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31.12.2015

Setor portuário nacional na mira da Autoridade da Concorrência

Introdução

O setor portuário nacional foi recentemente alvo de um estudo realizado pela Autoridade da Concorrência (“AdC”) ao abrigo dos seus poderes de supervisão, estudo esse posteriormente submetido a consulta pública entre 13.07.2015 e 30.09.2015. Simultaneamente com o lançamento da consulta pública, a AdC realizou inspeções-surpresa nas instalações de empresas localizadas nos portos de Lisboa, Setúbal, Sines e Viana do Castelo, no âmbito de uma investigação por suspeitas de práticas de cartel no setor dos serviços portuários, sob a forma de repartição geográfica de mercados.

As duas iniciativas, embora decorrendo no âmbito de processos de natureza jurídica distinta (apenas o segundo reveste natureza contraordenacional), demonstram que o setor portuário nacional se encontra, atualmente, sob o escrutínio apertado da AdC.


O estudo e as recomendações propostas

O estudo identifica um conjunto de sintomas de funcionamento ineficiente do setor portuário nacional, bem como certos constrangimentos concorrenciais passíveis de lhe darem causa, nomeadamente: (i) concentração da oferta, (ii) taxa elevada de utilização de certas infraestruturas e consequente risco de congestionamento, (iii) diferente grau de especialização de portos por tipologia de carga, fator de diferenciação (logo, de menor concorrência) entre portos e/ou terminais (iv) existência de elevadas barreiras à entrada, (v) integração vertical de certos operadores e (vi) inexistência de um poder negocial significativo por parte dos utilizadores das infraestruturas.

A análise levada a cabo pela AdC levou-a a concluir pela necessidade de um conjunto de recomendações que permitam promover a eficiência, a qualidade e a competitividade dos portos nacionais.

A primeira recomendação respeita ao modelo de governação do setor.

A mesma aponta para uma separação clara entre as diferentes atividades (de regulação, de administração portuária, de prestação de serviços e de operação de terminais portuários), devendo as competências de regulação serem atribuídas à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, novo regulador setorial. Recomenda ainda que as administrações portuárias tenham como principais objetivos, no exercício da sua atividade, a promoção do uso eficiente das infraestruturas portuárias, do desempenho dos serviços portuários e do value for money gerado para os utilizadores. Para tal, importa promover uma concorrência efetiva entre terminais portuários e prestadores de serviços bem como reduzir o nível de rendas cobradas aos utilizadores (para o nível estritamente necessário para assegurar a sustentabilidade económico-financeira das administrações portuárias e a sua capacidade para financiar os investimentos a seu cargo).

Prescreve-se ainda, neste contexto, a publicação regular de indicadores de eficiência e de produtividade dos portos, que permitam uma comparação de desempenho ao nível nacional e internacional.


A segunda recomendação é relativa ao modelo de concessões.

Sugere que os procedimentos e contratos de concessão sejam desenhados em moldes que garantam uma efetiva concorrência entre os candidatos e ainda, o retorno mais frequente da concessão ao mercado.

As recomendações formuladas neste ponto abrangem – em linha com os princípios e soluções consagrados na Diretiva 2014/23/EU, relativa à adjudicação de contratos de concessão – (i) a definição de prazos de concessão adequados ao estritamente necessário para a recuperação do investimentos (e, eventualmente, de prazos mais curtos, desde que mediante compensação adequada ao concessionário), (ii) a consagração de mecanismos de rescisão antecipada, (iii) a efetiva transferência de risco para o concessionário, (iv) o lançamento de novo processo concursal quando ocorram modificações substanciais à concessão e (v) o estabelecimento de critérios proporcionais, não-discriminatórios e equitativos para a atribuição da concessão. Propõe ainda que as autoridades portuárias passem a ter a possibilidade de excluir certos candidatos quando estejam em risco as condições de concorrência no mercado.


A terceira recomendação reporta-se ao modelo de rendas.

A AdC sugere uma redução generalizada dos níveis de rendas atualmente cobradas pelas administrações portuárias, nomeadamente, das rendas variáveis. Com efeito, uma vez que eventuais diminuições de rendas variáveis se refletem em menores custos marginais ou variáveis dos concessionários, isso permitir-lhes-ia baixar os preços cobrados a jusante. Recomenda-se, ainda, uma alteração na estrutura das rendas mediante uma redução significativa do peso das rendas variáveis porquanto uma tal modificação tem as vantagens de, por um lado, diminuir o risco de flutuação da procura assumido pela administração portuária e, por outro lado, incrementar os incentivos dos operadores portuários para aumentarem a carga movimentada.

Sugere, por último, que estes princípios sejam postos em prática já em eventuais processos de renegociação de contratos de concessão em curso, devendo os mesmos ter como contrapartida, o encurtamento do prazo de duração da concessão.

A quarta recomendação incide sobre a liberalização do acesso aos serviços portuários.

Propugna a vigência de um princípio geral de liberdade de acesso aos serviços portuários e que as limitações ao número de prestadores de serviços ocorram apenas a título excecional. Tais limitações deverão, ademais, ser justificadas por razões de restrição de espaço ou de reserva de terrenos na área do porto devendo assegurar-se, em qualquer caso, a existência de pelo menos dois operadores por tipologia de serviço (operadores esses selecionados mediante procedimentos competitivos e beneficiando de contratos de curta duração). Admite-se igualmente, como situação excecional justificativa de uma limitação do acesso, a necessidade de imposição de obrigações de serviços público.

Por fim, recomenda-se a adoção de medidas que assegurem a transmissão de custos ao longo da cadeia de valor do setor portuário, garantindo que as reduções a montante beneficiam os níveis a jusante. Para tal, importa criar mecanismos contratuais que associem um determinado desempenho à atribuição de incentivos, por exemplo, mediante a inclusão, nos contratos de concessão, de indicadores de desempenho e de objetivos específicos relacionados com o volume de carga movimentado e com a utilização das infraestruturas (bem como as respetivas bonificações e penalizações). As administrações portuárias deveriam implementar um sistema de monitorização efetiva do cumprimento de tais objetivos.


Comentário

As recomendações gizadas pela AdC abrangem diferentes etapas da cadeia de valor do setor e representam uma tentativa de intervenção profunda num setor que é estratégico para a economia nacional.

Não se conhecem ainda os resultados da consulta pública nem o calendário previsto pela AdC para a análise dos contributos recebidos e eventuais reformulações daí resultantes.

Uma vez proferidas as recomendações finais, caberá à AdC, nos termos da lei da concorrência, acompanhar o seu cumprimento e solicitar aos destinatários das mesmas as informações que entenda necessárias para aferir a sua implementação.