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26.06.2017

Tribunal Geral Da UE reitera direitos processuais das partes no procedimento de controlo de concentrações da UE e anula a decisão da Comissão que proibiu a transação UPS/TNT

Em acórdão adotado a 7 de março de 2017, no processo T-194/ 131, o Tribunal Geral da UE (TG) anulou a decisão da Comissão Europeia (“Comissão”) a proibir a aquisição pela United Parcel Service (UPS) do seu concorrente TNT Express (TNT)2.


Enquadramento

Em junho de 2012, a UPS notificou a proposta de aquisição da TNT à Comissão para aprovação no âmbito do procedimento de controlo de concentrações. Tanto a UPS como a TNT são prestadores de serviços de entrega internacional rápida de pequenas encomendas no Espaço Económico Europeu (EEE). Na sua decisão de proibição, de janeiro de 2013, a Comissão concluiu que a transação iria reduzir o número de prestadores de serviços de relevo neste mercado para três, ou mesmo dois (UPS/TNT e a DHL e/ou FedEx), resultando, provavelmente, em aumentos de preços substanciais para os consumidores e, assim, num entrave significativo à concorrência efetiva em 15 Estados-Membros.

Em outubro de 2012, durante a fase de investigação aprofundada, a Comissão informou as partes, na sua comunicação de objeções da avaliação preliminar, de que a transação resultaria provavelmente num entrave significativo à concorrência efetiva em 29 Estados-Membros. Para a sua avaliação, a Comissão baseou-se numa análise econométrica com vista a prever os efeitos da concentração nos preços, a qual foi contestada pelas partes por se fundar num modelo inconsistente. Na sequência da discussão com as partes e de análises econométricas fundadas em diferentes modelos, a Comissão proibiu a transação, tendo concluído que a mesma originaria um entrave significativo à concorrência efetiva em 15 Estados-Membros. Todavia, a Comissão acolheu na sua decisão final um modelo materialmente diferente do apresentado aquando da comunicação de objeções e dos modelos subsequentes discutidos com as partes.

A UPS optou por recorrer da decisão de proibição para o TG, alegando, entre o mais, que a decisão em causa violava os seus direitos de defesa, uma vez que não lhe fora dada oportunidade de acesso e pronúncia relativamente ao modelo econométrico efetivamente utilizado pela Comissão para bloquear a transação. O TG considerou o pedido da UPS bem fundado e procedeu à anulação da decisão de proibição.


O Acórdão do Tribunal Geral

Direitos de Defesa

O TG reiterou que a observância dos direitos de defesa é um direito fundamental, o qual deve ser garantido em todos os procedimentos, incluindo os procedimentos de controlo de concentrações junto da Comissão. O direito de pronúncia incluído naqueles exige que as partes de uma concentração devam ter a oportunidade de, durante o procedimento administrativo, apresentar a sua análise quanto à veracidade e relevância dos factos, circunstâncias e documentos que servem de base às decisões da Comissão.

Atendendo a que a versão final do modelo econométrico na qual se fundou a Comissão, na decisão, para determinar que a transação originaria um entrave significativo à concorrência efetiva em 15 Estados-Membros não fora comu-nicada à UPS durante o procedimento administrativo, apesar de diferir materialmente de todas as versões anteriormente discutidas, o TG concluiu pela verificação de uma violação dos direitos de defesa da UPS.


Necessidade de celeridade nos procedimentos de concentrações

Relativamente ao argumento ensaiado pela Comissão de que a opção pelo modelo econométrico acolhido para a sua análise final fora protelada para a decisão final, dado o atraso da UPS na apresentação da sua última análise econométrica, o TG reiterou que, apesar da necessidade de celeridade associada aos procedimentos de controlo de concentrações (tendo em conta os curtos prazos para a análise de transações pela Comissão), a Comissão optou pelo modelo econométrico definitivo dois meses antes da adoção da sua decisão final, pelo que poderia ter comunicado os seus termos à UPS.


A UPS poderia ter assegurado uma melhor defesa

Em todo o caso, para que a violação dos seus direitos de defesa implicasse uma anulação da decisão de proibição, a UPS teve de demonstrar que poderia ter assegurado uma melhor defesa na ausência da violação. A Comissão replicou que a sua decisão se fundou num vasto leque de informação, tanto quantitativa – incluindo a análise econométrica – como qualitativa, pelo que a ausência de tal violação não teria impacto na sua conclusão final.

O TG considerou que a Comissão reduziu o número de Estados-Membros nos quais concluiu que a transação originaria um entrave significativo à concorrência efetiva (de 29 para 15) com base na revisão da sua análise econométrica – o que demonstra que tal análise se afigurava como suscetível de contrapor a informação qualitativa que foi tida em conta –, e que a UPS teve, durante o procedimento, uma influência significativa no desenvolvimento do modelo proposto pela Comissão, identificando inconsistências técnicas e apresentado as respetivas soluções.

O acesso ao modelo final poderia, por conseguinte, ter permitido à UPS a apresentação de resultados diferentes quanto aos efeitos da transação nos preços, o que poderia ter levado a Comissão a reavaliar a informação tida em consideração para efeitos da sua análise e, por essa via, a uma nova redução do número de Estados-Membros nos quais a transação constituiria um entrave significativo à concorrência efetiva.


Comentário

O presente acórdão do TG veio reforçar a lista de casos recentes em que os tribunais da UE reafirmam os direitos processuais das partes, em particular quanto a investigações de cartel, e reiterar a importância da observância destes direitos também no âmbito do procedimento de controlo de concentrações, apesar da reconhecida necessidade de celeridade destes procedimentos. O escrutínio judicial restrito relativamente aos direitos processuais das partes é particularmente relevante atendendo à fiscalização judicial limitada comummente praticada relativamente à substância das análises da Comissão.

É igualmente de assinalar que este julgamento veio estender o escrutínio judicial aos casos em que a Comissão se alicerça em análises econométricas, as quais são atualmente uma característica recorrente de procedimentos de controlo de concentrações mais complexos. Nestes casos, é essencial que as empresas em causa tenham conhecimento dos modelos analíticos utilizados para determinar os efeitos de uma concentração, sob pena de não poderem contestar eficazmente os resultados dessas análises.

Em termos práticos, o acórdão em apreço incute uma pressão adicional à Comissão na estruturação das suas investigações, de forma a garantir que o modelo econométrico ou não é alterado após a comunicação de objeções ou, na eventualidade de o ser, que a sua versão final é comunicada tempestivamente às partes para a permitir a sua pronúncia e subsequente análise pela Comissão na sua decisão final. Por forma a evitar a interação prolongada com as partes, a Comissão poderá retrair-se, no futuro, quanto à opção de basear as suas conclusões em análises econométricas.

Ainda que o acórdão se afigure positivo da perspetiva das partes notificantes, em geral, não terá grande utilidade para a UPS, uma vez que a TNT foi entretanto adquirida pela FedEx e que as suas possibilidades de obtenção de ressarcimento por parte da UE, nos termos do artigo 340.°, n.° 2, do TFUE, se apresentam como muito limitadas.

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1 EU:T:2017:144.
2 Decisão da Comissão Europeia de 30 de janeiro de 2013, no processo COMP/M.6570 – UPS/TNT Express.

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