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16.10.2015

Tribunal Europeu: buscas e apreensão por autoridade de concorrência devem ter controlo jurisdicional proporcional

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso Vinci Construction and GTM Génie Civil et Services c. França, queixas n.os 63629/10 e 60567/10, por acórdão de 2 de abril de 20151, constatou a violação pela França dos artigos 6.o (direito a um processo equitativo)2 8.o (respeito da vida privada e familiar, domicílio e correspondência)3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

As empresas queixosas perante o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Vinci Construction e GTM Génie Civil et Services, são sociedades constituídas ao abrigo da lei Francesa com sede em França.

O caso analisado pelo Tribunal de Estrasburgo tem por base inspeções e diligências de apreensão efetuadas nas instalações das referidas empresas em 23 de outubro de 2007, no âmbito de um inquérito contraordenacional jusconcorrencial desencadeado pela Direção-Geral da Concorrência, Consumo e Prevenção de Fraudes Francesa (DGCCPF)4 e que tinha por objeto a alegada violação das normas aplicáveis a práticas restritivas da concorrência pelas empresas. Tais diligências foram autorizadas pelo juiz de liberdades e detenções do tribunal da grande instância de Paris (JLD) em 5 de outubro de 2007 e resultaram na apreensão de diversos documentos em suporte físico e digital, bem como de todo o conteúdo de contas de e-mail de determinados funcionários das empresas queixosas.

Em sede de recurso judicial junto do JLD, as empresas em causa alegaram que as diligências de apreensão conduzidas pela DGCCPF foram demasiado amplas e indiscriminadas, tendo incluído diversos documentos não relacionados com a investigação ou protegidos pelo sigilo profissional dos advogados. As queixosas alegaram igualmente que não lhes foi possível inspecionar o conteúdo dos elementos apreendidos antes da diligência de apreensão e, como tal, de exercer adequadamente os seus direitos de defesa, tendo o JLD negado provimento aos recursos assim apresentados. De igual modo, os recursos subsequentes junto da Cour de cassation foram igualmente considerados improcedentes por decisões de 8 de abril de 2010.

Neste contexto, as empresas queixosas recorreram ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, invocando, inter alia, a violação dos artigos 6, n.° 1, e 8.° da CEDH, alegando para o efeito que o seu direito a um recurso efetivo foi violado, porquanto (i) não lhes foi facultada a possibilidade de um recurso amplo (em matéria de facto e de direito) da decisão do JLD que autorizou as diligências de busca e apreensão, e (ii) que de tais diligências cabia apenas recurso para o juiz que as autorizou, o que, na opinião das empresas em causa, não cumpre os necessários critérios de imparcialidade. Alegaram, ainda, que as diligências de apreensão em causa são uma ingerência desproporcional no seu direito ao respeito da vida privada e familiar, domicílio e correspondência, considerando a natureza ampla e indiscriminada destas, as quais incluíram, em particular, documentos protegidos por sigilo profissional dos advogados.

No que diz respeito ao artigo 6.°, n.° 1 da CEDH, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no seu acórdão de abril de 2015, considerou que o quadro normativo Francês vigente à data não facultava às empresas queixosas a possibilidade de um efetivo controlo jurisdicional da decisão do JLD que autorizou a realização de diligências de busca e apreensão e, como tal, julgou procedente o correspondente pedido quanto a este ponto.

Quanto à alegada violação do artigo 8.° da CEDH, embora o Tribunal de Estrasburgo tenha considerado que as diligências de busca e apreensão em causa cumpriam com os requisitos previstos no n.° 2 desse normativo – inter alia, que se tratou de uma ingerência prevista na lei, com vista à prossecução de interesses legítimos de segurança do bem-estar económico e da prevenção das infrações penais – salientou, igualmente, que os ficheiros apreendidos incluíam diversos documentos não relacionados com a investigação e outros protegidos por sigilo profissional dos advogados e que as empresas queixosas não tiveram oportunidade de inspecionar o conteúdo de tais elementos ou de discutir a pertinência da respetiva apreensão durante a condução da inspeção.

A este respeito, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem realçou a necessidade de assegurar às empresas em causa a possibilidade de um efetivo controlo jurisdicional da legalidade destas diligências de apreensão e considerou que o JLD apenas examinou a regularidade formal de tais diligências, sem ter materialmente examinado em detalhe as circunstâncias concretas em que as mesmas foram realizadas.

De acordo com o Tribunal de Estrasburgo, perante a alegação das partes de que teriam sido apreendidos documentos não relacionados com a investigação ou protegidos por sigilo profissional, o JLD devia ter-se pronunciado sobre o destino de tais elementos após uma análise detalhada, procedendo a uma cuidada ponderação à luz do princípio da proporcionalidade, e ordenar a respetiva restituição, quando aplicável. Como tal, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que as diligências de busca e apreensão em causa realizadas pela DGCCPF nas instalações das empresas queixosas foram desproporcionais, em violação do artigo 8.° da CEDH.

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1 Disponível e acedido em http://www.echr.coeánt/Pages/home.aspx?p=home&c=.
2 O artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, sob a epígrafe “Direito a um processo equitativo”, dispõe: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.”
3 O artigo 8.o da CEDH, sob a epígrafe “Direito ao respeito pela vida privada e familiar”, dispõe: “1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
4 Direction Direction générale de la concurrence, de la consommation et de la répression des fraudes.