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26.06.2017

Tribunal Geral da UE anula pela primeira vez uma decisão da Comissão Europeia adotada no âmbito de um procedimento de transação

O Tribunal Geral da União Europeia (“Tribunal”), no processo T-95/15, Printeos e outros c. Comissão, por acórdão de 13 de dezembro de 20161 (“Acórdão”), pronunciou-se sobre a legalidade de uma decisão adotada pela Comissão no âmbito de um procedimento de transação relacionado com uma infração única e continuada ao artigo 101.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFEU) e ao artigo 53.° do Acordo EEE relativa a envelopes normalizados por catálogo e envelopes especiais impressos (comerciais e/ou personalizados) de todas as formas, cores e dimensões2.

Em particular, a Comissão Europeia considerou que, através de uma série de contactos colusórios, as empresas participantes no cartel: (a) repartiram clientes e celebraram acordos relativos a volumes de vendas; (b) celebraram acordos relativos a aumentos de preços específicos e não específicos dos clientes e partilharam as reações dos clientes na sequência de tais aumentos, sendo que os aumentos de preços não específicos dos clientes tinham muitas vezes como objetivo repercutir-se no aumento do custo de papel; (c) coordenaram as suas respostas aos concursos lançados pelos principais clientes pan-europeus e, neste contexto, tinham como objetivo fixar os preços efetivos de concurso e proteger as suas mercadorias existentes; (d) executaram mecanismos destinados a mantero status quo, mediante a compensação dos participantes no cartel pela perda de volumes de vendas e/ou clientes individuais para outro participante no cartel; e (e) trocaram informações sensíveis do ponto de vista comercial, relativas, em especial, às estratégias comerciais, aos clientes e aos volumes de vendas. O âmbito geográfico do comportamento no que respeita a todas as partes abrangeu a Dinamarca, a França, a Alemanha, a Noruega, a Suécia e o Reino Unido.

No âmbito do referido procedimento, foi adotada uma decisão, a 10 de dezembro de 2014, relativa a um procedimento de transação, tendo em consideração que todas as visadas expressaram o seu interesse em realizar conversações de transação com a Comissão Europeia. As recorrentes no processo judicial foram sancionadas, conjunta e solidariamente, com uma coima de 4 729 000 EUR, sendo que a Comissão aplicou diferentes percentagens de redução de coima às várias empresas que participaram no procedimento administrativo de transação.

No processo junto do Tribunal Geral da União Europeia, a Printeos e as restantes recorrentes contestaram a decisão, nomeadamente o montante das coimas que lhes foram aplicadas, por considerarem que a instituição tinha atuado em desconformidade com:
(i) o dever de fundamentação no que se refere ao ajustamento do montante base das coimas e da percentagem concreta da redução aplicada a cada empresa, tendo, ainda, incorrido em abuso de poder;
(ii) o princípio da igualdade de tratamento no âmbito do ajustamento excecional do montante de base das coimas; e
(iii) os princípios da proporcionalidade e da não discriminação ao determinar o montante efetivo das coimas aplicadas. O Tribunal Geral considerou procedentes os argumentos avançados pelas recorrentes, maxime o primeiro fundamento jurídico do seu pedido de anulação da decisão.

Em primeiro lugar, o Tribunal recordou que «o dever de fundamentação previsto no artigo 296.º, segundo parágrafo, do TFUE constitui uma formalidade essencial»3. Neste domínio o Tribunal Geral estatui que «a fundamentação exigida deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo»4. Ainda de acordo com o Tribunal, a análise do cumprimento de tais requisitos de fundamentação depende das circunstâncias de cada caso concreto e da medida adotada pela instituição em causa.

O Tribunal destacou, de igual modo, a especial importância:
(i) do dever da Comissão fundamentar adequadamente as suas decisões, mormente as que aplicam coimas em matéria de direito da concorrência e
(ii) a necessidade de a Comissão Europeia explicar de forma efetiva a ponderação e avaliação que efetua dos elementos tomados em consideração para determinar o montante da coima, cabendo ao Tribunal verificar oficiosamente da existência de fundamentação adequada.

Conforme densificado no Acórdão, estes temas ganham uma maior importância nos casos em que a Comissão se afasta da sua metodologia geral exposta nas respetivas orientações para a determinação das coimas, mediante as quais se autolimita e vincula no exercício do seu poder de apreciação quanto à fixação do montante das coimas5. O Tribunal considerou que, em tais situações, «o respeito pela Comissão das garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos, incluindo o dever de fundamentação, assume uma importância ainda mais fundamental» e, como tal, no caso sub judice, «a Comissão estava obrigada a explicar de forma suficientemente clara e precisa de que modo pretendia fazer uso do seu poder de apreciação, incluindo os diferentes elementos de facto e de direito que tomou em consideração para o efeito»6.

Destarte, na valoração do direito aos factos em causa nos autos, o Tribunal Geral constata que a decisão da Comissão enferma de fundamentação vaga e insuficiente no que diz respeito ao ajustamento dos montantes base das coimas aplicadas às recorrentes e à respetiva justificação, na medida em que a Comissão não disponibilizou, na Decisão às empresas, informações precisas e suficientes sobre o entendimento jurídico vagamente versado. Concomitantemente, o Tribunal Geral considerou procedente o primeiro fundamento invocado pelas recorrentes, por violação do dever de fundamentação – na aceção do artigo 296.º, segundo parágrafo, do TFUE – pela Comissão Europeia, e anulou a coima aplicada às empresas recorrentes.

O acórdão do Tribunal Geral da União Europeia atesta a necessidade da Comissão Europeia, e indiretamente das Autoridades de Concorrência nacionais, fundamentarem de forma adequada e precisa as coimas aplicadas em procedimentos de transação. O Tribunal destaca, de igual modo, que o dever de fundamentação é ainda mais pertinente nos casos em que as Autoridades da Concorrência se afastam das orientações vinculativas por si adotadas que estabelecem a metodologia para a determinação de coimas.

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1 EU:T:2016:722. Acórdão acedido e disponível em curia.europa.eu.
2 Decisão C(2014) 9295 final, de 10 de dezembro de 2014, no processo AT.39780 – Envelopes, acedida e disponível em http://ec.europa.eu/competition/elojade/isef/case_details.cfm?proc_code=1_39780.
3 Vide o § 44 do Acórdão.
4 Idem.
5 In casu, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.º 2, alínea a), do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, JO C 210 de 01.09.2006, p. 2 et seq.
6 Vide os §§ 48 e 49 do Acórdão.