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31.12.2015

TJUE considera a compra de obrigações dos Estados-Membros pelo SEBC compatível com o direito da União

Por acórdão de 16 de Junho no processo Gauweiler1, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) decidiu pela compatibilidade com os Tratados da União do programa Outright Monetary Transactions (“OMT”), anunciado pelo Banco Central Europeu (“BCE”) em setembro de 2012.

O processo teve origem num reenvio prejudicial por parte do Tribunal Constitucional Alemão – aliás o primeiro reenvio para o TJUE realizado por aquele tribunal – no qual se questiona a conformidade do referido programa com o âmbito das atribuições do Sistema Europeu de Bancos Centrais (“SEBC”), tal como definidas nos Tratados, com a proibição do financiamento monetário dos Estados-Membros e com o princípio da proporcionalidade.

O programa OMT estabelece a possibilidade de o SEBC adquirir títulos de dívida pública de Estados-Membros da zona euro no mercado secundário, reunidas determinadas condições. O programa foi anunciado na sequência das declarações de Mario Draghi de que o BCE, dentro do escopo do seu mandato, estaria preparado para fazer o que fosse necessário para preservar o euro2.

Este programa de compra de títulos de dívida pública pretende promover um melhor funcionamento dos mecanismos de transmissão dos impulsos da política monetária para os diversos setores da economia. Segundo o BCE, as diferentes taxas de juro associadas aos títulos de dívida pública dos países da zona euro e sua volatilidade fragilizavam a transmissão da política monetária e punham em causa a unicidade desta política da União.

Tal como refere o TJUE, ainda que o programa OMT possa ter efeitos ao nível da estabilidade da zona euro, a qual constitui, em conformidade com os Tratados, uma componente da política económica da União, o objetivo primordial do programa é de índole monetária, visando a unicidade desta política e a transmissão dos seus impulsos. Nos termos do acórdão, “não se pode equiparar uma medida de política monetária a uma medida de política económica apenas porque é suscetível de ter efeitos indiretos na estabilidade da área do euro”. Assim, enquanto medida de política monetária, encontra-se dentro do âmbito das atribuições do SEBC.

Quanto a uma eventual violação da proibição de financiamento monetário dos Estados-membros, a interpretação do TJUE vai no sentido de que tal proibição não é impeditiva da adoção do programa OMT, tal como configurado, uma vez que este programa não visa a compra de títulos de dívida pública diretamente aos Estado-membros, antes a permitindo apenas no mercado secundário.

O TJUE adverte, no entanto, que a compra de títulos de dívida pública no mercado secundário poderia ter um efeito equivalente à compra no mercado primário, e desta forma defraudar a proibição do financiamento monetário dos Estados-membros, caso os operadores suscetíveis de comprar títulos de dívida pública no mercado primário “tivessem a certeza de que o SEBC vai proceder à recompra dessas obrigações num prazo e em condições que permitam a esses operadores atuar, de facto, como intermediários do SEBC para a compra direta das referidas obrigações às autoridades e organismos públicos do Estado Membro em causa.” Todavia, o TJUE considerou que as condições específicas determinadas pelo BCE para a utilização deste mecanismo de compra no mercado secundário, nomeadamente quanto ao período mínimo entre a emissão no mercado primário e a recompra, conferem salvaguardas adequadas para afastar o referido efeito equivalente.

Por último, a medida foi ainda tida como compatível com o princípio da proporcionalidade porquanto se restringiria a um número limitado de títulos de dívida pública emitidos por Estados-membros selecionados de acordo com critérios pré-determinados. Por outro lado, de acordo com as indicações do BCE, o mecanismo só seria implementado se a situação económica da zona euro o justificasse.

A decisão do TJUE coloca, sem dúvida, o Tribunal Constitucional Alemão numa situação delicada, uma vez que o teor do reenvio prejudicial indiciava uma posição daquele tribunal no sentido da incompatibilidade do programa OMT com o direito da União. Face ao acórdão favorável à política do BCE por parte do TJUE, resta aguardar de que forma será feita a sua aplicação por parte do Tribunal Constitucional Alemão ao caso concreto.

É ainda de notar que, com este acórdão, o TJUE parece inverter uma certa relutância anterior em tomar decisões firmes em matérias respeitantes ao BCE e às suas competências, reforçando assim o seu papel enquanto garante dos Tratados da União.

 

Este artigo foi escrito em coautoria pela advogada Leonor Bettencourt Nunes.

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1 Acórdão C-62/14 Gauweiler v Deutscher Bundestag [2015] disponível em http://curia.europa.eu.
2 Discurso do Presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi na Global Investment Conference de Londres, 26.07.2012.

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