticas ilícitas. Com a nova lei, a AdC passa a poder atribuir graus de prioridade diferentes às matérias que lhe compete investigar. Para além disso, deixa de estar vinculada à abertura de processos de contra-ordenação perante quaisquer indícios de ilícito, passando a ponderar essa via à luz de um conjunto de critérios (como a gravidade da eventual infracção e a probabilidade de poder provar a sua existência, entre outros – cfr. artigo 7o, n.o 2).
Em contraponto com esta flexibilidade acrescida na gestão das suas competências sancionatórias, o artigo 8o vem regular expressamente, pela primeira vez, o processamento de denúncias pela AdC. Esta norma prevê um processo de interacção por meio do qual a AdC pode solicitar aos denunciantes observações ou esclarecimentos adicionais, podendo rejeitar as denúncias que considere não terem suficiente fundamento ou não se enquadrarem nas suas prioridades. No entanto, a lei garante a possibilidade de recurso judicial de qualquer decisão de rejeição de denúncia pela AdC, o que salvaguarda os direitos de terceiros (nomeadamente empresas lesadas) no âmbito deste quadro mais flexível resultante do princípio da oportunidade.
Em suma: na parte em que é inovador, o novo Capítulo I da Lei da Concorrência reforça a publicidade em torno da actuação da AdC e a sua accountability perante a Assembleia da República, possibilitando uma gestão mais flexível das suas competências sancionatórias em função de prioridades previamente definidas.
Este artigo é da autoria do advogado Gonçalo Machado Borges.