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16.10.2015

TeliaSonera e Telenor desistem de concentração na Dinamarca: que implicações pode esta transação ter para a consolidação nas telecomunicações a nível nacional?

Em 11 de Setembro de 2015, os operadores TeliaSonera e Telenor anunciaram ter abandonado a concentração das suas unidades de negócio fixo e móvel na Dinamarca. A concentração, que envolvia a constituição de uma empresa comum full-function englobando as atividades da TeliaSonera AB e da Telenor ASA em território dinamarquês, foi notificada à Comissão Europeia em 27 de Fevereiro de 20151 e estava a ser objeto de investigação aprofundada, tendo as partes já proposto a adoção de compromissos.

Embora não se conheçam os pormenores da avaliação efetuada pela Comissão, alguns aspetos deste caso suscitam dúvidas quanto à apreciação futura de concentrações entre operadores de telecomunicações na Europa.

Segundo declarações da Comissária Vestager2, a principal razão para as preocupações da Comissão quanto a um possível impacto negativo para a concorrência seria o facto de, no mercado das comunicações móveis, a operação reduzir o número de operadores de rede móvel de quatro para três. Aparentemente, os compromissos propostos pelas partes foram insuficientes para acomodar as preocupações concorrenciais em torno da transação: “Cada caso deve ser avaliado à luz dos seus próprios factos e méritos. Neste caso específico, e com base na análise aprofundada da Comissão e na prova recolhida, estamos convencidos de que a existência de preocupações concorrenciais significativas exigia remédios igualmente significativos. Isto significa a criação de um quarto operador de rede móvel. O que as partes propuseram não foi suficiente para evitar o risco de entraves à concorrência no mercado móvel dinamarquês.”

Esta preocupação estrutural já tinha sido manifestada em abril, quando a Comissão decidiu avançar com uma investigação aprofundada à operação. Segundo comunicado de imprensa da altura3, a Comissão temia que, nos mercados de comunicações móveis dinamarqueses, a empresa resultante da concentração poderia não estar sujeita a uma pressão concorrencial suficiente dos dois operadores de rede móvel (MNOs) restantes: “A transação proposta combinaria o segundo e terceiro operadores do mercado retalhista móvel, e reduziria o número de Operadores de Rede Móvel na Dinamarca de quatro para três. A concentração levaria à criação do maior operador, quer em receita quer em número de assinantes, seguido da TDC com uma dimensão semelhante e de um operador mais pequeno, a Hi3G.”

Em consequência, a Comissão manifestou receios de que a concentração pudesse reduzir os incentivos dos MNOs restantes a concorrer entre si, resultando em preços mais elevados, menos ofertas inovadoras e perda de qualidade. Em especial, a Comissão sublinhou que a concentração resultaria numa estrutura de mercado muito concentrada com dois operadores de grande dimensão e simétricos, a nível retalhista e grossista, o que poderia conduzir à coordenação de comportamentos entre os operadores móveis.

Aparentemente as partes terão proposto alienar dois blocos de espetro, na faixa dos 2100MHz, e disponibilizar até 15% da sua capacidade de rede a um novo operador. Numa segunda fase, o pacote de remédios terá sido reforçado, prevendo-se a transmissão de uma participação de até 40% na sua unidade conjunta de infraestruturas de rede (TT-Netvaerket) a um novo operador, que teria também acesso às tecnologias de rede da empresa comum e a possibilidade de vender capacidade de rede a nível grossista.

A posição da Comissão neste processo, focada na necessidade de manter uma estrutura de mercado com pelo menos quatro MNOs, parece contradizer uma série de decisões anteriores em concentrações 4-3 entre operadores móveis.

Em 2014, a Comissão autorizou duas concentrações muito mediáticas que também implicaram uma redução no número de MNOs existentes de 4-3 nos Estados-Membros afetados.

No processo H3G/Telefónica Ireland4, a Comissão adotou uma decisão de não oposição condicionada com base em vários compromissos, incluindo um operador móvel virtual (MVNO) com um modelo de acesso inovador (baseado na aquisição obrigatória de um volume mínimo de capacidade de rede, de até 30%). No processo Telefónica Deutschland/E-Plus5, a Comissão também autorizou a concentração sujeita a compromissos, incluindo a entrada de um MVNO com base num modelo de compra obrigatória de capacidade de rede semelhante ao caso irlandês.

Mas há mais exemplos, menos recentes, de decisões de não oposição em concentrações de operadores móveis num cenário de 4-3: a concentração T-Mobile/Orange Netherlands foi autorizada sem quaisquer condições em 20076 e a concentração H3G Áustria/Orange Áustria foi também autorizada no final de 20127, mediante adoção de um pacote de remédios que incluíram a alienação de espetro a um novo MNO e a disponibilização de acesso grossista à rede móvel a vários MVNOs.

Embora não se conheça a análise exata da transação (assente nas características específicas do mercado móvel dinamarquês), a aparente insistência da Comissão numa estrutura de mercado com pelo menos quatro operadores móveis, apesar de compromissos envolvendo a alienação de espetro e medidas de acesso grossista à rede, contraria o sentido geral de decisões anteriores em concentrações de operadores móveis em mercados muito maiores que a Dinamarca.

Isto pode implicar dificuldades acrescidas para outras concentrações móveis com uma estrutura de 4-3 que a Comissão deva apreciar. No Reino Unido, a Hutchison Whampoa está atualmente a adquirir o operador móvel O2 à Telefónica8 e, em Itália, a Hutchison chegou recentemente a acordo com a Vimpelcom para constituir uma joint venture entre a sua unidade móvel, 3 Italia, e a Wind Telecommunicazioni.

Será interessante ver em que medida esta abordagem mais estrutural (ou estática) pela Comissão poderá afetar a evolução do controlo de concentrações em outros casos envolvendo operadores de rede móvel. Por outro lado, na medida em que este caso dinamarquês possa resultar numa fasquia regulatória mais elevada para a consolidação de operadores móveis a nível nacional, fica em aberto até que ponto esta abordagem poderá incentivar um maior volume de transações transfronteiriças no setor das telecomunicações.

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1 Processo M.7419 TeliaSonera/Telenor/JV.
2 Comunicado/15/5627, de 11 de setembro de 2015 - http://europa.eu/rapid/press-release_STATEMENT-15-5627_en.htm.
3 IP/15/4749 – http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-4749_en.htm.
4 Processo M.6992 Hutchison 3G UK/Telefonica Ireland, aprovado com condições e obrigações em 28.05.2014.
5 Processo M.7018 - Telefonica Deutschland/E-Plus, aprovado com condições e obrigações em 02.07.2014.
6 Processo M.4748 T-Mobile/Orange Netherlands, aprovado sem condições (fase 1) em 20.08.2007.
7 Processo M.6497 Hutchison 3G Austria/Orange Austria, aprovado com condições e obrigações em 12.12.2012.
8 Processo M.7612 Hutchison 3G UK / Telefonica UK (notificada à Comissão em 11.09.2015).